Os retalhistas portugueses estão a redefinir o modelo de negócio na área do “retail media”, de forma a conquistarem mais investimento. Nos Estados Unidos, já representa um quinto do investimento das marcas.
O “retail media” entrou definitivamente nas estratégias das marcas e retalhistas. As análises ao investimento publicitário mundial tinham já sinalizando a importância crescente destes meios para chegar ao consumidor. Com crescimentos anuais na ordem dos dois dígitos, este ano, o “retail media” deverá conquistar 130 mil milhões de euros de investimento em todo o mundo, de acordo com dados da consultora Warc. Isto significa que, em termos mundiais, o “retail media” é já o quarto maior meio de investimento das marcas podendo, em breve, ultrapassar o valor canalizado para os canais de televisão linear.
A Amazon continua a ser o principal “player” – aliás, nos Estados Unidos, o “retail media” conquista um em cada cinco dólares gastos em publicidade. No entanto, assiste-se a um protagonismo crescente das plataformas chinesas, como é o caso da Alibaba ou da Pindoudou, dona da Temu.
Por sua vez, a consultora Emarketer identifica o “retail media” como a terceira vaga da publicidade digital, após o impacto que significou o “search” e as redes sociais nas estratégias das marcas.
Outro dado que evidencia a atenção que os retalhistas estão a colocar neste tema: de acordo com a Deloitte, 64% dos executivos das grandes empresas de retalho dos Estados Unidos prevê implementar uma rede de “retail media” até ao final de 2024.
As movimentações estão também a decorrer no mercado português. A estratégia da Sonae para a Endless foi publicamente apresentada em junho, num evento que teve como palco o Continente Bom Dia do Largo do Rato (Lisboa). O Pingo Doce criou, no início deste ano, uma área de “retail media”. A Auchan encontra-se num processo de reestruturação de “retail media”, prevendo, em breve, apresentar a sua visão para esta área, adiantou à Grande Consumo fonte oficial do grupo.
“A tendência será de crescimento, face aos exemplos que conseguimos mapear nos mercados nos quais o ‘retail media’ já está consolidado”
Carlos Paulo, head of Endless – Retail Media Solutions, novo “player” do mercado, assegura que a Endless vem “criar uma nova dinâmica no ecossistema de media, introduzindo um fator altamente diferenciador, que é o conhecimento único que a MC tem acerca do comportamento dos consumidores, as suas preferências e quais os seus canais de eleição. O alavancar deste conhecimento, conjugado com a capacidade de medir o impacto em vendas das campanhas das marcas, acabam por ser as principais novidades face ao que a MC, no âmbito da sua operação, oferecia anteriormente”.
A proposta da Endless passa por disponibilizar uma forma de comunicar “o mais holística possível e que ocorra nos diversos canais que temos ao nosso dispor”. Isto inclui vários formatos de canal “on-site”, como os sites ou a app Cartão Continente, através da colocação de produtos em destaque nestes diversos tipos de páginas (pesquisa, categoria ou de checkout no site continente.pt) ou em vídeos para a app. “Assim, é possível impactar os consumidores em diversos momentos-chave da sua jornada de compra online, ao mesmo tempo que se alavanca o ‘reach’ destes canais”, prossegue Carlos Paulo. Há mais pontos de contacto com os consumidores à disposição das marcas: newsletters, “push notifications” ou cupões personalizados, assim como formatos físicos e digitais nas lojas Continente.
“É uma audiência muito interessante para as marcas e que conhecemos bem, porque sabemos o que procura e o que compra”
O líder da Endless considera que ainda é cedo para falar de expectativas de faturação, mas indica que está já a trabalhar com a generalidade das agências de meios e com as principais marcas de bens de grande consumo presentes nas insígnias da MC. “A tendência será de crescimento, face aos exemplos que conseguimos mapear nos mercados nos quais o ‘retail media’ já está consolidado”, aponta Carlos Paulo.
O Pingo Doce avançou, no início de 2024, com a criação de uma área de “retail media”, tendo uma equipa dedicada dentro da direção de Inovação & Digital. “Esta equipa está focada em explorar formas de acrescentar valor aos nossos parceiros, através da partilha de informação sobre comportamentos de consumo e de novas oportunidades de comunicação”, explica à Grande Consumo Francisco D’Almeida, diretor de Inovação & Digital do Pingo Doce. O responsável identifica o “retail media” como uma das áreas de investimento de media digital que mais tem crescido nos últimos anos. Portugal não é exceção. “Acreditamos que há muito potencial de crescimento e muitas oportunidades para as marcas. A proliferação de canais digitais e um melhor acesso a informação dos consumidores, através dos sistemas de fidelização, como é exemplo a app o Meu Pingo Doce, são fatores que vão contribuir para este crescimento”. Mesmo sendo uma área de negócio recente no Pingo Doce, “já estamos a implementar diferentes campanhas com os nossos parceiros, que estão a funcionar como ‘teste’ para percebermos quais os melhores caminhos, de forma a garantir que as oportunidades de ‘retail media’ criam valor para as marcas e para os clientes. O ano de 2025 vai ser de consolidação da área e, por isso, esperamos de forma natural um crescimento significativo”, prossegue Francisco D’Almeida.
A oferta de “retail media” do Pingo Doce varia consoante o objetivo que a marca tem para a campanha. “Todos os dias, temos milhares de clientes que interagem com o Pingo Doce, seja nas lojas ou nos canais digitais. É uma audiência muito interessante para as marcas e que conhecemos bem, porque sabemos o que procura e o que compra. Isto é importante para as marcas, porque conseguem criar campanhas direcionadas a grupos específicos de clientes, mas é também para os consumidores, porque têm assim acesso ofertas exclusivas, mais personalizadas e mais relevantes”, refere Francisco D’Almeida. Por exemplo, os pais recentes inscritos no Clube do Bebé do Pingo Doce já recebem informação e promoções específicas sobre produtos desta categoria. “Se o objetivo for ativar um segmento específico de clientes, por exemplo, clientes que compravam a marca e deixaram de o fazer, temos a capacidade de criar ofertas na nossa app O Meu Pingo Doce, através de cupões ou da presença no Poupa Shaker, e de criar ‘mailings’, ‘push’ e SMS dedicados. Se, por outro lado, o objetivo for anunciar um lançamento de um produto, disponibilizamos o nosso site, as nossas redes sociais e inclusivamente a nossa colaboração com ‘influencers’ para dar força às marcas”, ilustra.
O plano de renovação das lojas Pingo Doce, que está a decorrer, também impacta a oferta de “retail media”. “Estamos a aliar essas renovações a um desenvolvimento de infraestruturas, como, por exemplo, ecrãs digitais. Desta forma, conseguimos aumentar os suportes e as oportunidades”, adianta Francisco D’Almeida, que acrescenta que o som de loja também constitui uma ferramenta disponível “que tem crescido ao longo dos últimos meses”.
Uma experiência que começa em 2019
Na Fnac Portugal encontra-se uma área de “retail media” com uma experiência consolidada. A RetailLink foi criada em França, há cerca de sete anos, para dar resposta às transformações do mercado digital e e-commerce e refletindo a necessidade de amplificar a voz das marcas no ecossistema do retalhista. Em 2019, a RetailLink foi implementada em Portugal, com foco nas marcas fornecedoras das lojas Fnac.
“Em 2023, expandimos este serviço a marcas não endémicas, desde que haja afinidade com o nosso público. Tem sido um caminho desafiante, mas está em crescente expansão. Prova disso é que esta área está também a ser desenvolvida nos restantes países onde a Fnac está presente”, aponta Sónia Almeida, responsável de Retail Media & Parcerias da Fnac Portugal.
“Uma campanha pode começar com foco em notoriedade através de ativações de produto e ecrãs digitais nas lojas, seguida de uma campanha digital segmentada e culminando em ofertas exclusivas para aderentes ao nosso programa de fidelidade”
Neste caso, a unidade de negócio de “retail media” está inserida no departamento de marketing, que se dedica ao desenvolvimento e gestão de campanhas de “retail media” para a Fnac e para a MediaMarkt, na sequência da sua aquisição em 2023. A equipa inclui especialistas em estratégia de marketing omnicanal, marketing digital, performance e análise de dados, que trabalham em colaboração com outras áreas da empresa, como o departamento comercial, e-commerce e operações de loja. “Desenvolvemos diferentes estratégias e ações de comunicação, tendo em conta os objetivos de cada marca e o sector onde opera, colocando o cliente no seu centro. É por esta razão que esta solução é atraente para qualquer marca que procure eficácia de comunicação e alcançar um público-alvo específico”, argumenta Sónia Almeida, acrescentando que a oferta adapta-se aos objetivos de negócio e comunicação das marcas. “Para campanhas de performance, que visam alavancar as vendas, oferecemos soluções de publicidade de e-commerce e campanhas de ‘retargeting’ digital. Estas estratégias têm mostrado resultados significativos, especialmente para marcas que utilizam os nossos canais digitais para impulsionar vendas específicas durante períodos promocionais. Para objetivos de topo de funil, focados em aumentar a notoriedade e o reconhecimento de marca, disponibilizamos suportes de alto impacto dentro das nossas lojas, desenvolvimento de conteúdos bem como comunicação ‘co-branded’ em meios ATL de grande alcance. Além disso, para uma abordagem omnicanal que toca em todos os níveis do funil, oferecemos combinações integradas de soluções. Por exemplo, uma campanha pode começar com foco em notoriedade, através de ativações de produto e ecrãs digitais nas lojas, seguida de uma campanha digital segmentada e culminando em ofertas exclusivas para aderentes ao nosso programa de fidelidade”, descreve.
Que resultados?
Entre os fatores que contribuem para o crescimento do “retail media” estão, a par da capacidade de segmentação dos alvos a atingir, o conhecimento acumulado sobre consumidores reais e a capacidade de medição do impacto das campanhas nas vendas, tanto online como nas lojas físicas. Francisco D’Almeida refere que “a informação de consumidor é a base da nossa atividade de ‘retail media’. Temos uma oferta de ‘insight sharing’ com muitos parceiros já ativa, que lhes permite perceber a relação dos clientes do Pingo Doce com as suas marcas. Esta informação acaba por ajudar a identificar oportunidades de ‘retail media’”.
Além disso, no final das campanhas, a equipa do Pingo Doce produz um relatório com os resultados da campanha, oferecendo às marcas “uma visão transparente” do impacto do seu investimento no período da campanha e nas semanas seguintes.
“Encontramo-nos numa fase muito incipiente, onde o mercado está a aprender e a conhecer o que significa realmente ‘retail media’”
Também na Fnac são partilhados com as marcas relatórios sobre o desempenho das campanhas realizadas que incluem métricas, por exemplo, alcance, taxa de interação, número de cliques e conversões geradas. “Estes ‘reports’ analíticos geram ‘insights’ essenciais para a avaliação da eficácia das campanhas e permitem a otimização das mesmas”, aponta Sónia Almeida.
O manancial de dados que os retalhistas dispõem sobre os seus consumidores permite que as equipas de “retail media” desenhem campanhas de comunicação em linha com os interesses dos consumidores. Carlos Paulo dá o exemplo do Cartão Continente: “o objetivo primário dos dados do Cartão Continente, no âmbito do projeto de ‘retail media’, é adquirirmos conhecimento para, entre outras possibilidades, oferecer aos consumidores a experiência e ofertas mais relevantes com base nos seus padrões de consumo e nas suas preferências”.
Digitalização é para continuar
Com o investimento em “retail media” em Portugal a evoluir rapidamente, assiste-se ao aumento significativo nos suportes digitais e nas iniciativas nas grandes redes de retalho. A in-Store Media está a reforçar os circuitos digitais nos pontos de venda, com acordos com retalhistas como Continente, Auchan e El Corte Inglés. Ao longo de 2024, estão a ser introduzidas inovações digitais “mais espetaculares e atraentes em diferentes retalhistas”, incluindo “ecrãs de 65 polegadas nos corredores centrais, para impactar clientes em qualquer fase do seu processo de compra e melhorar a experiência do cliente na loja”, revela Jordi Cassany, general manager Portugal da in-Store Media. A oferta da in-Store Media é omnicanal, abrangendo o e-commerce, “on-site” e “off-site”, assim como lojas físicas, com suportes tradicionais e digitais dos retalhistas.
O mesmo responsável adianta que a empresa realizou um investimento de cerca de dois milhões de euros, nos últimos anos, e que tem projetos para investir outros dois milhões para o período 2024-2026. “O ano de 2025 marcará a consolidação do caminho que estamos a trilhar em Portugal, tanto no sector de FMCG, com uma quota de mercado superior a 55%, como em outros sectores, com acordos com outros retalhistas”, aponta.
O momento atual da área de “retail media” em Portugal “é muito positivo e mostra um crescimento sustentado. Encontramo-nos numa fase muito incipiente, onde o mercado está a aprender e a conhecer o que significa realmente ‘retail media’”, indica Jordi Cassany. “O crescente interesse dos anunciantes deve-se, em grande parte, a dois elementos-chave: a eficácia comprovada das campanhas de ‘retail media’, que permitem às marcas conectar-se diretamente com os consumidores em momentos críticos de decisão de compra, oferecendo uma rentabilidade significativa e mensurável do investimento, e a entrada da digitalização no ponto de venda, permitindo às marcas dispor de um meio de comunicação adicional, eficaz e impactante”, contextualiza o general manager Portugal da in-Store Media, sublinhando que o “retail media” diferencia-se de outros suportes de “out-of-home” que não têm a capacidade de medir se a venda do produto aumentou, ou não, devido a uma campanha específica ou conhecer o perfil do shopper que compra o produto anunciado. Jordi Cassany dá como exemplo o trabalho com o Continente e a Auchan em ambientes de loja física, onde consegue medir as campanhas com resultados, com uma média de crescimento nas vendas dos produtos publicitados de 18% a 20%.
Este artigo foi publicado na edição N.º 88 da Grande Consumo.