Tal como um cata-vento que está sujeito a ventanias vindas de todos os lados, tal como os minúsculos habitantes de Lilliput que veneram o gigante Gulliver, o retalho tentou reagir e definir uma direção, tentou contribuir para a superação, mas o aparente sucesso do crescimento das vendas do sector foi um mero penso rápido para uma enorme hemorragia que se anuncia.
Quando, em março de 2020, as marcas e os retalhistas se viram perante um novo mundo que se fechava sobre si próprio, um mundo em que as expressões “pandemia” e “isolamento social” passaram a fazer parte da conversa diária, mal sabíamos que, no início de 2021, estaríamos, ainda, mergulhados naquela que será a maior crise de saúde pública de sempre e uma das maiores crises económicas e sociais de todos os tempos.
A capacidade de mudança e adaptação são características de um sector que, ao longo de dezenas de anos, tem sido capaz de enfrentar e superar crises de todo o género com sucesso, reinventando-se e tonando-se, cada vez mais, socialmente responsável. Quando, em março de 2020, os portugueses rumaram às suas casas, o vento mudou de direção, logo, as lojas e marcas apressaram-se a adaptar a um novo modelo de relação, onde os consumidores migraram parte das suas compras para o online e, disciplinadamente, se organizaram para realizar as compras em lojas de maior proximidade, com maior segurança e preocupação por possíveis contágios. A resposta do retalho e das marcas foi exemplar: prateleiras a serem repostas com enorme prontidão (exceção ao papel higiénico!), aumento da capacidade no canal online (crescimento de mais de 300% em algumas lojas!) ou procedimentos de segurança para funcionários e clientes prontamente implementados.
Normalidade voltará em breve
Mas eis que o vento volta a mudar, em final de abril de 2020, indicando que tudo está superado e que a normalidade voltará em breve ao reino de Lilliput, onde os pequeninos habitantes são liderados pelo imperador, auxiliado por um primeiro-ministro e vários ministros. Qual Gulliver perante a adversidade, o retalho muda a agulha e volta a uma suposta normalidade, o chamado “novo normal”, o chamado “novo consumidor”, o chamado “novo retalho”.
O pequeno retalho de rua, a restauração, cabeleireiros, ginásios e outras lojas sorriram perante tão boas novas, quando muitos já definhavam e agoniavam na iminência uma morte anunciada. As fonteiras do reino abriram e milhares de visitantes iriam brotar da fonte do turismo, resolvendo, de vez, os males da primavera.
Sol de verão
Mas eis que o sol de verão se põe e os ventos de outono começam a soprar em todas as direções, fazendo com que o cata-vento não pare. Os ventos também trazem uma acusação de traição a Gulliver, alvo de normas e decretos-lei que parecem indicar que é ele o responsável por todos os males do reino. Num dia, o horário é normal, noutro até às 22 horas, depois vem o Natal e, afinal, é até às 13 horas, mas, como se não chegasse a confusão, noutro dia já é às 17 horas. Num dia pode vender tudo, noutro não pode vender bebidas alcoólicas, noutro dia já não pode vender roupa ou livros à sua adorada população.
E, perante tais ventos e acusações, o que faz Gulliver? Enfrenta os ventos, enfrenta os seus acusadores e volta a reinventar-se, como sempre o fez!
Liderar o futuro
A semelhança entre um cata-vento que roda sem parar e as decisões que afetam o retalho e a população portuguesa não é uma mera coincidência, a semelhança entre o comportamento dos governantes de Lilliput e de Portugal é mais do que uma sátira que nos poderia fazer sorrir, é uma triste sina de um povo que há muito se desligou de liderar o seu futuro.
O ano de 2021 não começa com sorrisos, será certamente um ano em que a palavra “resiliência” tomará uma importância ainda maior, perante os desafios que os portugueses irão enfrentar. O papel do retalho e das marcas será ainda mais importante, estando ao lado dos portugueses e auxiliando-os a superar os difíceis momentos que têm pela frente.
O vento voltará a soprar na direção certa, os reinos voltarão a estar de acordo sobre o futuro e, nesse dia, os consumidores saberão julgar e agradecer aos que estiveram sempre do seu lado, de forma responsável e ética. Que venha 2022!