“O grande desafio é fazer do Gato Preto uma marca global”

Carolina Afonso, CEO do Gato Preto, na loja do Colombo, em Lisboa.

Colocar o Gato Preto como um “player” global, dentro de cinco anos, é o grande desígnio de Carolina Afonso, que desde setembro último é CEO da insígnia. Após o processo de reposicionamento, que culminou com a mudança da sua denominação de A Loja do Gato Preto para, tão simplesmente, Gato Preto, a marca vê renovadas as suas sete vidas. Como eixos estratégicos de crescimento, aposta no online e na diversificação da oferta, com um grande foco no mobiliário. No início do ano, enveredou pela área B2B com o lançamento do serviço para empresas e são esperadas mais novidades, ainda este ano, que vão no mesmo sentido do alargamento da proposta de valor e de chegar a outros públicos. Mas sem esquecer que tudo isto deve concorrer para a rentabilidade do negócio. É nisso que o Gato Preto está focado, na viragem do seu 37.º aniversário.

 

Grande Consumo – Tornou-se CEO do Gato Preto em setembro último, após mais de um ano como diretora de marketing, que coincidiu com o reposicionamento da marca. Que ambições a movem agora na liderança da insígnia, que tem hoje 62 lojas em Portugal e Espanha e uma equipa de mais de 500 colaboradores?

Carolina Afonso – Apesar do marketing ser algo transversal dentro das organizações, agora, nesta função, tenho uma visão muito mais ampla de toda a empresa. Olhando para o futuro, para mim, o grande desafio é fazer do Gato Preto uma marca global. Somos uma marca 100% portuguesa e isso também faz com que este projeto seja ainda mais especial. Mas, quando olho para os produtos que temos e para o dinamismo da marca, consigo imaginar o Gato Preto em qualquer geografia. Se a estratégia for bem implementada, temos potencial de nos tornar uma marca global.

Até lá, há um grande trabalho a ser feito. Iniciámos um processo de “rebranding”, ainda durante a pandemia. Deixámos de ser A Loja do Gato Preto para passar a ser Gato Preto. Abrimos também a nossa oferta: deixámos de vender apenas decoração e começámos a focar-nos noutras áreas, como o mobiliário, que implica uma série de desafios que não tínhamos enquanto loja de decoração. Estamos numa fase de diversificação das áreas de negócio, daí também o lançamento recente de serviços como o Gato Preto Business, que reforça o nosso posicionamento de continuar a crescer, mas também de diversificar a nossa oferta de mercado.

 

GC – E qual seria o horizonte temporal para o Gato Preto se tornar num “player” global?

CA – Seria muito ambicioso dizer três anos. Mas daqui a cinco teremos todas as condições de ter uma estratégia de internacionalização estruturada.

 

Carolina Afonso, CEO do Gato Preto, na loja do Colombo, em Lisboa.

 

GC – Ingressou no Gato Preto vinda de experiências prévias na área da tecnologia. Essas experiências foram importantes para a viragem estratégica dada pelo Gato Preto, precisamente, no sentido da digitalização?

CA – Penso que foram essenciais. Aliás, todos os dias, ponho em prática toda a vivência que tive: não deixam de ser 15 anos a trabalhar tecnologia da informação. O meu olhar tem sempre tecnologia.

Consciente de que tudo o que é digitalização não se faz só com tecnologia – são necessários processos e pessoas -, na verdade, toda esta viragem do Gato Preto é acompanhada por uma forte transformação digital. Implementámos o CRM, há relativamente pouco tempo, e estamos a trabalhar para, futuramente, lançar uma aplicação. Ou seja, o negócio teve de se modernizar e dar esse passo em frente, porque somos uma marca com 36 anos, o que nos obriga a uma atualização.

A transformação digital é essencial para que a marca consiga ser competitiva e também para a escala do negócio. Quando falamos de globalização e de estratégia de internacionalização, não podemos esquecer a tecnologia. O meu “background” ajuda-me muito nessa visão.

 

GC – Portanto, no último ano, o Gato Preto alterou o “layout” das lojas e renovou a sua oferta de produto, apostando na área de mobiliário. Porque reforçaram esta categoria, em concreto?

CA – O Gato Preto mudou de proprietário, em 2020, e este tem um forte peso, a nível mundial, no fabrico de sofás. Não aproveitar uma competência que está dentro da organização seria desperdiçar uma ótima oportunidade para experimentar novas áreas de negócio.

O Gato Preto, na verdade, já vendia mobiliário, mas não tinha uma estratégia tão estruturada. Neste momento, alguém que queira renovar uma casa consegue encontrar tudo o que necessita no Gato Preto. 

Mas tudo isto tem por detrás muitas questões. Não se trata apenas do produto, mas também da logística, da entrega ao cliente, da montagem. São grandes volumes. É um negócio mais complexo.

Esta aposta no mobiliário está a resultar bem. Neste momento, no online, a faturação de mobiliário já representa mais de 50% da nossa receita.

 

“Olhando para o futuro, para mim, o grande desafio é fazer do Gato Preto uma marca global. Somos uma marca 100% portuguesa e isso também faz com que este projeto seja ainda mais especial. Mas, quando olho para os produtos que temos e para o dinamismo da marca, consigo imaginar o Gato Preto em qualquer geografia. Se a estratégia for bem implementada, temos potencial de nos tornar uma marca global”

 

GC – E como tem sido vender mobiliário online, dadas as especificidades da categoria?

CA – Quando iniciámos esta aposta, estávamos em plena pandemia, com todas as lojas do Gato Preto fechadas. O único canal onde o cliente podia comprar era o online. Por outro lado, a pandemia também fez com que as pessoas apostassem mais na decoração da casa. Estavam confinadas, o desgaste do mobiliário era maior.

Tudo isto se conjugou para que aquele bloqueio que o cliente eventualmente tivesse quanto ao online, dado o gosto por experimentar e testar antes de comprar, fosse ultrapassado. Ao que se adiciona uma questão de confiança na marca, que foi muito importante para as vendas alavancarem.

 

GC – Quanto representa já o mobiliário nas vendas totais do Gato Preto?

CA – De um modo consolidado, representa cerca de 20% a 30%, o que já é bastante relevante.

 

GC – Então, outra das apostas feitas foi no desenvolvimento do e-commerce…

CA – No online, acreditamos que temos ainda muito espaço para crescer. É isso que nos dizem os “benchmarks” com outros “players”. Até porque, através do online, conseguimos chegar a outras geografias. Para além de Portugal, vendemos online para Espanha e França.

Sem dúvida que um dos nossos eixos estratégicos é o online e o outro é a diversificação do negócio que estamos a tentar introduzir, com, por exemplo, o serviço Gato Preto Business e outros projetos que iremos desenvolver de modo a chegar a outros públicos.

 

GC Quais foram os principais desafios desta estratégia omnicanal, considerando que até há alguns anos o negócio online do Gato Preto era praticamente inexistente?

CA O principal desafio foi precisamente começar do zero. Fizemos tábua rasa com o que existia no passado e começámos a implementar o que consideramos ser o correto. Tivemos o fator pandemia que nos ajudou, porque acelerou muito o comércio eletrónico.

Outro desafio foram as pessoas. Vender no digital traz para dentro de casa outro tipo de profissões, dada a especialização das funções. São necessárias outras competências.

Por outro lado, o desafio de olhar para o e-commerce numa ótica 360 graus. É um espaço onde o marketing também se mistura com o IT e onde é necessário pensar também na dimensão da logística, que é tão importante para que o e-commerce funcione. A entrega tem de correr bem.

 

“Esta aposta no mobiliário está a resultar bem. Neste momento, no online, a faturação de mobiliário já representa mais de 50% da nossa receita”

 

GC Quantos produtos oferece hoje o Gato Preto através do online e quantas visitas recebe o seu site?

CA Neste momento, temos mais de 2.500 referências, em 12 categorias. Por dia, temos 600 mil visitas ao nosso site; por ano, são sete milhões, o que é considerável. Isto faz-nos ver que o Gato Preto é uma marca querida, com muitos fãs. O cliente é o motor disto tudo.

 

GC Também se fidelizam clientes através do online?

CA Essa é uma estratégia que ainda estamos a implementar. A pandemia trouxe novas audiências, até porque o online vai buscar uma faixa da população mais jovem, que é importante para nós. Portanto, chegámos a novos públicos, o que nos dá uma capacidade adicional de perceber que o Gato Preto tem continuidade no tempo, que é uma marca que se atualiza e que pode ser uma escolha para quem tem 50 anos, mas igualmente para quem tem 20.

Neste momento, o online já representa cerca de 10% das nossas vendas e com potencial para aumentar muito mais.

 

GC – Então, como vias de crescimento, o Gato Preto tem as novas categorias de produto e o online. Quais são as outras?

CA – Lançámos agora a área B2B, através do serviço Gato Preto Business. Desde há algum tempo que éramos cada vez mais solicitados por empresas. Com o crescimento do número de pedidos, pensámos em lançar um programa estruturado para ir ao encontro das suas necessidades, que muitas vezes passam por apoio e consultoria.

Uma das forças do Gato Preto é que as coleções são desenhadas pela nossa equipa de design. Dessa equipa fazem também parte decoradores e designers de interiores, todo um conjunto de valências que colocamos ao serviço das empresas. Assim, o Gato Preto Business contempla a possibilidade do cliente optar por serviço personalizado, facilidade nas entregas e montagens e descontos. Neste momento, temos condições de diversificar o negócio pela via empresarial.

 

Carolina Afonso, CEO do Gato Preto, na loja do Colombo, em Lisboa.

 

GC – E lojas físicas? A expansão por esta via, nomeadamente no mercado nacional, continua a ser interessante?

CA – Continua a ser interessante. Mesmo em pandemia, abrimos três lojas, num contexto em que ninguém o faria, já que os centros comerciais estavam encerrados. A nossa maior loja, com 2.700 metros quadrados, localizada em Vila do Conde, abriu, precisamente, durante a pandemia. Esta é uma tipologia de loja diferente, que funciona muito como showroom e onde mobiliário é rei. Foi aberta em contraciclo, mas é muito importante, porque nos permite experimentar outros conceitos.

Claro que o “core” do Gato Preto são lojas em centros comerciais, esse é o nosso ADN. Mas para linhas como o mobiliário, para conseguirmos expor todo o nosso portfólio, temos de ter algumas lojas com uma missão de showroom.

Neste momento, estamos a fazer uma análise do nosso parque de lojas, em termos da sua rentabilidade. Não nos importa estar em qualquer lado. Queremos estar no sítio certo. Estamos cada vez mais exigentes com o local onde abrimos lojas e, sobretudo, naqueles onde já as temos, estarmos bem. O processo de “rebranding” ainda não está completamente concluído, porque também começou durante a pandemia e está pleno de desafios. Não se trata só de mudar o letreiro. Por isso, estamos empenhados em modernizar o parque de lojas atual e dar-lhe uma nova vida.

 

GC – Ao falar da pandemia, é incontornável mencionar e o cenário de subida dos custos das matérias-primas e de disrupções na cadeia de abastecimento. Que respostas teve o Gato Preto de dar para lidar com o mesmo?

CA – O mundo ficou do avesso. Nunca foi tão caro transportar os produtos e nós importamos uma grande parte. São custos que podem pôr em causa uma operação. Tivemos de tomar decisões difíceis, num contexto em que as nossas lojas estiveram fechadas durante meses, com custos fixos. Foi um grande exercício ao nível das escolhas. Tivemos de pensar no perfil das pessoas que integram as nossas equipas e de redesenhar processos. Hoje, somos uma empresa muito mais ágil. A verdade é que a pandemia também nos permitiu ganhar um tempo que não tínhamos para nos concentrarmos no que é a transformação da insígnia, com um voto de fé muito grande, porque ninguém sabia como iria ser o dia seguinte.

 

GC – Houve uma aproximação à produção nacional para contornar essas disrupções?

CA – Enquanto marca portuguesa, o “made in Portugal” sempre esteve presente no Gato Preto. É verdade que importamos, mas também há muito produto que é feito em Portugal. Mas, de facto, estreitámos as relações de proximidade com a produção nacional e apostámos também mais em parcerias que tínhamos a nível local.

Há categorias que são 100% portuguesas, como, por exemplo, a área de têxteis de banho. É algo que privilegiamos sempre que nos é possível. Claro que tem de obedecer a uma análise de custo, o que faz com que não consigamos assegurar o “made in Portugal” em todas as categorias. Mas a percentagem destes artigos é hoje muito maior do que anteriormente.

 

“A verdade é que a pandemia também nos permitiu ganhar um tempo que não tínhamos para nos concentrarmos no que é a transformação da insígnia, com um voto de fé muito grande, porque ninguém sabia como iria ser o dia seguinte”

 

GC – Como correu o ano de 2022 para o Gato Preto? Foram atingidos os objetivos a que se propôs, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos, atendendo à conjuntura?

CA – 2022 foi um ano em que sentimos verdadeiramente os efeitos diretos e indiretos da pandemia. Foi quando nos chegou a fatura. Assim, não conseguimos estar ainda no nível que gostaríamos.

Mas, quando comparamos com o ano anterior, houve um crescimento. E o online cresceu substancialmente, o que nos deixa muito satisfeitos, porque era uma aposta da marca. Assim como o mobiliário. Percebemos que não só houve recetividade, como esta foi acima da média.

O grande desafio de 2022 foi a busca pela normalização. Espero que 2023 seja o ano em que consigamos finalmente reestruturar e limpar o lastro da pandemia, de modo a podermos continuar a olhar com otimismo para o futuro. Apesar de toda a incerteza.

 

GC – O Gato Preto foi uma das primeiras empresas de retalho a explorar o metaverso, tendo lançado uma coleção de NFT. Porque o fizeram?

CA – Foram vários os motivos. Um deles é a irreverência da marca. As pessoas sabem que, quando entram numa loja Gato Preto, vão sempre encontrar alguma coisa que as entusiasma. Por isso, consideramos que a marca tem elasticidade suficiente para arriscar, nem que seja porque, enquanto animal, o gato e as suas sete vidas simbolizam a transformação.

Por outro lado, pensámos também em aproveitar várias sinergias, nomeadamente, o facto do design de produto ser feito “in house”. Para quem é designer, fazer uma coleção de gatos em NFTs foi um desafio. Mas também uma aprendizagem. Tivemos de estudar o que são os NFTs, levou-nos para o território das criptomoedas. De repente, à boleia dos NFTs, fomos descobrir o mundo novo que temos pela frente, que é o metaverso. Esta aposta simboliza a inovação, o desafiar-nos a nós próprios e jogar com dois grandes pontos fortes do Gato Preto: a sua irreverência e a capacidade de criar.

 

GC – Considera que o metaverso será o próximo canal de comunicação das marcas?

CA – De comunicação e de venda. Isso já é real. Se formos analisar as grandes marcas internacionais de consumo e de luxo, já estão presentes no metaverso, já têm produtos 100% digitais e estão a explorar muito a dimensão dos jogos. Este é um negócio que já representa muitos milhões.

Vejo o futuro a passar muito por aqui, até impulsionado pelas novas gerações. Se formos falar com um adolescente, o que se passa no mundo dos jogos é muito natural. O metaverso é uma tendência que se vai materializar no futuro próximo, com grandes oportunidades para reinventar a comunicação e o marketing, mas também os negócios.

 

Carolina Afonso, CEO do Gato Preto, na loja do Colombo, em Lisboa.

 

GC – Podemos esperar mais novidades do Gato Preto em 2023?

CA – Temos algumas novidades para breve, que ainda não posso revelar, sempre nesta ótica de diversificar o negócio. O Gato Preto é uma marca tão sólida e que tem uma notoriedade tão grande, sobretudo em Portugal, que consideramos que já pode explorar outros segmentos de mercado. O B2B é um deles, mas havemos de evoluir noutras direções.

 

GC – O que seria um bom exercício de 2023 para o Gato Preto?

CA – O grande desafio é chegar ao final de 2023 sabendo que tudo o que fazemos gera retorno e valor para a marca. Acredito muito que essa dimensão analítica, que é necessária aos negócios, ainda está muito desconsiderada em muitas organizações. É preciso olhar para os números e apostar em Business Analytics e em Data Science para saber se tudo o que fazemos acrescenta valor. Toda esta diversificação do negócio e a aposta em novas categorias, no final, tem de resultar em rentabilidade. É nisso que estamos focados.

 

GC – Já mencionou que dentro de cinco anos gostaria de ver o Gato Preto como um “player” global. Para expansão física, que outros mercados seriam interessantes, para além de Espanha, onde já estão presentes?

CA – Neste momento, ainda é prematuro falar sobre isso. Ainda não temos nenhum mercado já identificado como prioritário. Identificámos, sim, apetência que vários clientes de outras origens têm pelo Gato Preto. Até porque, no digital, conseguimos perceber de onde vêm as visitas. Neste momento, ao nível das pesquisas, o Gato Preto já é uma marca global.

Mas este exercício não pode ser feito só com base em declarações de intenções. Sem um estudo de mercado feito, é prematuro dizer onde o Gato Preto pode vir a estar presente. Acredito, contudo, que, pela oferta que temos e pela nossa proposta de valor, o Gato Preto tem potencial para estar em qualquer geografia.

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