“A execução da Mondelēz Portugal é vista como uma das melhores, a nível mundial”

Sandra Leal Vera-Cruz, Managing Director Mondelēz Portugal
Sandra Leal Vera-Cruz, Managing Director Mondelēz Portugal

“A execução da Mondelēz Portugal é vista como uma das melhores, a nível mundial”. Assim garante Sandra Leal Vera-Cruz, que desde 2021 se encontra ao leme da filial portuguesa desta multinacional. Numa conversa sobre os desafios da gestão moderna, falámos também de oportunidades, como a Managing Director da Mondelēz Portugal prefere olhar para os mesmos. Das oportunidades de continuar a aportar valor a marcas tão presentes no imaginário dos consumidores, sejam elas ícones, a nível mundial, como Milka e Oreo, sejam o que chama de “joias locais”, como Triunfo. Das oportunidades de continuar a trazer inovação que seja relevante para o consumidor. Das oportunidades de desenvolver equipas onde o talento é cada vez mais diverso, com todos os benefícios trazidos por essa mesma diversidade, e do mais que obrigatório foco na sustentabilidade. Num ano pleno de desafios, a gestora acredita que é este foco que vai permitir fazer cada vez mais e melhor no mercado português, onde os objetivos da Mondelēz se confundem com os assumidos a nível global: perseguir posições de liderança nas categorias onde está presente.

 

Grande Consumo – Assumiu a liderança da Mondelēz Portugal em finais de 2021, quando Portugal e o mundo em geral estavam a sair de um complexo período marcado por um evento de ordem excecional: a pandemia de Covid-19. Que balanço faz do período que leva na empresa? Foi o desafio certo, na altura certa? O que a levou a aceitá-lo?

Sandra Leal Vera-Cruz – Se olharmos para trás, é verdade que o mundo estava a passar, não era só Portugal, por um período muito conturbado, mas também já estávamos na fase de sair do mesmo. Acredito que, neste momento, já estamos novamente em velocidade de cruzeiro.

Gosto sempre de estar a crescer, a desenvolver-me, a aprender, para me desafiar a mim própria. Não gosto muito de me acomodar. E estava a chegar àquela fase de me sentir confortável. A Mondelēz trouxe-me esse desafio de continuar a aprender. Tenho muita experiência em Fast Moving Consumer Goods (FMCG), mas nunca tinha estado na alimentação pura. Vinha das bebidas e são categorias diferentes, com estruturas e formas de trabalhar distintas, mentalidades também diferentes, ainda que com valores muito semelhantes. E isso foi uma das coisas que me deu a confiança para mudar e de que a Mondelēz seria uma boa “casa” para continuar a desenvolver-me e a aprender, nomeadamente, uma forma de estar no mercado mais operacional, com mais contacto no dia-a-dia, que é algo pelo qual, pessoalmente, tenho muita paixão.

Portanto, foi, sem dúvida, o desafio certo. Penso que é sempre o momento certo para mudar. Qualquer mudança traz um período de adaptação e de incerteza. A Covid-19 foi só mais um fator, na altura. Não me foco tanto aí. Foco-me, sim, numa equipa fantástica que Mondelēz tem, que me recebeu de braços abertos, muito recetiva também a pensar e a fazer diferente e a ensinar-me o que é a cultura da empresa. Tudo isso faz com que, passado um ano e meio, tenha sido a mudança certa, no momento certo, e estou muito feliz de estar aqui. Para mim, isso é fundamental. Tenho de me sentir feliz onde estou.

 

GC – Com uma experiência acumulada ao longo de mais de duas décadas em cargos de gestão e direção em empresas multinacionais ligadas ao universo FMCG, como vê a evolução do mercado nacional e, sobretudo, o capítulo da liderança? O negócio mudou e, com ele, a forma de o conduzir?

SLVC – O negócio evoluiu, sem dúvida, e a parte da liderança foi tendo formas e profundidades diferentes. Mas foi mais a profundidade que alterou.

As pessoas sempre foram importantes e continuam a ser o centro de toda empresa. As empresas tinham isso como base, há mais de 20 anos, e continuam a tê-lo. Mas, se calhar, de forma diferente. Hoje, falamos muito do “smart working”. Aprendemos muito com a Covid-19. Foi um momento, sem dúvida, de muito desafio e de adaptação muito rápida, mas isso tudo trouxe aprendizagens de agilidade, de tudo o que é digital e híbrido.

Penso que mudou não tanto o quê, mas antes o como. Continuamos a ter o consumidor no centro da nossa decisão e, há 20 anos, já se falava disso. Hoje, se calhar, há uma profundidade maior no que analisamos. Os dados eram importantes quando comecei, hoje, são ainda mais. Toda a parte de parcerias com clientes, as relações “win-win”, que criam valor para ambos os lados, isso também é cada vez mais verdade. Temos de ter negócios sustentáveis para ambas as partes, porque senão uma delas não vê valor na relação.

Hoje, temos um canal de e-commerce que há 20 anos era um conceito. Portanto, acelerámos. Com a pandemia, foram cinco anos em apenas seis meses. Mas bases e os fundamentos mantêm-se, não obstante toda a multiplicidade. A execução, estar onde o consumidor está, continua a ser fundamental. É todo um acumular de conhecimento.

 

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GC – E isso é algo que, pelo facto de operarem em mais regiões, as empresas multinacionais fazem de um modo mais rápido, esse acumular de conhecimento?

SLVC – Sim. Por exemplo, quando da pandemia chegou à Europa, as empresas multinacionais já tinham mecanismos de reação. Aqui na Mondelēz, a primeira preocupação foram as pessoas: garantir a segurança quer dos nossos colaboradores, quer dos nossos clientes, quer da nossa operação. Já tínhamos o conhecimento de outros países onde a Covid-19 chegou mais cedo. Essa é uma vantagem das multinacionais.

Temos também a capacidade de testar diferentes coisas, em diferentes pontos do globo, que nos permitem tirar aprendizagens para determinados mercados, quando há semelhanças. E, mesmo quando não há 100% de semelhanças, há pontos comuns.

Muitas vezes, prezamos pelos pontos diferentes, mas diria, da experiência que vou vendo noutros países, que temos muito mais semelhanças do que diferenças. E que, às vezes, temos de olhar mais para as semelhanças do que para as diferenças entre nós, para tirar aprendizagens. Depois, cabe-nos a nós, à operação local, ver o que é que é específico. Por exemplo, a Royal é uma marca ibérica, porque é um mercado onde as gelatinas são muito relevantes. É uma especificidade do nosso mercado e sabemos que temos de ter algo diferenciador do que é o genérico do negócio de uma multinacional.

 

GC – Isso explica também a importância das operações locais…

SLVC – Saber o que é relevante localmente, o que são os hábitos dos consumidores e o que é a execução local. A execução da Mondelēz Portugal é vista como uma das melhores, a nível mundial. Temos uma excelente execução em termos de mercado, em termos de criatividade, em termos de presença quer nas lojas, quer junto dos nossos consumidores, e isso faz a diferença. Praticamente em todas as categorias onde estamos presentes somos a marca líder do mercado.

 

“Neste momento, temos muito claro qual é nosso percurso de futuro: focarmo-nos em crescer em bolachas e chocolates e ser o líder de ‘snacking’, a nível mundial. E esses são objetivos também para Portugal. Mas, muitas vezes, ficamos na dúvida onde se encaixam algumas das nossas categorias. E encaixam-se na parte de ter joias locais e negócios locais que são relevantes. É o caso do nosso negócio de Philadelphia, que tem vindo a crescer consecutivamente nos últimos 11 anos e a alargar portfólio”

 

GC – E em que contexto é que uma multinacional decide criar uma marca local e o que é que a mesma traz ao mercado onde se insere? Já falámos de Royal, mas Triunfo é outro bom exemplo de uma marca local implementada com sucesso…

SLVC – A história da Mondelēz é feita de muitas fusões e por, ao longo do tempo, não só desenvolver e criar marcas, como a Milka e a Oreo, mas também integrar marcas no seu portfólio. E Triunfo é um dos casos.

Como parte da nossa Visão 2030, temos claro não só ter marcas globais, como o que chamamos de joias locais. É o caso da Royal, que para nós é uma joia local ibérica, de Triunfo, que é uma joia local de Portugal, e, por exemplo, de Chiclets, que é também uma joia local ibérica.

A globalização é fundamental nas multinacionais, porque dá escala e produtividade, mas temos de ser sempre relevantes para o consumidor local. E isso implica, por vezes, ter marcas com que o consumidor local cresceu. Assim como categorias.

Neste momento, temos muito claro qual é nosso percurso de futuro: focarmo-nos em crescer em bolachas e chocolates e ser o líder de “snacking”, a nível mundial. E esses são objetivos também para Portugal. Mas, muitas vezes, ficamos na dúvida onde se encaixam algumas das nossas categorias. E encaixam-se na parte de ter joias locais e negócios locais que são relevantes. É o caso do nosso negócio de Philadelphia, que tem vindo a crescer consecutivamente nos últimos 11 anos e a alargar portfólio. Philadelphia é um negócio extremamente forte na Europa. É líder na categoria de queijo-creme e é uma marca que tem por onde crescer. É uma prioridade para nós e vamos continuar a apostar nela.

Por outro lado, para nos podermos focar e continuar a apostar nalgumas áreas onde vemos maior potencial de liderança, desinvestimos de outras. Por isso, anunciámos o acordo para venda das nossas marcas de pastilhas Trident, Chiclets, Bubbaloo e Bubblicious à Perfetti.

 

GC – Quais são as especificidades do mercado e consumidor portugueses?

SLVC – Há mais semelhanças do que diferenças. Temos um estudo que fazemos anualmente sobre o “snacking” que nos mostra que, a nível mundial, e Portugal não é exceção, o “snacking” é parte integrante dos hábitos dos consumidores. 71% diz-nos que consome, pelo menos, um snack por dia. E não só consome um snack – e aqui entram tendências da pandemia -, como consome um snack de indulgência. O facto de ser um snack é uma dimensão a que se pode dar o luxo. Esse é o mote comum.

Gosto muito do nosso portfólio, porque permite estar presente em vários momentos do dia-a-dia dos nossos consumidores. Seja qual for a necessidade e o perfil, podemos estar sempre lá, mas também lhes dar escolhas: seja algo mais salgado, seja algo mais doce, seja algo com poucas calorias. Temos um portfólio que nos permite estar em todos esses momentos.

Da minha experiência, sei que somos um consumidor com um perfil de sabores muito mais tropical, muito mais aberto. Dou o exemplo da gelatina de ananás, que é um sabor muito português. Em termos, por exemplo, do consumo de bolachas, temos hábitos diferentes de outros países, onde a bolacha está associada ao momento do pequeno-almoço. Para nós, não. É o nosso snack de meio do dia.

 

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Alguns dos produtos comercializados pela companhia alimentar

 

GC – A inovação e o valor acrescentado dos produtos alimentares ainda são um “driver” de vendas, ou o mercado português faz-se, essencialmente, pelo preço? É esta a principal variável do marketing mix?

SLVC – Penso que isso é demasiado generalizado. Mesmo em Portugal, temos consumidores para todo o tipo de produtos. É lógico que, em momentos de pressão económica, o preço é uma variante importante e da qual nunca nos podemos esquecer. Se o nosso consumidor procura promoções, não podemos deixar de as fazer. E, como tal, juntamente com os com os nossos clientes, encontramos sempre momentos para oferecer as nossas marcas da forma mais apelativa possível.

Mas também não podemos estar sempre em promoção. Também temos de ter um negócio que se sustente no tempo, para que possamos fazer os investimentos que são necessários.

Em termos do portfólio, estamos a focar-nos nas áreas onde sabemos que podemos trabalhar e que podemos crescer. Crescer é o primeiro pilar da nossa Visão 2030. Portanto, o portfólio há de evoluir e estamos cá para essa mudança. O ano passado, a nível mundial, fizemos a integração de três aquisições: a Chipita, uma empresa com sede na Grécia, a Ricolino, que é uma empresa do México, e a Clif Bar, uma empresa dos Estados Unidos, todas elas também internacionais. Portanto, também procuramos expandir o nosso portfólio nas áreas onde queremos continuar a crescer, que é a parte do “snacking”.

 

“É lógico que, em momentos de pressão económica, o preço é uma variante importante e da qual nunca nos podemos esquecer. Se o nosso consumidor procura promoções, não podemos deixar de as fazer. E, como tal, juntamente com os com os nossos clientes, encontramos sempre momentos para oferecer as nossas marcas da forma mais apelativa possível. Mas também não podemos estar sempre em promoção. Também temos de ter um negócio que se sustente no tempo, para que possamos fazer os investimentos que são necessários”

 

GC – Como é que se protege a identidade e perfil diferenciador das marcas, no fundo, o capital de marca, num contexto onde nunca se produziu tão bem e tão rápido? É isso que as edições limitadas, como, por exemplo, da Oreo com a Lady Gaga e o Batman, trazem à oferta? É isso que os consumidores procuram nas marcas da indústria? Diferenciação e valor acrescentado?

SLVC – Hoje, há uma proliferação de informação e de pontos de contacto tal, que não conseguimos digerir tudo o que nos chega. Portanto, temos de ser relevantes para o consumidor alvo de cada um dos nossos produtos. Começámos por inovar com a Lady Gaga, no território da música. Depois, no ano passado, tivemos o Batman, já num território dos heróis, e, este ano, estamos com a Xbox no território de videojogos. É aí que as marcas deixam, de alguma forma, de ter o preço como fator fundamental. Preço e valor são duas coisas muito diferentes. O preço é aquilo que pago, mas, considerando o valor daquilo que levo, às vezes, posso estar disponível para pagar mais.

O valor da marca é a inovação contínua e não falo só do produto. Com esta inovação, continuamos a ter relevância junto dos nossos consumidores e do mercado e não focamos tudo apenas no preço. O preço é um fator fundamental. Mas é só um critério de seleção, assim como outros. Diria que essa é a responsabilidade das marcas de fabricante: trazer inovação, seja de produto, seja de ativação, seja de formas de consumo; trazer esse tipo de diferenciação, escutando sempre o que é relevante para o consumidor.

Temos de dar espaço à inovação, porque senão podemos estar a matar uma excelente inovação. O consumidor português adora experimentar. Quando trazemos um produto para o mercado, temos de garantir que o sabor é excelente, a qualidade é excelente, que tem um propósito, que é feito da forma correta, com variedade, dando diferentes opções, não só de marcas, mas também de formatos e de quantidades, para que o consumidor possa decidir o que é certo para si.

 

GC – A inflação é um tema transversal aos tempos vividos, com forte impacto nos créditos à habitação, mas também no consumo alimentar e não só. Como se lida com tantas variáveis em simultâneo? É possível não refletir o aumento dos custos produtivos ao consumidor final?

SLVC – Vivemos tempos complicados em termos de pressão de custos. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia fez com que muitos preços disparassem. Nós não fomos exceção, como toda a indústria não foi exceção.

Esses preços tiveram de ser refletidos no consumidor, porque, no fundo, se queremos continuar a investir no nosso negócio, nas nossas pessoas, nos negócios com que trabalhamos, tinha de acontecer. No entanto, sempre muito conscientes do que estávamos a fazer e da pressão que também representa para o consumidor, que poderá escolher outra marca em detrimento da nossa. Mas é mais um fator do mercado e temos consciência disso.

GC – As marcas próprias e a respetiva taxa de penetração são apenas mais uma variável para a gestão das marcas de fabricante?

SLVC – As marcas próprias são mais um fator, assim como temos outros concorrentes que também se posicionam muito bem no mercado. Sou muito apologista de nos focarmos nas nossas mais-valias e essas são marcas feitas com uma qualidade enorme, que oferecem escolha aos nossos consumidores. Partilhamos a informação sobre as nossas marcas e continuamos a investir nelas. E este investimento faz toda a diferença, porque temos uma série de fornecedores, a nível de Portugal, seja de serviços, seja de produtos que colocamos nas lojas.

 

“A execução da Mondelēz Portugal é vista como uma das melhores a nível mundial. Temos uma excelente execução em termos de mercado, em termos de criatividade, em termos de presença quer nas lojas, quer junto dos nossos consumidores, e isso faz a diferença. Praticamente em todas as categorias onde estamos presentes somos a marca líder do mercado”

 

 

GC – É possível trabalhar com cadeias de abastecimento curtas numa operação de envergadura como a da Mondelēz?

SLVC – Temos de ser muito ágeis. O mundo, hoje, tem uma velocidade tal que essa agilidade tem de estar em tudo o que fazemos. Um exemplo básico: não podemos demorar dois meses a fazer a análise de algo, essa análise tem de ser contínua.

Isto passa também pelo conceito de “agility over perfection”. Nas multinacionais, antigamente, era tudo muito testado, para não haver falhas, e só ia para o consumidor quando não as havia. Às vezes, se calhar, já íamos um bocadinho tarde. Ou estava tão certo, mas tão certo, que, depois, afinal, não era 100% o que consumidor queria, mas já não conseguíamos voltar atrás para ajustar. Hoje, já pomos o produto nas mãos do consumidor não 100% perfeito, mas 80%, e temos aquela margem de 20% para ajustar. Esta é a agilidade que todos temos de ter no nosso dia-a-dia, para podermos ter inovação que é relevante para os nossos consumidores.

 

GC – A sustentabilidade é hoje uma variável incontornável da atividade económica. Iniciativas como o programa Harmony e o Cocoa Life são fundamentais para reforçar o capital de marca, ou apenas uma parte integrante e necessária da gestão moderna das marcas alimentares?

SLVC – A sustentabilidade não é algo bonito de se ter. É algo necessário para garantir o nosso futuro. Já esticámos muito até onde podíamos ir, em termos da utilização dos recursos do planeta. Portanto, a sustentabilidade é algo obrigatório, para termos negócio no futuro.

Para mim, é um orgulho estar numa empresa que tem esse valor inerente no que faz diariamente. A sustentabilidade é um dos pilares da nossa Visão 2030. Temos quatro pilares: o do crescimento, o da execução, onde temos muito a parte digital, o da sustentabilidade e, como não podia deixar de ser, o da cultura, promovendo um talento diverso. A sustentabilidade é como os alicerces de uma casa. Se o retirarmos, o resto começa a desmoronar.

 

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GC – Ao fim de mais de 10 anos do programa Cocoa Life, a pertinência do mesmo mantém-se? O mesmo tem impacto direto na produção de chocolates da Mondelēz?

SLVC – É um programa onde já investimos mais de 400 milhões de euros e que já toca mais de 200 mil agricultores. E é muito completo. Falamos de sustentabilidade e lembramo-nos dos ingredientes e do plástico, mas esquecemo-nos de um fator muito importante, que são as comunidades e as pessoas. O programa Cocoa Life toca em tudo. Desde logo, na parte como é cultivado o cacau, como é combatida a desflorestação, como produzimos o cacau de uma forma saudável e sustentável, o que nos permite ter o melhor ingrediente para os nossos produtos.

Por outro lado, do ponto de vista da vida dos agricultores, conseguimos dar-lhes também uma sustentabilidade económica muito maior. Conseguimos dar-lhes conhecimento de técnicas para desenvolver a sua atividade, que lhes permitam uma maior autonomia económica.

Depois, na parte da comunidade, garantimos cada vez mais – não estamos ainda a 100%, mas para lá caminhamos – que não há trabalho infantil, que nestas comunidades há educação para as crianças e que se podem criar comunidades saudáveis, autónomas economicamente e a crescer.

 

“O valor da marca é a inovação contínua e não falo só do produto. Com esta inovação, continuamos a ter relevância junto dos nossos consumidores e do mercado e não focamos tudo apenas no preço. O preço é um fator fundamental. Mas é só um critério de seleção, assim como outros. Diria que essa é a responsabilidade das marcas de fabricante: trazer inovação, seja de produto, seja de ativação, seja de formas de consumo; trazer esse tipo de diferenciação, escutando sempre o que é relevante para o consumidor”

 

GC – A Mondelēz International tinha anunciado, em 2018, o objetivo de expandir o programa Harmony, iniciativa sustentável de abastecimento de trigo, para cobrir 100% da produção das suas marcas de bolachas na União Europeia, em 2022. Esta meta foi alcançada? É uma realidade na oferta da empresa nesta categoria?

SLVC– O programa Harmony passa muito pela parte da produção, mas a visão é semelhante à do Cocoa Life. Temos um programa interessante também nas comunidades e a vertente adicional de criação de comunidades de abelhas, que são essenciais à vida pela sua função polinizadora.

Neste momento, 92% dos nossos produtos de cereais na Europa resulta do programa Harmony e Portugal beneficia do mesmo. Quase todo o nosso portfólio quer em bolachas, quer em chocolates – Milka, Toblerone e Côte d’Or resultam a 100% do Cocoa Life – vem destas iniciativas de sustentabilidade.

Temos também, dentro da sustentabilidade, a parte de redução de plástico e da nossa pegada de dióxido de carbono. Sabendo que, no que se refere aos nossos produtos, o plástico é o melhor protetor da sua qualidade, continuamos a analisar continuamente formas de o reduzir e novas alternativas, sem colocar em causa a questão da qualidade. É nossa responsabilidade, como empresa multinacional, reduzir a nossa pegada ambiental e fazer mais pelas comunidades onde estamos inseridos.

A sustentabilidade, para mim, não é algo opcional, é algo fundamental porque, senão, amanhã, não temos negócio para vender. Não temos onde ir buscar os nossos ingredientes, não temos consumidores que os consumam.

 

GC – Uma vez que falamos da sociedade e do futuro, queria questioná-la sobre a questão da diversidade do talento. Aquando da sua nomeação, foi uma de quatro mulheres selecionadas para dirigir uma operação local da Mondelēz. É ainda uma questão falar-se do feminino no mundo da gestão? A inclusão é uma questão efetiva na sociedade ou ainda estamos longe dessa realidade?

SLVC – É uma pergunta muito interessante e muito importante. A parte social da sustentabilidade vai além disso. Temos, por exemplo, um programa de voluntariado, onde trabalhamos com a Comunidade Vida e Paz, e fazemos doações de produtos a esta instituição e ao Banco Alimentar. Tudo isso faz parte da nossa pegada local de sustentabilidade

Mas o tema da mulher – e assinalámos, recentemente, o Dia Internacional da Mulher – é fundamental que continue no “top of mind”, porque se trata, acima de tudo, de diversidade. Ainda recentemente me deparei com um dado que reflete que nove em cada 10 CEOs Fortune 500 são homens. Portanto, continua a ser fundamental falarmos deste tema. Assim como dos diferentes perfis, culturas e crenças. Tudo isso gera diversidade, o que, por sua vez, gera conhecimento e melhores soluções. Costuma-se dizer que duas cabeças pensam melhor que uma, mas se estas duas cabeças forem iguais, que valor adicional é que aporta cada uma delas?

Na Mondelēz Portugal, em números redondos, 60% das nossas equipas é composto por mulheres. Na equipa de liderança, são 78%. Neste momento, não é um tema interno, mas a nível global – e somos uma empresa global -, continua a sê-lo.

Às vezes, tenho alguma ambiguidade quanto a este tema. Termos as quotas, forçar tanto este objetivo, faz com que se torne uma obrigação e esqueçamos a parte do mérito. Essa é a perceção que temos de mudar. Importa ter as pessoas com as competências certas para as posições.

Nunca fui prejudicada pelo facto de ser mulher, mas sei que nem sempre assim se passa. Tenho dois filhos, beneficiei das minhas licenças de maternidade e incentivo qualquer mãe a estar o tempo que considerar necessário com os seus filhos, porque é tempo que, de outro modo, não se recupera. Mas também temos de ter a noção das decisões que tomamos. Aquando da minha segunda gravidez, estive um ano fora. Sei que posso ter perdido oportunidades de carreira, mas, conscientemente, a minha prioridade, nesse momento, não era a carreira. O importante é saber muito bem, a cada momento, quais são as nossas prioridades pessoais e vivermos de acordo com as mesmas.

Este é um bom momento para as mulheres, porque há consciência sobre este tema. Há muita notoriedade, nunca foi tão falado. Mas continua a ser tema, o que não deveria acontecer. Há ainda muito percurso para se fazer. Se é através do sistema de quotas, já me questiono um pouco. Acima de tudo, precisam de mudar mentalidades. Em causa tem de estar o mérito e a competência, não o género, não a raça, não a cultura. É preciso equidade, que é um conceito diferente de igualdade. Não se trata de dar as mesmas oportunidades, trata-se de dar a oportunidade de chegar às mesmas oportunidades.

 

GC – 2023 poderá ser um ano de desafios ou de oportunidades?

SLVC – Gosto de dizer que todos os desafios são uma oportunidade. Adoro desafios. 2023 vai ser um ano desafiante, sem dúvida. Cabe-nos a nós conseguir transformar esses desafios em oportunidades de fazer diferente, onde for necessário, e acima de tudo melhor. Esse é um dos nossos objetivos. Não é que o passado não tenha sido bem feito. Mas o mundo está a mudar e nós com ele.

Acima de tudo, passa por continuarmos a pôr os nossos produtos nas mãos dos nossos consumidores, dar-lhes o que são as suas preferências. Vamos ter de continuar a navegar num mundo de incerteza e de inflação, mas será fundamental para 2023 continuar a mostrar aos consumidores o valor das nossas marcas. Esse é o nosso foco para continuarmos a crescer e a fazer melhor no mercado português, para termos as nossas pessoas motivadas e com possibilidade de se desenvolverem, tendo a sustentabilidade como um pilar fundamental em tudo o que fazemos.

 

Esta entrevista foi publicada na edição N.º 79 da Grande Consumo

 

Por Bruno Farias

Diretor na revista Grande Consumo. Um eterno sonhador, um resiliente trabalhador. Pai do Afonso e do José.

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