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“É um grande orgulho estar à frente desta empresa e é sem sacrifício que o faço todos os dias”

Tudo começou a 21 de janeiro de 1977, com Francisco Tarré e os seus dois filhos, Manuel e Joaquim Tarré. O negócio arrancou baseado na experiência da venda de arcas congeladoras e gelados e, face à inexistência de um mercado alargado de peixe congelado, o espírito empreendedor desbravou o caminho. Uma câmara frigorífica de cinco toneladas montada numa garagem marcou o início da atividade. Desde então, ao longo de quatro décadas, muitas conquistas foram alcançadas. A Gelpeixe é hoje uma referência nacional e internacional, presente em 20 mercados e cuja marca preenche muitos metros de linear. Manuel Tarré atribui o seu sucesso à defesa dos princípios de parceria, compromisso, seriedade, onde a palavra de ordem é crescer em conjunto com os parceiros de negócio.

Grande Consumo – A Gelpeixe é hoje uma empresa bastante distinta daquela que começou com o seu pai e irmão. A génese é a mesma, mas tudo mudou. A visão e a realidade presentes são as que tinha quando, aos 20 e poucos anos, decidiram arrancar com este negócio? Ou o sonho foi-se construindo à medida que o tempo passava?
Manuel Tarré –
Quando partimos para este projeto foi com uma ambição: ter uma ocupação, um posto de trabalho, de alguma forma, uma vida um pouco melhor.

Na altura, em 1975/76, o mercado de trabalho era muito limitado. Havia uma crise política muito diferente face à que temos hoje, havia falta de emprego, a economia não crescia ou era modesto o crescimento, pelo que, quando demos as mãos, era mais para sobrevivência pessoal do que outra coisa. Era conseguir encontrar um caminho para ultrapassar o facto de termos um curso superior e, de alguma forma, contribuir para o crescimento, fosse da economia, fosse a título pessoal. De repente, tínhamos um diploma debaixo do braço, mas não passava disso, não havia oportunidades e as portas onde batíamos não se abriam.

Hoje, agradeço não se terem aberto, pois levou a que eu, o meu pai (Francisco Tarré) e o meu irmão (Joaquim Tarré) deésemos as mãos e partíssemos para este projeto. Nunca pensámos que esse mesmo projeto, nascido da forma como nasceu, pudesse chegar aos 40 anos com a visibilidade e responsabilidade que temos.

GC – Tem saudades do tempo do “camião sem travões a descer”? As suas motivações empresariais são hoje outras ou o homem, empresário e gestor é o mesmo?
MT –
A pessoa é a mesma, mas, quando conduzia o camião com esses travões, eram outros tempos. A forma como a economia se movimentava e nós atuávamos era muito diferente dos dias de hoje. Vir com carga a mais, enfrentar descidas acentuadas, e que sabíamos que tínhamos problemas caso tivéssemos que travar, levava a que tivéssemos mais cautelas a conduzir…(risos).

Faz parte de um passado do qual tenho saudades. Era muito mais fácil do que hoje, mais genuíno, simples, com objetivos curtos. Era carregar, trazer o produto, fazer vendas amanhã, ganhar algum dinheiro, voltar a subir com o camião, carregar, fazer compras… Enfim, era algo que se movimentava com dez pessoas. Hoje, somos quase 180. Era uma realidade muito diferente.

Tenho saudades? Claro que sim, pela idade que tinha, pela força física que tinha então. O desejo de vencer e superar obstáculos estava impregnado em nós os três. E as dificuldades eram muitas, até porque não conhecíamos o negócio. Mas o homem é o mesmo. E continuo a sonhar.

GC – A Gelpeixe é hoje uma empresa líder no sector do pescado ultracongelado. O que está na base desta liderança?
MT –
Os princípios de parceria, compromisso, seriedade, aliados ao facto de crescermos, mas gostarmos que os nossos parceiros cresçam connosco.

Estamos no centro de uma cadeia em que damos uma mais-valia ao nosso negócio e em que sentimos em que uma boa parte dos nossos parceiros, estejam eles na compra ou na venda, veem na Gelpeixe um valor acrescentado. E temos mantido essa relação ao longo dos anos com mais de 80% dos nossos clientes e fornecedores.

GC – Sente que tem a responsabilidade de ser o “beacon”, o farol desta fileira em Portugal?
MT –
Não sei se somos o farol da fileira. A título pessoal, e a nível associativo, quando chamei a mim a responsabilidade pela presidência da ALIF – Associação da Indústria Alimentar pelo Frio, a associação não tinha a imagem que tem hoje.

Ao fim de quase 25 anos de liderança da associação, muito aconteceu, entretanto, e é natural, até pela dimensão que a empresa que lidero tem, e por estes anos de relação com forças políticas, que se crie alguma notoriedade e respeito. Pelo que é provável que, em determinados momentos, possa ser uma referência do sector associativo. Até porque para o poder político, se tiver um mediador que tenha alguma dimensão e seja reconhecido no mercado, facilita, de alguma forma, a aceitação do que dizemos do que se fôssemos um ilustre desconhecido sem obra feita. Essa é a realidade.

O que não significa, necessariamente, que as empresas de uma outra dimensão não possam fazer um trabalho melhor do que aquilo que tenho vindo a fazer. Mas há os anos, os cabelos brancos, há a tradição, e são mais de 20 anos na liderança da ALIF, e torna-se natural que essa notoriedade surja e nos leve a ser ouvidos de outra forma.

GC – Ser uma empresa de base familiar e com profundos valores familiares tem limitado, de alguma forma, o crescimento da Gelpeixe?
MT –
É provável. Quando o dinheiro não é nosso, e existe a possibilidade de, hoje para amanhã, não sermos a cara da empresa, podemos assumir outros riscos. Até podemos jogar com o dinheiro dos bancos sem ter a certeza que lhes vamos pagar, podemos fechar um compromisso sem sermos nós a executar, pois entretanto já está lá um colega nosso a substituir-nos, que não fica agarrado à nossa palavra.

Portanto, o nível de seriedade de uma empresa com esta génese é distinto. Numa empresa como a nossa, quando se celebra um compromisso e apertamos a mão, se não o cumprir, sou um indivíduo, em língua corrente portuguesa, aldrabão. Mas, se for a outra parte envolvida a não honrar esse mesmo compromisso, porque entretanto o representante alterou, foram as circunstâncias que os impediram. Ou seja, duas perspetivas para a mesma realidade. O facto de pessoalmente dizer que “sim” obriga-me a cumprir com a minha palavra, enquanto o inverso não é necessariamente assim, até com parceiros de negócio. Não deveria de acontecer, daí a necessidade de termos que passar a escrito, para haver um compromisso maior.

Sou feliz por estar neste nicho de mercado das empresas familiares, que de nicho tem pouco já que representa quase 80% da economia. 

Leia o desenvolvimento na edição 43 da Grande Consumo, já disponível online e a chegar, em breve, na versão em papel.

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