Armando Mateus é, desde que se lembra, um homem do retalho e do grande consumo. E foi a experiência que foi acumulando, ao longo dos anos, quer do lado dos fabricantes, quer do lado dos retalhistas, que o levou a aventurar-se, há 10 anos, a criar a TouchPoint Consulting International, nascida com a vocação de ajudar os profissionais do retalho e do grande consumo a terem pontos de contacto que permitam melhorar o seu desempenho e oferecer aos consumidores e compradores uma experiência única. Volvidos 10 anos, as premissas que estiveram na base da criação da TouchPoint mantêm-se, embora a viagem empreendida a tenha conduzido a um lugar diferente daquele em que estava quando tudo começou. E essas premissas são, como nos explica o CXO da TouchPoint Consulting, “espalhar a boa nova da gestão por categorias”, de modo a tornar as marcas e as lojas mais eficientes. Nestes 10 anos, enquanto empresa, a TouchPoint cresceu bastante, amadureceu, mas não perdeu a noção da necessidade de estar constantemente a questionar e a procurar reinventar o negócio. E isso tem-lhe permitido ombrear com algumas das maiores consultoras a nível mundial. Para os próximos 10, fica uma única certeza, diz-nos. A de que “a viagem continua” e de que o futuro começa a construir-se já amanhã.
Grande Consumo – A TouchPoint Consulting assinalou, em 2023, 10 anos. Que diferenças existem entre a TouchPoint de então e a TouchPoint de agora?
Armando Mateus – As razões que levaram à criação da TouchPoint, há 10 anos, quer pessoalmente, quer em termos de mercado, mantêm-se tal e qual. Particularmente num país como Portugal, é extremamente importante trazer a chamada boa nova da gestão por categorias e tornar as marcas e as lojas mais eficientes.
Sou um homem do retalho e do grande consumo desde que me lembro. Comecei do lado dos fabricantes, depois passei para o lado dos retalhistas. E foi preciso ir tirar um MBA a Inglaterra para me lançarem o desafio de, em vez de estar a criar para os outros, passar a criar para mim. Com todas as pessoas que embarcaram, ao longo dos anos, nesta aventura que é a TouchPoint, conseguimos ir construindo algo que, sendo completamente diferente do que era em 2013, acaba por cumprir o mesmo objetivo, que é saber falar com os retalhistas na linguagem deles, saber falar com os fabricantes na linguagem deles e saber falar a linguagem de todos os sectores: farmácia, alimentar, conveniência, não alimentar, entre outros.
GC – Porquê boa nova da gestão por categorias, como mencionou? A gestão por categorias não era algo disseminado em Portugal?
AM – Não era, já foi mais e agora é outra vez menos, o que é normal nos países que não têm a gestão por categorias tão enraizada. No percurso normal da gestão por categorias, de início, não se percebe a importância de uma palavra-chave que é a colaboração. Quando não há colaboração, não pode haver gestão por categorias. À medida que se começa a perceber dos dois lados, fabricantes e retalhistas, que há vantagens na partilha, a gestão por categorias começa a crescer.
Historicamente, as marcas sabem imenso sobre o seu consumidor e os retalhistas sabem imenso sobre o seu comprador, o shopper. A forma como o consumidor pensa, como vai utilizar o produto, como é atraído e quais são as necessidades são do conhecimento das marcas. Do outro lado, tem-se o shopper e o seu processo de compra, que nos últimos anos tem mudado imenso.
Hoje, as vendas dos retalhistas são partilhadas com os fabricantes. Houve uma mudança de paradigma, de que muitas vezes nos esquecemos. Se colocarmos as coisas sobre a régua do tempo, percebemos que se partilha muito mais do que há 20 anos. E até do que há 10, quando a TouchPoint começou. Mas, hoje, há mais para partilhar e há mais para negociar. Quem há 20 anos pensaria em partilhar dados de cartão de fidelização? Hoje, é prática corrente. Quem há 10 anos partilharia as vendas do dia de ontem? Na TouchPoint, hoje, acedemos a esses dados, em nome dos nossos clientes, e temos milhões e milhões de vendas diárias, por loja e por produto, que conseguimos utilizar para fazer análises e acrescentar valor. É preciso que fabricantes e retalhistas entendam as mais-valias desta colaboração.
“No percurso normal da gestão por categorias, de início, não se percebe a importância de uma palavra-chave que é a colaboração. Quando não há colaboração, não pode haver gestão por categorias. À medida que se começa a perceber dos dois lados, fabricantes e retalhistas, que há vantagens na partilha, a gestão POR categorias começa a crescer”
GC – É esse o objetivo da gestão por categorias, a criação de valor?
AM – A gestão por categorias ajuda muito na criação de valor. Recentemente, estive a dar um curso sobre gestão por categorias e fui atualizar um mapa, já com 10 anos, que diz onde está o maior valor para o retalho da colaboração com o fabricante. E continua a estar no mesmo sítio. Os incrementos na área logística são importantíssimos e uma pedra basilar, são quase uma condição sine qua non. Temos de ter uma muito boa “supply chain”. Mas, hoje, uma melhoria na “supply chain” acrescenta apenas 0,5% a 0,6% nas vendas. Infelizmente, do lado da procura, a colaboração ainda está tão pouco trabalhada que conseguimos facilmente chegar a aumentos de vendas de 2% a 4%.
Quando abordamos esta questão, costumamos dar o exemplo da Marks & Spencer, onde foi implementada uma nova tecnologia de colaboração. Em oito semanas, houve um aumento de vendas acima dos 2%, porque aumentou a eficiência na loja.
GC – Este negócio tem uma grande base tecnológica. A inteligência artificial será mais uma ferramenta ao serviço da gestão por categorias?
AM – A inteligência artificial é mais uma evolução, tal como foi precedida do “machine learning”, da realidade virtual e da realidade aumentada. Há 10 anos, éramos completamente inovadores a fazer estudos de mercado. Usámos uma coisa fantástica que são os óculos de “eye tracking”, que permitem ver como se estivéssemos “no cérebro” do consumidor. Infelizmente, hoje, ainda são considerados inovadores, porque os custos são elevados.
Com a inteligência artificial, estamos a conseguir acelerar. É óbvio que temos de ter cuidado com a sua utilização. Há questões éticas, de não regulamentação, que temos de atender, mas conseguimos ter um conjunto de informações onde a máquina, não substituindo o homem, melhora a capacidade de resposta. Veja-se o caso dos call centers.
Claro que há que dar o outro passo. Recentemente, experimentámos uma ferramenta de um parceiro nosso, em que é possível, por exemplo, perguntar como é que uma determinada categoria evoluiu na semana anterior e, em dois ou três minutos, sabermos se o problema está nos “out-of-stocks”, ou nas ruturas, que não são necessariamente a mesma coisa, ou nas vendas, ou no sortido ou nas lojas. É óbvio que é o ser humano que tem de saber fazer as perguntas e ser inteligente a formulá-las. Já estamos na fase em que temos de ter um ChatGPT para o retalho, outro para as farmácias, e assim sucessivamente, para assegurar a qualidade da informação.
GC – E como é que isso se assegura?
AM – Estamos já na etapa em que é necessário disciplinar e isso faz-se de duas formas. Por um lado, com legislação. Mas, mais importante ainda, quem está nos sectores deve começar a abastecer a máquina de informação fiável, para que esta seja mais rápida a pensar e para pense como o conjunto de todos os seres humanos pensa. São os próprios sectores que têm de autodisciplinar-se. Hoje, todos desempenhamos um papel, como consumidores e como profissionais do sector, e temos de ser críticos. Se julgarmos que estamos a ir longe demais, temos de falar sobre isso, discutir e chegar a um acordo.
GC – Em que é que a TouchPoint Consulting se diferencia face às empresas concorrentes no mercado?
AM – Se calhar pode ser visto como um certo grau de convencimento ou de soberba, mas, na verdade, não conheço nenhuma empresa no mercado português igual à TouchPoint. Vou dar um exemplo. Há algum tempo, fizemos uma apresentação sobre as nossas soluções de “business intelligence” e, do outro lado, alguém que não nos recebia há dois anos dizia que estava “a ser apresentado ao Rolls Royce do ‘business intelligence’ para o grande consumo”. Não nos limitamos a pôr uma tecnologia a funcionar.
Cada pessoa que entra na TouchPoint tem de acrescentar uma história. Somos uma empresa anti-clones. Não há duas pessoas iguais, porque cada uma acrescenta a sua experiência e é deste conjunto que nos diferenciamos da concorrência. Fazemos uma “sopa” com pessoas da área do marketing, do “business intelligence”, do “data science”, do grande consumo, dos “insights”. E, de cada vez que recebemos um pedido de um cliente, reinventamos e questionamos a necessidade. Não temos soluções pré-formatadas. O que apresentamos ao cliente é uma combinação de soluções muito únicas e é isso que nos torna diferentes.
Passados 10 anos, com algum sorriso, vemo-nos a concorrer e a ganhar projetos a algumas das melhores consultoras do mundo e a ter connosco, quase desde o início, grandes clientes nacionais e internacionais. Deixa-nos muito felizes. Em 10 anos, nunca perdemos um negócio, por isso, é que continuamos a crescer e 2023 vai ser um ano com mais sorrisos: pelos 10 anos e pelo recorde de faturação da empresa.
“Cada pessoa que entra na TouchPoint tem de acrescentar uma história. Somos uma empresa anti-clones. Não há duas pessoas iguais, porque cada uma acrescenta a sua experiência e é deste conjunto que nos diferenciamos da concorrência. Fazemos uma ‘sopa’ com pessoas da área do marketing, do ‘business intelligence’, do ‘data science’, do grande consumo, dos ‘insights’”
GC – Nunca o “business intelligence” fez tanto sentido para este negócio?
AM – Nunca. Temos tantos dados e tanta informação que é normal sentirmo-nos perdidos. Se não formos, por um lado, previdentes e, por outro, proativos, não vamos conseguir lidar com a quantidade e variedade de informação que nos chega.
Começámos recentemente um projeto em Espanha de uma categoria que nunca tínhamos trabalhado. Se não tivéssemos já montado algo que nos permitisse avaliar a informação, ainda hoje estávamos à volta dos dados. E já estamos a apresentar planogramas para serem implementados numa das grandes cadeias em Espanha, em apenas três semanas.
GC – Essa é a vossa principal área de negócio?
AM – A gestão por categorias sim, os planogramas já não diretamente, ao invés do software que está por detrás dos planogramas. Tivemos o privilégio de poder ter ajudado o primeiro retalhista em Portugal que implementou software automático de planogramas, que permite dar resposta ao famoso problema da média. Brincando um bocadinho, tive um professor na universidade que dizia algo como “se tiver a cabeça no frigorífico e os pés no forno, tenho uma temperatura média corporal ótima, mas estou morto”.
Conseguimos respeitar a individualidade de cada uma das lojas. Hoje, esse retalhista, a Worten, consegue respeitar as vendas de cada loja, porque significam um consumidor, imobiliário e sortido diferentes. E no sector da eletrónica, mas também nos outros, isso é fundamental.
Claro que também fazemos planogramas, mas assentes na construção de uma estrutura automática. Estamos a caminho daquele sonho, de há muitos anos, de poder carregar num botão e aparecer tudo feito.
GC – O que mudou no vosso perfil de cliente, nestes 10 anos?
AM – O “digital category” management é ainda um sonho. É um bocadinho como o e-commerce no sector do grande consumo. Estamos a falar ainda de 4% a 6%, não mais. É importante para o futuro, mas ainda falta algo.
O sortido nas lojas físicas é, hoje, limitado. O restante está online. É o famoso “long tail”. E esse é o futuro que temos de pensar. Agora, o presente ainda está na loja física. E também não vejo, daqui a 10 ou 15 anos, as lojas físicas a serem sequer menos importantes do que é o online. Não neste sector. Gostamos de tocar, de cheirar, de experimentar. Que bom que é quando vamos a uma loja e estão a fazer uma degustação…
A diferença que vemos, face há 10 anos, é que, então, tudo era dominado pelos fabricantes. Eram eles que tinham as grandes iniciativas e lideravam todos os processos. Mas o mundo já não é igual e as empresas tiveram de fazer o redimensionamento. Ao mesmo tempo, os retalhistas continuaram a crescer.
GC – Ainda há alguns resistentes a assumir a importância da gestão por categorias?
AM – Começa-se a tirar a cabeça do buraco, como a avestruz. Recentemente, estivemos a fazer uma apresentação de tecnologia e à nossa frente víamos muitas caras de espanto. Muitos desconheciam que é possível tirar uma fotografia a um linear e ficar a saber quais são as ruturas, se as etiquetas estão bem ou mal, se o planograma está a ser cumprido e em que percentagem.
Uma das coisas boas que esta geração que, no pós-pandemia, começou a entrar no mercado, mas que já nasceu com a tecnologia, é a sua forma completamente diferente de pensar. Está preparada para a tecnologia e tem uma noção de ética muito superior.
GC – Nesta era da inteligência artificial, a ética é o que limita as fronteiras?
AM – É e só há ética olhando para dentro de nós mesmos. E os filhos desta nova geração ainda vão ser mais preocupados sobre isso.
Hoje, vamos pouco aos escritórios, vivemos mais sozinhos, partilhamos cada momento, temos mais dificuldade em gerir os nossos horários, porque a qualquer momento temos de estar a trabalhar, mas também podemos estar na praia a fazê-lo. Por isso, é fundamental termos mais ética, não só na informação, mas também em termos de ética de trabalho.
GC – Tudo isto traz novas variáveis à gestão por categorias? E para a TouchPoint?
AM – Traz novas variáveis e novas preocupações. O grande desafio é ter a capacidade de tomar decisões de forma rápida e saber o que é ou não importante, porque estamos expostos a cada vez mais informação.
Tem sido essa a história da TouchPoint, a de reinventar-se constantemente. É um dos prazeres que temos. Reinventar o negócio, reinventar as pessoas, estudar. O que aprendemos há 20 anos deu-nos a base, mas temos de estar a aprender constantemente.
“No mundo do empreendedorismo, fala-se muito em animais imaginários. Nós assumimos: somos uns camelos. Gostamos de ser camelos, porque guardamos ‘água’ para o futuro. Na TouchPoint, não estamos constantemente a alargar o cinto, para depois ter de o apertar. Prevemos crescer de forma sustentada. E preferimos ir de 10 para 15 e, depois, para 20, do que ir para 30 e voltar para 20”
GC – O balanço destes 10 anos é positivo?
AM – É muito positivo. Quando se começou a TouchPoint, não sabíamos para onde íamos. Sabíamos o dia a seguir, mas não onde iríamos acabar ao fim de 10 anos. É um orgulho enorme. Qualquer empresa que exista 10 anos é uma sobrevivente.
No mundo do empreendedorismo, fala-se muito em animais imaginários. Nós assumimos: somos uns camelos. Gostamos de ser camelos, porque guardamos “água” para o futuro. Na TouchPoint, não estamos constantemente a alargar o cinto, para depois ter de o apertar. Prevemos crescer de forma sustentada. E preferimos ir de 10 para 15 e, depois, para 20, do que ir para 30 e voltar para 20. As pessoas sofrem com isso. O valor que temos são as nossas pessoas. São elas que fazem as empresas.
Há 10 anos, por esta altura, deveríamos estar numa cafetaria a pensar os planos e o nome da empresa. Éramos dois. Hoje, somos uma data deles: seis em Lisboa, mais alguns em Barcelona e em Inglaterra e, depois, graças ao mundo em que vivemos, uma equipa a trabalhar em exclusivo com a nossa assinatura em Kiev, na Ucrânia, outra em Bangalore, na Índia, e este ano, decidimos mudar a nossa forma de trabalho e estabelecemos uma parceria para fazer projetos de “insights”. É isso que a tecnologia nos tem permitido e tem sido, também esse, um dos segredos do nosso crescimento.
GC – Onde gostaria de ver a TouchPoint posicionada dentro de 10 anos?
AM – Temos de ter a capacidade de planear o futuro, sabendo que não vai acontecer da forma que o planeámos. Temos de ter planos de contingência. Se previr um pouco de A e um pouco de B, caso aconteça C, talvez consiga dar resposta juntando A e B. Temos de ter a capacidade de olhar para o que está a acontecer e antecipar. Daqui a 10 anos, logo se vê. Só tenho uma certeza: daqui a 20 anos, havemos de fazer outra festa.
Esta entrevista foi publicada na edição N.º 84 da Grande Consumo