Nos primeiros nove meses de 2020, os prejuízos acumulavam mais de 20 milhões de euros. Mas eis que chegou o quarto trimestre, com a Sonae a inverter a situação de perda e a “salvar” os resultados. É certo que com uma queda de 57,2%, face aos 166 milhões de euros obtidos em 2019, mas no verde: 71 milhões de euros. E, apesar das várias restrições implementadas pelas autoridades nacionais, o volume de negócios consolidado aumentou 6,6%, para 1,9 mil milhões euros, no quarto trimestre.
Questionado, durante a apresentação das contas do grupo, sobre o que explicaria o “milagre do quarto trimestre”, João Dolores, CFO da Sonae, recusou qualquer conotação prodigiosa com o desempenho do grupo. “Não há milagres, há muito trabalho”, respondeu prontamente para explicar o sucedido na reta final do ano. “Tivemos mais agilidade e capacidade de nos adaptarmos à era digital e fomos capazes de servir os clientes. O milagre foi o nosso esforço, trabalho e dedicação. O quarto trimestre tem, normalmente, um peso desproporcionalmente alto nas vendas do ano e 2020 não foi diferente”.
De resto, todo o discurso dos responsáveis da Sonae presentes na conferência de imprensa de apresentação dos resultados financeiros de 2020 alinhou por este diapasão. Num ano em que “tudo aconteceu”, como o caracterizou Cláudia Azevedo, as vendas cresceram 6% e atingiram o valor recorde de 6,8 mil milhões de euros e o EBITDA subjacente ficou praticamente em linha com o de 2019 (593 milhões de euros). “Aguentámos a pancada”, descreveu, atribuindo o aumento do volume de negócios a uma “proposta de valor imbatível”.
“O ano em que tudo aconteceu”
No mesmo ano, duas realidades. Em março de 2020, com cerca de mil lojas fechadas encerradas, o online conhecia picos nunca vistos. “A nossa missão e valores ajudaram-nos muito. Desde o início que sabíamos que o caminho era servir os portugueses em todas as plataformas e ajudá-los a superar as dificuldades. Esse propósito ajudou-nos a manter o norte”, descreveu a CEO da Sonae.
As receitas online mais que duplicaram, atingindo os 480 milhões de euros, cerca de 1,3 milhões de euros por dia, o que leva a Sonae a reclamar a liderança neste canal em Portugal. “O novo normal exigia uma velocidade diferente e a decisão foi a de acelerar. Não sabemos quanto do futuro avançámos neste período, mas sabemos que temos de fazer ainda mais para antecipar o próximo futuro. E que esta aceleração toda de nada nos serve se não cuidarmos do planeta. Assim, reforçamos o compromisso, passados cinco anos da subscrição do Acordo de Paris, e antecipamos as metas. Vamos ser carbonicamente neutros já em 2040”, detalhou João Günther Amaral, Chief Development Office da Sonae. “Um número crescente de pessoas apercebeu-se que esta crise é de desenvolvimento sustentável. Não se pode ter bom negócio num mau planeta”, reforçou Cláudia Azevedo.
“Somos viciados em crescer e em inovar”
“Somos viciados em crescer e em inovar. Temos a certeza de que as nossas lojas são das melhores do mundo”, prosseguiu a CEO da Sonae, comentando os resultados e o investimento que o grupo manteve, mesmo em contraciclo, para reforçar a sua proposta de valor. No total, em 2020, foram alocados mais de 500 milhões de euros, dos quais, 470 milhões de euros em Portugal. Grande parte deste investimento foi direcionado para as competências digitais, de modo a habilitar a Sonae a “concorrer com os melhores do mundo”. “O nosso jogo não é apenas Portugal. Investimos na liderança”, reiterou Cláudia Azevedo.
E numa altura em que o digital acelerou tão significativamente, a CEO da Sonae segue com muita atenção os movimentos dos grandes “players”, como a Amazon e o Alibaba, sublinhando a necessidade de um “level playing field” em termos concorrenciais. “Temos na Sonae insígnias que podem perfeitamente concorrer com esses operadores, mas necessitam das mesmas condições. A entrada da Amazon em Portugal poderá ser um desafio para a Sonae e para todos os operadores portugueses, mas não temos dúvidas de que lhes podemos dar luta e até ganhar”.
O modo como 2020 testou a resiliência das cadeias de abastecimento do retalho nacional, de modo geral, e das insígnias da Sonae, de um modo particular, é encarado pela gestora como uma oportunidade única para o seu desenvolvimento e, consequentemente, posição no mercado. “A pandemia de Covid-19 impactou cada aspeto das nossas vidas e desafiou-nos enquanto organização. Enfrentámos disrupções profundas em áreas como a saúde e a segurança, o trabalho remoto, as cadeias de abastecimento e a aceleração digital. E não só estivemos à altura do desafio, como nos projetámos para o futuro. Somos hoje uma empresa preparada para a era digital. A nossa resposta à pandemia distinguiu-nos de forma clara da concorrência”.
Reforço das quotas de mercado
Continente e Worten viram as suas quotas de mercado no e-commerce atingirem valores bem acima das suas posições, que eram já de liderança em Portugal, contribuindo para um total de vendas online do grupo de cerca de 480 milhões de euros.
Detalhando os resultados, a Sonae MC teve “um ano extraordinário, claramente à altura dos desafios, com o reforço da liderança em Portugal, quer em vendas, quer em satisfação dos clientes”, descreveu João Dolores. Para o seu crescimento de 9,6%, para os 5.153 milhões de euros, foi muito importante a evolução do e-commerce do Continente, cujas vendas aumentaram 80% face a 2019.
Paralelamente, apesar dos custos relacionados com pandemia, que de acordo com o CFO da Sonae foram significativos, e do encerramento das lojas, a rentabilidade operacional manteve-se. A Sonae MC foi capaz de apresentar uma evolução do EBITDA subjacente em linha com o crescimento das vendas, aumentando 10% para 526 milhões de euros, com o crescimento das vendas a mitigar os custos relacionados com a Covid-19.
Por seu turno, a Worten destacou-se “pela agilidade e grande progresso digital”, com a quota de mercado do online a superar, pela primeira vez, a das lojas físicas. Com um crescimento global, em Portugal, de 14%, “bem acima do mercado”, destaca-se o disparo do negócio online da Worten em 130%. “A Worten é hoje mais jovem, digital e sólida”, caracterizou João Dolores.
No acumulado do ano, e considerando os negócios de Portugal e Espanha, a Worten apresentou um crescimento de 6,8% em termos homólogos, alcançando um volume de negócios total de 1.161 milhões de euros.
Para a Sonae Fashion, porém, 2020 foi um ano muito complicado, com as lojas encerradas ou com restrições. Mesmo assim, sublinhou o CFO, o desempenho das insígnias de moda foi resiliente, ao se encontrarem novas formas de servir os clientes, com as vendas online a crescerem 80% (já representam 14% das vendas totais) e com o lançamento de novos produtos direcionados às necessidades dos clientes, como as máscaras da MO. Não obstante, o volume de negócios caiu 12% face a 2019, para os 344 milhões de euros, “ainda que bastante melhor do que o mercado como um todo”. O desempenho no quarto trimestre foi melhor do que o esperado e a Sonae Fashion atingiu um volume de negócios de 112 milhões de euros, apenas 1,6% abaixo do homólogo de 2019. À semelhança dos trimestres anteriores, houve desempenhos distintos entre as
No negócio do desporto, as vendas caíram 2%, para os 660 milhões de euros, uma descida contida pelo facto do online ter triplicado.
Já os serviços financeiros também não foram imunes à pandemia, embora o número de clientes de cartão Universo tenha continuado a aumentar. Hoje, já é o segundo operador de cartões de crédito no país.
Na NOS, 2020 traduziu-se numa perda de 6% das receitas, muito devido ao encerramento das salas de cinema, mas o negócio do grupo mais impactado pela pandemia foi mesmo a Sonae Sierra. “As restrições a que os centros comerciais foram sujeitos e aspetos da legislação portuguesa que consideramos altamente injustos traduziram-se em menos 90 milhões de euros de resultados líquidos, sobretudo, devido aos descontos nas rendas em 55% que tivemos de efetuar. Mas a empresa não parou. Esteve sempre ativa na implementação de medidas de segurança e de apoio aos lojistas, como o sistema Drive In e as parcerias estabelecidas com marketplaces”.
Futuro
Com 2021 a arrancar de um modo muito semelhante ao que foi 2020, e sendo uma empresa cotada em Bolsa, a Sonae não deu grandes perspetivas de como está a evoluir este primeiro trimestre. Questionada sobre quando esta recessão poderá estar terminada, Cláudia Azevedo não quis arriscar datas, até porque as mais recentes projeções sobre o desemprego avançadas pelo Banco de Portugal são muito negativas. Ficou, no entanto, a convicção de que esta é numa crise diferente das anteriores, pelo que o país tem a responsabilidade de usar o dinheiro da chamada “bazuca europeia” para investimentos produtivos.
Do pouco que pode dizer sobre o primeiro trimestre de 2021, João Dolores indicou que as dinâmicas são sensivelmente as mesmas, com alguns negócios a apresentarem um bom desempenho das vendas e face à concorrência e outros mais impactados. Reconhece, no entanto, uma melhor preparação face à que existia no início da pandemia.
E fica a promessa de investimento, mais ou menos em linha com o que vinha a ser feito até aqui, nas operações, com um maior foco no digital, embora os planos de expansão se mantenham, apostados, sobretudo, no formato de proximidade. O ritmo de 15 a 20 lojas abertas, por ano, do Continente Bom Dia será, assim, para manter.
Por outro lado, se é certo que a pandemia veio atrasar em um a dois anos o plano de transformação da Sonae Fashion, não existirá qualquer mudança de estratégia, reiterando-se a confiança no parque de lojas físicas atualmente detido.
Relativamente à Worten, o projeto Espanha é para manter, não obstante a recente venda de lojas à Media Markt. “Temos uma quota muito significativa nas Canárias e o online mantém-se em toda a Espanha. E queríamos crescer. Acreditamos nesta estratégia e, para já, está a correr bem“, sublinhou Cláudia Azevedo.