Nasceu dias antes da revolução, enfrentou toda a convulsão que se sucedeu, e que sacudiu de um modo particular o sector financeiro, e conseguiu alcançar as cinco décadas. Mais do que resiliência, é de irreverência que é feita a história da Unicre, no entender do seu administrador executivo, Fernando Carvalho, tal tem sido a sua capacidade de antecipar as tendências e as necessidades. Sublinha que, mesmo a nível mundial, são poucas as empresas do sector financeiro que atingem a longevidade da Unicre. A história do sector financeiro português tem sido escrita com o seu contributo, desde a emissão dos primeiros cartões Unibanco, sob o sistema de pagamentos Visa, à aceitação do primeiro cartão de débito no país, passando pela instalação dos primeiros TPAS, entre tantos outros capítulos. E assim continuará no futuro, garante Fernando Carvalho. Simplicidade, confiança, fiabilidade, eficiência são adjetivos que a Unicre quer cada vez mais associar ao ato de pagar, para que, um dia, ao pedir a conta, deixe-se de vez de utilizar a expressão “traga a dolorosa”.
Grande Consumo – A 17 de abril de 1974, foi assinada a escritura para a constituição da Unicre, instituição que assinala 50 anos de atividade comercial. Ninguém, seguramente, pensaria que, oito dias depois, o país acordaria com a Revolução dos Cravos. O que trouxe de novo ao mercado a primeira instituição financeira especializada na emissão de cartões e demais soluções de pagamento?
Fernando Carvalho – Quem é que poderia imaginar que, oito dias depois de uma empresa financeira se lançar no mercado, se dava uma revolução, com o sector financeiro e o capitalismo a serem postos em causa, as privatizações a acontecerem. Ter enfrentado tudo isso e, 50 anos depois, ainda estar no mercado significa que o valor que estava por detrás da Unicre era realmente grande. E continua a ser.
A capacidade de alinhar com o que estava a ser feito internacionalmente e de dotar os portugueses da possibilidade de efetuar pagamentos, seja em Portugal, seja no estrangeiro, tinha valor. Era algo que a banca via ser desenvolvido no exterior, mas que não tinha capacidade de fazer internamente. Portanto, havia a necessidade de juntar esforços. A Unicre trouxe algo realmente único.
Não se encontram muitas sociedades financeiras com 50 anos. Tudo isso reflete o valor do produto e das pessoas que o têm desenvolvido.
GC – Qual foi o papel da Unicre na inovação dos pagamentos em Portugal? De que forma a empresa tem contribuído para o desenvolvimento económico e financeiro do país?
FC – O pós-25 de Abril trouxe um grande desenvolvimento e o país aproveitou-o para começar do zero e para reconstruir todo o seu sistema financeiro. E o que é certo é que, nos anos 80, esta reformulação coloca Portugal como um dos países mais desenvolvidos no sistema financeiro. É uma afirmação segura. Fomos pioneiros. Muitos outros países tinham vários sistemas que não comunicavam entre si. Ir a uma ATM significava não ter toda a informação do nosso banco. Em Portugal, isso já não acontecia.
Tudo isso permitiu a evolução e movimentação dos meios de pagamento, nomeadamente os cartões, que também vão evoluir e deixar de ser só um meio de pagamento. Em 1984, lançámos o primeiro cartão de crédito, dando a capacidade de fazer pagamentos, mas também de gerir as despesas. Como consequência, nasceu, em 1986, a aceitação de pagamentos, termo simpático que, em Portugal, demos ao “acquirer”. A Unicre passou, assim, a ter dois negócios – o cartão Unibanco e a aceitação dos meios de pagamento – e, mais uma vez, foi disruptiva no seu tempo.
GC – Os primeiros cartões Unibanco, emitidos com a marca MasterCharge/Interbank, proporcionavam um método de pagamento que podia ser usado por quem viajava para fora do país. Mais tarde, a Unicre deu outro passo crucial ao aceitar o primeiro cartão de débito do país, o Cartão Totta Gold. Consegue-se imaginar o que seria a vida sem estas soluções?
FC – É um bocadinho como imaginar o que seria hoje a vida sem os smartphones. Estas novas gerações já não são capazes de o conceber. Do mesmo modo, hoje, já ninguém se vê sem ter um meio de pagamento.
“O pós-25 de Abril trouxe um grande desenvolvimento e o país aproveitou-o para começar do zero e para reconstruir todo o seu sistema financeiro. E o que é certo é que, nos anos 80, esta reformulação coloca Portugal como um dos países mais desenvolvidos no sistema financeiro. É uma afirmação segura. Fomos pioneiros. Muitos outros países tinham vários sistemas que não comunicavam entre si. Ir a uma ATM significava não ter toda a informação do nosso banco. Em Portugal, isso já não acontecia”
GC – Em 1990, a Unicre instalou os primeiros terminais eletrónicos de pagamento em Portugal. Consideram que revolucionaram a forma como as compras eram feitas?
FC – Digamos que foram os primeiros passos de digitalização, ao se tornar todo o processo mais automatizado, em termos de registo e de comunicações. A passagem do cartão parece simples, mas, por detrás, há uma teia grande que era preciso simplificar, industrializar e automatizar.
GC – De que forma a Unicre, ao longo destes 50 anos, tem antecipado tendências e necessidades?
FC – O facto de sermos uma empresa financeira – e não há muitas – com 50 anos significa que o temos sabido fazer. E em ambos os negócios. Seja no desenvolvimento do cartão Unibanco, que foi criando especificidades, com melhor informação, acompanhamento e condições e maior fiabilidade e confiança, e no sistema financeiro este é um tema fundamental (hoje, o que caracteriza a marca Unibanco é a confiança). Seja nos meios de pagamento, isto é, no apoio à economia, com meios mais flexíveis, para que o ato de pagamento deixe de ser difícil. E veja-se como evoluiu tão rapidamente, nestes 50 anos, sendo hoje possível pagar através do telemóvel. Nos dias de hoje, o consumidor não precisa de ter o cartão na mão, basta ter o seu telemóvel. Mas também – e é a última novidade na Unicre – o comerciante não precisa de ter o terminal de pagamento na sua mão, tendo já um sistema de pagamentos no seu telemóvel.
GC – Em 50 anos, têm sido um observador privilegiado da evolução do consumo e do comércio em Portugal. Quais os factos que destacariam nesta mesma evolução de cinco décadas?
FC – Mais do que observadores, fomos agentes de mudança. Partindo da observação, introduzimos no mercado, 50 anos depois, um modelo diferente de pagamento, que é o Parcela Já com Unicre. Hoje, o tema já não é o da aceitação de pagamentos, mas da capacidade do cliente conseguir fazer o parcelamento no ato da compra, ao balcão, no mesmo terminal. Esta transformação está a ser feita no exterior e em Portugal. Com estes novos produtos, vamo-nos posicionar para estar no mercado, pelo menos, mais 50 anos.
GC – Se, na altura em que a Unicre nasceu, o sistema financeiro português estava passos atrás dos pares internacionais, como analisa o seu atual nível de desenvolvimento?
FC – Se compararmos com alguns países da Europa, como Espanha, França ou Itália, nitidamente estamos à frente. Alguns países nórdicos já têm o tema do parcelamento dos pagamentos um bocadinho mais avançado, mas é algo onde estamos a progredir.
A capacidade do consumidor poder gerir imediatamente a sua compra e decidir pagá-la nalgumas prestações faz aumentar as vendas em 10% a 12%. É o caso da senhora que, na loja, se mostra indecisa entre dois vestidos e decide levar ambos, porque pode pagar em seis vezes. Estamos a melhorar as condições de pagamento do consumidor e a dar aos comerciantes um instrumento para gerir e fazer crescer o seu negócio. É esta a inovação que estamos a introduzir no mercado dos pagamentos, que parecia até certo ponto estagnado.
“O grande desafio, na área de pagamentos, é o terceiro vetor de grande crescimento, que são as soluções de integração. É a relação entre o negócio do cliente e o ato de pagamento”
GC – É crível que, nos próximos cinco a 10 anos, haja um novo salto qualitativo significativo no que à oferta tecnológica diz respeito? Como poderá evoluir o sistema financeiro e qual o papel da Unicre nessa evolução?
FC – Nestes próximos cinco anos, há um sector que se vai desenvolver bastante, que é o do e-commerce. Falo, por exemplo, daquela compra imediata e simples, em que eu vejo a publicidade no Instagram e compro. Mas também da compra em marketplaces com vários produtos, em que constituo o meu carrinho e, na fase final, vem a parte dolorosa, que é pagar.
Este pagamento tem de ser fácil, para que, quando estou no Instagram e desejo comprar, se torne muito simples e num ato repetitivo. O comerciante, por exemplo, envia um link e pago por WhatsApp. Mas também tem de ser fácil no marketplace, onde estou a comprar de empresas diferentes e, através do sistema de pagamentos, consigo depois gerir tudo, seja com o marketplace, seja com as várias empresas.
Portanto, temos de evoluir muito na simplificação de processos e na automatização, para que este negócio eletrónico se possa realmente desenvolver. E há espaço para que possa crescer bastante. Mais do que investimento, falo de criatividade. Na Unicre, estamos a trabalhar na construção destas funções, desde a pequenina chave-na-mão para fazer um pagamento por WhatsApp até à construção de um marketplace, permitindo, dessa forma, que o tema dos pagamentos seja mais uma alavanca para o crescimento do negócio dos comerciantes.
GC – Que papel poderá desempenhar a inteligência artificial no futuro dos pagamentos?
FC – A inteligência artificial veio para ficar. Hoje, já não há intervenção que não se passe pela inteligência artificial. Na Unicre, já utilizamos a inteligência artificial, mas mais na predição de crédito. No futuro, contudo, vai ser fundamental para encontrarmos soluções personalizadas. Estamos na era da hiper personalização, pelo que temos de oferecer soluções personalizadas, seja as mais adequadas às necessidades do cliente, seja na construção de “pricing”, e em tempo real. Por exemplo, no Parcela Já com Unicre, a análise de risco é feita automaticamente e online e a operação demora 20 segundos.
A inteligência artificial, associada ao “machine learning”, vai criar condições para dar respostas mais rápidas e soluções mais adequadas aos clientes, que se refletem num mais elevado nível de satisfação.
GC – Que outros desafios poderá o futuro trazer?
FC – O grande desafio, na área de pagamentos, é o terceiro vetor de grande crescimento, que são as soluções de integração. É a relação entre o negócio do cliente e o ato de pagamento.
Todos estamos habituados a ir ao restaurante ou ao café, fazer o pagamento com o cartão no POS e saírem dois talãozinhos, um que fica para nós e outro que é colocado junto de muitos outros talãozinhos, normalmente presos com um clipe. No final do dia, o restaurante ou café vai trabalhar todos aqueles papelinhos para fazer a conciliação bancária. Mas também estamos habituados a ir ao supermercado e ver já uma solução integrada, que reduz o risco operacional e o tempo de operação. Estas soluções integradas para cada negócio, que fazem a ligação entre a solução informática de gestão de contabilidade ou de gestão do negócio, vão ser também uma grande evolução no sentido da redução do risco do pagamento em todo o processo produtivo e uma fonte de inovação em todo o processo de pagamento.
GC – Também nesta indústria, o futuro terá de ser mais sustentável?
FC – Queremos também dar o nosso contributo para a sustentabilidade, através da redução do papel, da construção de processos mais digitais e fiáveis, com menos risco operacional, de forma a alcançar uma sociedade mais sustentável.
É evidente que, a nível sustentabilidade, há muitas ações que colocamos no nosso próprio negócio. Assumimos essa responsabilidade no âmbito dos nossos programas de ESG e são fatores a que queremos dar mais força e maior consciência, seja interna, seja externamente.
GC – É de resiliência que se trata a história da Unicre?
FC – De resiliência e de irreverência. Ainda no outro dia, estava a fazer uma compra num comerciante de alguma dimensão e pus-me a imaginar todo o processo por detrás e se o poderíamos simplificar. A história da Unicre é feita desta atenção ao mercado e desta consciência da realidade. Hoje, pagamentos, conciliação bancária, gestão de stocks, contabilidade, tudo isso tem de estar integrado.
Há muitas multinacionais que estão a vir para Portugal e trazem as suas soluções. A Unicre está também a desafiá-las para que olhem para a solução portuguesa. Mais uma vez, está a antecipar tendências e necessidades, a ver qual será o próximo passo.
Hoje, o consumidor tem os seus cartões todos numa wallet, tem os seus sistemas de pagamento no telemóvel, tem capacidade de escolha nos métodos de pagamento e a Unicre trabalha para que tenha sempre mais confiança e facilidade nos mesmos, para que, um dia, a expressão “dolorosa” deixe de estar associada ao ato de pagar.
GC – Uma mensagem para todos aqueles que confiaram nos serviços da Unicre, ao longo 50 anos?
FC – A grande mensagem é que pomos o nosso maior esforço em merecer a confiança dos nossos clientes, do início ao fim. Seja na parte de cartões, na fiabilidade da sua utilização. Seja na aceitação dos pagamentos, com a oferta de diferentes modalidades e a confiança de que tudo corre bem. Esta é a grande mensagem: queremos continuar a merecer a confiança do mercado e dos nossos clientes.
Este artigo foi publicado na edição N.º 87 da Grande Consumo.
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