A JCDecaux, grupo internacional que constrói mobiliário urbano nas cidades em troca de espaço de publicidade, tem em Lisboa um dos seus principais projetos para 2023. Philippe Infante, diretor geral da JCDecaux Portugal, falou com a Grande Consumo sobre o estado atual da publicidade tradicional e o potencial da publicidade programática e da digitalização deste negócio. Contudo, alerta para o “vazio” regulatório que existe na publicidade em Portugal e a incapacidade das câmaras municipais de fiscalizarem a atividade do sector no seu próprio espaço.
Grande Consumo – Está praticamente há um ano à frente dos destinos da JCDecaux Portugal, na qualidade de diretor geral. Que balanço pode fazer desse período e após tantos anos em cargos internacionais na empresa? O que lhe trouxe de diferente esse desafio face às posições anteriores que ocupou?
Philippe Infante – Cada posição tem os seus desafios. Todos os países são diferentes, mas, desde a criação da empresa, em 1964, temos a mesma visão e há um ponto em comum em todas as experiências, sendo que algumas são mais focadas na parte comercial e outras na parte de desenvolvimento. Mas a base é sempre trazer a cultura da JCDecaux. Esse foi o caso no Médio Oriente, onde passei 10 anos, assim como no Panamá.
Portugal é um país maduro, essa é a grande diferença. É um país já estabelecido, onde já tínhamos cerca de 250 pessoas e o importante era utilizar os talentos locais e reforçar com preparações para os desafios futuros que a tecnologia está a trazer a esta área de negócio. Portugal é um país onde contamos com as mesmas ferramentas dos países mais maduros do grupo. A nossa vontade é a de reforçar e consolidar a nossa presença, indo mais longe, fazer mais e melhor do que fizemos até hoje. Por isso, a primeira coisa que fiz, quando cheguei há dois anos, foi reforçar as equipas. Utilizei o talento que já tínhamos, e temos muito, e promovi várias pessoas. Reforcei a equipa comercial, em particular com pessoas com perfil muito estratégico, assim como o marketing, para desenvolver a estratégia com os clientes.
Criámos uma equipa de locais, que conta agora com 10 pessoas em todo o país, desde o Porto, a Coimbra e Algarve, que têm contacto direto com os clientes, incluindo os mais pequenos. 85% da faturação da mercado OOH vem de grandes agências, por isso, também reforçámos as equipas dedicadas ao contacto com estas.
Também aproveitámos o apoio do grupo, ao nível internacional, para levar clientes que não estão muito presentes em Portugal, como a LVMH, muito forte e que está no nosso top 3 em Espanha. Tentamos também atrair estes clientes naturais, com presença forte noutros países, para Portugal.
GC – Falar da JCDecaux Portugal e dos seus ativos é falar de que realidade?
PI – Temos contrato com 92 concelhos, assim como com oito aeroportos, 16 estações de serviço e com 32 centros comerciais de grupos gestores como a Sonae Sierra, Mundicenter, entre outros.
Hoje, contamos com um total de 18.183 faces de papel e 505 ecrãs digitais, sendo que temos 700 contratos com proprietários privados que nos arrendam o seu jardim ou a sua parede, ao longo de todo o país.
A nível das cidades, a capilaridade é enorme. Houve concursos onde não fomos e houve concursos onde não podíamos ganhar tudo, como o Porto. Estou satisfeito de, pelo menos, estarmos presentes nos lotes de mobiliário urbano que queremos. A nossa cobertura nacional é muito forte e vamos continuar a tentar ser uma alternativa à televisão
GC – Está satisfeito com o atual parque de ativos?
PI – Queremos expandir de forma sustentável. Temos objetivos muito ambiciosos de reduzirmos, até 2030, as emissões em, pelo menos, 50% em relação a 2019.
Estamos a continuar a reforçar a nossa presença no aeroporto, com um contrato exclusivo, e estamos a otimizar os ativos. Se calhar, da próxima vez que viajar, vai ver um novo digital.
Já nos centros comerciais, reforçámos a nossa presença e, desde que cheguei, assinámos vários acordos, incluindo com a Merlin Properties e a Ingka. Em Portugal, em termos de centros comerciais, estamos bem posicionados, desde os maiores centros comerciais até aos centros médios-pequenos.
Estou especialmente satisfeito com a digitalização nestes segmentos. Até agora, a grande parte da digitalização foi feita nos aeroportos e nos centros comerciais e, hoje em dia, já temos mais de 400 ecrãs nestes dois âmbitos.
A nível das cidades, a capilaridade é enorme. Houve concursos onde não fomos e houve concursos onde não podíamos ganhar tudo, como o Porto. Estou satisfeito de, pelo menos, estarmos presentes nos lotes de mobiliário urbano que queremos. A nossa cobertura nacional é muito forte e vamos continuar a tentar ser uma alternativa à televisão.
GC – A publicidade programática é o grande futuro da indústria publicitária como um todo?
PI – A publicidade programática significa que uma pessoa na Dinamarca vai poder fazer uma campanha exatamente como se passa com a Internet, com critérios como “25 a 40 anos, mulher, que gosta de desporto”. Esta realidade já está a chegar a Portugal. Isso vai abrir um novo canal de comercialização, que não existia. Vamos ter pessoas no canal tradicional e outras pessoas no canal do digital e da Internet.
Temos de ver a publicidade exterior como uma continuidade do “mobile” e, por isso, vai ter o mesmo “visual aspect”. Ou seja, vamos estar no “mobile”, na rua e com os grandes formatos, que vão ser uma continuação da campanha. Faz sentido que as mesmas pessoas possam comprar da mesma maneira uma campanha.
Em Portugal, como em França, temos uma capilaridade muito forte. Há poucos países no mundo onde a JCDecaux tenha esta capilaridade, porque estamos em 92 concelhos. Conseguimos atingir já 82% da cobertura nacional, por isso, vejo o meio como uma alternativa à televisão.
Na atividade deste meio há um ‘vazio’ legal. Hoje, se alguém quiser colocar uma estrutura e se se tratar de um espaço privado, nada se pode fazer. Por outro lado, se for num espaço público, as câmaras têm falta de meios para conseguir fiscalizar estes ativos. Também a Infraestruturas de Portugal (IP) tem regras, mas, se as pessoas não as seguem, a IP não tem os meios de poder fiscalizar
GC – A digitalização é o futuro deste negócio? Ou a publicidade “out-of-home” dita tradicional irá continuar a ter o seu espaço e âmbito? É da complementariedade entre canais que vive este negócio?
PI – Acredito na continuidade do canal tradicional e a nossa equipa vai manter-se, apenas deixa de ser o canal principal. Pode vir a representar 10% a 20%, a certo ponto, mas não vai desaparecer.
Hoje, com 250 mupis digitais e com 125 grandes formatos digitais, Lisboa é uma das cidades mais digitalizadas do mundo. Por exemplo, temos 50 digitais em Guatemala City, que é uma cidade de sete milhões de habitantes. Não se pode digitalizar tudo, mas vamos ter uma rede grande.
GC – A JCDecaux ganhou, recentemente, o concurso público com a Câmara Municipal de Lisboa, que inclui dois mil abrigos, 900 mupis, em que 250 são digitais, 125 grandes formatos digitais e 75 sanitários, parte dos quais adaptados a pessoas com mobilidade reduzida. O que representou para a companhia a conquista desse mesmo concurso?
PI – Não foi uma conquista, porque já estávamos aqui. Ganhámos o contrato em exclusividade, mas, por razões de quota de mercado, fomos convidados a dar 40% do mobiliário urbano a outra empresa, o que veio alterar a posição que tínhamos anteriormente, dado que todos os outros constrangimentos ficaram iguais, nomeadamente a renda fixa. Por isso, a nossa posição é hoje mais complexa. De facto, foi um concurso muito competitivo, que muitas empresas queriam e todos fizeram esforços extra para ganhar Lisboa.
Ao nível do CAPEX, tivemos aumentos muito significativos, desde a Covid-19 e da guerra na Ucrânia, e os consequentes aumentos de custos. Por isso, a equação não é exatamente a mesma. Vai ser muito desafiante.
GC – Disse que Lisboa vai ser a cidade mais digitalizada do mundo. Como irão, na prática, concretizar essa visão?
PI – Vamos ter a possibilidade de digitalizar uma parte dos ativos, totalizando cerca de 250 mupis digitais. Também temos hoje 300 ativos de grande formato e vamos passar para 125, uma redução de 58%, e queremos passar tudo para digital e, assim, transformar a cidade. Estes ativos digitais vão ser também uma plataforma de comunicação, porque vamos ter três minutos em cada hora ocupados pela câmara.
O digital vai ser uma oportunidade e vamos ter um trabalho de demonstração e de medição, para mostrar aos clientes que é uma alternativa muito melhor. Nalgumas cidades, como São Paulo e Panamá, o digital já existe há muito tempo e o que vemos, depois destes anos, é que a reação é muito positiva, pois permite uma comunicação atempada, uma publicidade programática, com conteúdo dinâmico e muito impactante.
Mas o posicionamento é importante e não é de um dia para o outro que se faz o “upload” e os conteúdos chegam ao digital. A parte criativa também é importante e vamos tentar apoiar os nossos clientes no início, mas vão ser precisas agências que adaptem a mensagem para ter o impacto desejado.
Se estivesse tudo feito não estaria aqui. Queremos sempre fazer mais e melhor. Desde que cheguei, o objetivo do grupo é investir em Portugal, nas nossas pessoas e nos clientes. Recrutámos mais de 50 pessoas no ano passado. Investimos também em CAPEX. Há sempre muito para fazer e estamos numa área de negócio onde há sempre concursos. Nunca paramos
GC – Como se poderia regulamentar/fiscalizar a atividade do sector? Seria importante para o seu desenvolvimento?
PI – Na atividade deste meio há um “vazio” legal. Hoje, se alguém quiser colocar uma estrutura e se se tratar de um espaço privado, nada se pode fazer. Por outro lado, se for num espaço público, as câmaras têm falta de meios para conseguir fiscalizar estes ativos. Também a Infraestruturas de Portugal (IP) tem regras, mas, se os operadores OOH não as seguem, a IP não tem os meios de poder fiscalizar.
Em França, há uma lei-quadro, que não existe em Portugal, e temos uma estrutura acima das cidades. Em Portugal, é preciso uma lei-quadro que regularize exatamente o que se pode fazer em termos de publicidade. É preciso uma regulação municipal mais dura, que cubra aspetos como a distância, dimensão e tudo o que é permitido fazer. E é preciso uma empresa que cresça neste vazio jurídico, porque este vazio não é bom para a comunidade, nem visualmente. Como não existe esta lei, isto significa, por exemplo, que nas autoestradas se pode fazer o que se quiser.
Mas é importante realçar que os anunciantes têm também um papel sobre esta questão e é preciso saberem o que estão a comprar e se as empresas têm ou não as licenças.
GC – Após ter assinalado os seus 50 anos em Portugal, como avalia o momento da companhia? A JCDecaux já atingiu o seu pleno potencial no país? O que lhe falta atingir enquanto empresa?
PI – Se estivesse tudo feito não estaria aqui. Queremos sempre fazer mais e melhor. Desde que cheguei, o objetivo do grupo é investir em Portugal, nas nossas pessoas e nos clientes. Recrutámos mais de 50 pessoas no ano passado. Investimos também em CAPEX. Há sempre muito para fazer e estamos numa área de negócio onde há sempre concursos. Nunca paramos.
No primeiro ano, internamente, fizemos automatizações com SAP e Salesforce. Agora, queremos criar vínculos ao nível interno e externo, para estarmos mais próximos do mercado e dos canais de comunicação.
Na JCDecaux, temos desafios constantes. Por exemplo, quando ganhamos uma cidade, temos de instalar o mais rapidamente possível. O Porto já tem 95% instalado, já Lisboa é de uma grande complexidade, cada ramal é uma história e um processo com muitos “stakeholders” envolvidos. Hoje, o meu objetivo é instalar rapidamente Lisboa. Temos poucos projetos assim no mundo, mas Lisboa é um dos mais importantes para o grupo este ano.
GC – Como o futuro a curto-médio prazo? Vivemos momentos disruptivos? A publicidade exterior nunca mais será como já foi?
PI – A publicidade exterior destaca-se porque tem um impacto enorme nas pessoas. É um meio muito dinâmico, primeiro pelo crescimento mundial de 5% a 6%, que é o maior crescimento depois da Internet. E agora está a ser alavancada pela nova oportunidade do digital. A nível mundial, nos últimos três anos, a publicidade exterior teve uma transformação como nunca teve antes.
Além disso, de acordo com um estudo da KPMG, a nível da pegada ambiental e da emissão de carbono, a Internet tem um impacto entre três a 3,6 superior ao da publicidade exterior. Isso é uma vantagem para muitos clientes que se apercebem que grande parte do seu “budget” vai para meios que não são sustentáveis. Hoje, não só somos os menos emissores, como há uma grande margem para ir ainda mais longe. O Grupo JCDecaux tem o objetivo de, até 2050, ser “net zero”.
Este artigo foi publicado na edição N.º 81 da Grande Consumo