A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, pela sua sigla em inglês) alerta que os preços globais ao consumidor aumentarão significativamente no próximo ano, até que as perturbações da cadeia de abastecimento de transporte marítimo sejam desbloqueadas e que as restrições portuárias e as ineficiências sejam abordadas.
A recuperação da economia global está ameaçada por elevadas taxas de frete, que deverão continuar a manter-se nos próximos meses, de acordo com a Análise do Transporte Marítimo 2021 da UNCTAD. Se sustentado, o atual aumento dos preços dos contentores poderá elevar os níveis globais de preços de importação em 11% e os níveis de preços no consumidor em 1,5%, até 2023. “O aumento atual das taxas de frete terá um impacto profundo no comércio e minará a recuperação socioeconómica, especialmente nos países em desenvolvimento, até que as operações marítimas regressem ao normal“, afirma a secretária-geral da UNCTAD, Rebeca Grynspan. “Voltar à normalidade implicaria investir em novas soluções, incluindo infraestruturas, tecnologia de transporte de mercadorias e digitalização, e medidas de facilitação do comércio“.
Aumento das taxas e custos
A procura de bens aumentou no segundo semestre de 2020 e prolongou-se até 2021, uma vez que os consumidores gastaram o seu dinheiro em bens e não em serviços durante os confinamentos e restrições pandémicas, de acordo com o relatório. Trabalhar a partir de casa, compras online e aumento das vendas de computadores colocaram uma procura sem precedentes nas cadeias e este grande balanço dos fluxos comerciais contentorizados foi atingido com restrições de capacidade do lado da oferta, incluindo a capacidade de transporte de navios de contentores, a escassez de contentores, a escassez de mão-de-obra, a continuação das restrições associadas à Covid-19 nas regiões portuárias e o congestionamento nos portos.
Este desfasamento entre o aumento da procura e a redução da capacidade de abastecimento, de facto, levou a que os contentores registassem taxas recorde em praticamente todas as rotas comerciais.
Por exemplo, o Índice de Carga Contentorizada de Xangai (SCFI) na rota Xangai-Europa era inferior a mil dólares por TEU, em junho de 2020, saltou para cerca de quatro mil dólares por TEU no final do ano e subiu para 7.395 dólares no final de julho de 2021. Além disso, os proprietários de carga enfrentaram atrasos, sobretaxas e outros custos e ainda se depararam com dificuldades em assegurar que os seus contentores sejam rapidamente movidos.
Impacto
O impacto das elevadas taxas de frete será maior nos pequenos estados insulares em desenvolvimento, que poderão ver os preços das importações aumentar em 24% e os preços no consumidor em 7,5%. Nos países menos desenvolvidos, os níveis de preços no consumidor podem aumentar 2,2%.
As cadeias de abastecimento serão afetadas por custos mais elevados do comércio marítimo. Os itens de baixo valor acrescentado, produzidos em economias mais pequenas, em especial, poderão enfrentar uma grave erosão das suas vantagens competitivas.
Além disso, abundam as preocupações de que os custos de transporte mais elevados não só pesarão nas exportações e nas importações, como também poderão comprometer uma recuperação da produção mundial.
O relatório diz que as taxas elevadas já estão a afetar as cadeias globais de abastecimento, observando que a Europa, por exemplo, tem enfrentado escassez de bens de consumo importados da Ásia, como mobiliário, bicicletas, artigos desportivos e brinquedos.
As elevadas taxas terão igualmente impacto em itens de baixo valor acrescentado, cuja produção é frequentemente fragmentada em economias de baixos salários, bem longe dos principais mercados de consumo, para os quais a UNCTAD prevê aumentos dos preços no consumidor de 10,2%.
A análise prevê ainda um aumento de 9,4% nos produtos de borracha e plástico, um aumento de 7,5% nos produtos farmacêuticos e equipamentos elétricos, 6,9% nos veículos a motor e 6,4% em máquinas e equipamentos.
O impacto das elevadas taxas de frete não será distribuído uniformemente, mesmo na Europa, e será geralmente maior nas economias mais pequenas. Perspetiva-se que os preços aumentem 3,7% na Estónia e 3,9% na Lituânia, contra 1,2% nos Estados Unidos e 1,4% na China.
Um aumento de 10% nas taxas de frete de contentores, juntamente com as perturbações da cadeia de abastecimento, deverá reduzir a produção industrial nos Estados Unidos e na zona euro em mais de 1%, enquanto na China a produção deverá diminuir 0,2%.
Melhorias
A UNCTAD salienta que os custos de transporte são também influenciados por fatores estruturais, incluindo a qualidade das infraestruturas portuárias, o ambiente de facilitação do comércio e a conectividade marítima, e que existe potencial para melhorias significativas. Assim, exorta os países a considerarem um portfólio de medidas que abrangem infraestruturas e serviços. A melhoria da qualidade das infraestruturas portuárias reduziria os custos médios mundiais de transporte marítimo em 4,1%, enquanto os custos seriam reduzidos em 3,7% através de melhores medidas de facilitação do comércio e de 4,4% através de uma melhoria da conectividade marítima. O relatório salienta igualmente a necessidade de as economias mais pequenas diversificarem.
A médio e longo prazo, a capacidade de abastecimento marítimo será igualmente afetada pela transição da indústria para o transporte marítimo de carbono zero. Para garantir que os investimentos necessários em navios, portos e fornecimento de novos combustíveis não sejam adiados, será importante que os investidores contem com um quadro regulamentar global previsível.
