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“Temos ‘poder de fogo’ para ‘disparar’ em qualquer oportunidade que possa surgir”

No ano em que celebra 90 anos e opera uma mudança estratégica na sua identidade corporativa, o Super Bock Group, a antiga Unicer, apresenta-se ao mercado como uma empresa voltada para o futuro e com capacidade de abraçar novas oportunidades de negócio. Feita a “digestão” da perda do mercado angolano em escassos anos, a China apresenta-se como o novo destino internacional onde ambição da cervejeira de Leça do Balio é grande. Rui Lopes Ferreira, CEO do Super Bock Group, explica o passado e o presente do grupo português, ao mesmo tempo que levanta o véu sobre o que pode ser o futuro de uma empresa que se assume com “poder de fogo” para abraçar “qualquer oportunidade que possa surgir”.

Grande Consumo – Está há dois anos no cargo de CEO do agora Super Bock Group, mas já tem 11 anos de casa e deixa o seu nome ligado a esta mudança histórica no percurso da cervejeira. Era a decisão necessária atendendo aquilo que são as presentes dinâmicas dos mercados internacionais e ao que tem sido a evolução da empresa nesses mesmos mercados? O que esteve na base desta mudança na identidade corporativa?
Rui Lopes Ferreira
Mais que necessária, foi a decisão adequada nesta fase que o grupo vive. A estratégia assenta hoje muito na internacionalização, na diversificação de mercados e no crescimento dos negócios no exterior, uma vez que em Portugal, pelas razões conhecidas, temos limites ao crescimento. Por um lado, nas categorias que são “core” para o grupo, designadamente cervejas e águas com gás, não podemos crescer por aquisição, por limitações de concorrência. Logo, só podemos crescer organicamente, o que tem os seus limites. O país só tem 10 milhões de habitantes. A nossa ambição, que é grande, só pode ser satisfeita através do crescimento nos mercados internacionais. Portanto, esta mudança de denominação surgiu como uma opção relativamente natural para, no fundo, fazer corresponder a imagem da identidade corporativa àquilo que é a estratégia do grupo. Super Bock é a nossa marca mais internacional, é a cerveja portuguesa mais vendida em todo o mundo, em mais de 50 países – costumamos dizer que a Super Bock “fala” mais de 12 línguas -, a própria marca já era, na maior parte das vezes, associada ao grupo no exterior e confundia-se com a própria empresa. Nesse sentido, foi um passo natural que veio confirmar e dar ainda mais consistência a esta estratégia do grupo e, no fundo, afirmar a nossa determinação na procura incessante de novos mercados.

GC – Porquê agora?
RLF
Estávamos a comemorar os 90 anos da Super Bock, pelo que nos pareceu ser um momento particularmente feliz para, em simultâneo com os festejos, dar esta identidade corporativa associada à marca.

GC – A estratégia multibebidas e multimarcas continua a prevalecer apesar da mudança da identidade corporativa?
RLF
Somos claramente uma empresa de raiz cervejeira. Sem pôr em causa todo o valor do portfólio que detemos, a matriz cultural desta casa é a cerveja e afirmamo-la com grande orgulho. Mais uma vez, esta alteração de identidade corporativa vem também reafirmar esse aspeto. Dito isto, há que sublinhar que nada se altera na estratégia multimarcas e multibebidas da empresa, nada muda no seu portfólio e na sua estrutura. Tudo se mantém. A estratégia multimarcas é para assumir, assim como a estratégia multibebidas. Temos a nossa atividade fundamentalmente centrada em categorias onde possuímos marcas líderes – cervejas, águas com gás e sidras -, e essa estratégia é para manter. Uma das preocupações que tivemos na comunicação desta decisão e no seu anúncio aos quadros da empresa, que foram os primeiros a saber, foi precisamente passar a mensagem de que não significa uma menorização das restantes marcas e negócios. A riqueza do nosso portfólio continua a ser fundamental para o nosso negócio.

GC – O mercado angolano, respetiva fábrica sempre adiada e consequente redução do seu contributo para as vendas da empresa é hoje um processo do passado? Foi uma “digestão” fácil?
RLF
A “digestão” de todo este processo não foi nada fácil (risos). Seria enganador da minha parte passar a mensagem contrária. Mas fizemos a “digestão”. Tivemos que tomar as medidas e iniciativas necessárias para tal. Foi, evidentemente, um processo algo doloroso. Como é do conhecimento público, passámos por um processo de reestruturação que não foi fácil, mas não nos desviámos do nosso caminho porque sabíamos que era o que tínhamos que fazer para assegurar a sustentabilidade e o momento futuro da empresa. Nem sempre as decisões de gestão são fáceis. Todavia, não hesitámos nessa época em relação ao caminho que tínhamos que seguir. Diria ainda que, à muita convicção interna e muita firmeza e certeza sobre o rumo, juntou-se alguma felicidade em encontrar outros mercados e alagar a base do negócio internacional da Unicer, de forma a também compensar a perda do mercado angolano. Essa compensação foi feita por muitas vias: em cerca de um terço pela redução de custos da empresa, por via desse processo de reestruturação de que já falámos, de que é exemplo o encerramento da fábrica de Santarém, e em cerca de dois terços por crescimento de proveitos, seja em Portugal, seja nos mercados externos. Nestes fomos à luta e reconheço que a felicidade a que já aludi também derivou do trabalho árduo de pesquisa e de procura de novas oportunidades, surgindo a China como um mercado com um potencial muito interessante.

GC – A China apresenta-se agora como a nova grande aposta do Super Bock Group. Sinais dos tempos? Era incontornável uma presença na China como o foi, no passado, em Angola?
RLF
É importante sublinhar que já estávamos na China desde 2009. Este é um mercado que é preciso estudar, onde é necessário lançar as sementes, que não germinam de imediato. Passámos alguns anos a aprender e tivemos a felicidade de, precisamente quando perdemos Angola, ter tido a capacidade de explorar a China. Hoje, este é o maior mercado de exportação do grupo, inclusivamente superior a todo o volume de exportações que fazemos para a Europa como um todo. É o nosso segundo maior mercado, a seguir ao interno. Neste momento, as nossas exportações totais representam à volta de um terço da produção de cerveja, com a China a ter a maior fatia.

GC – As exportações irão aumentar no encerramento do exercício de 2017? Quais as expectativas?
RLF
Em 2017, esperamos crescer na exportação à volta de 25%. É o culminar da estratégia que temos vindo a seguir. Temos a ambição, para 2018, de ser no mínimo a dois dígitos. Estamos a fazer fortes investimentos nos mercados externos e não falo só a nível financeiro, mas também, e mais importante que isso, em recursos humanos: ter equipas adequadas para poder explorar os mercados, com um misto de expatriados e recursos locais. Não temos na nossa visão a ideia de que as equipas deverão ser apenas compostas por colaboradores expatriados. É fundamental ter pessoas locais, que melhor que ninguém sabem interpretar a cultura local, de modo a antecipar o comportamento do consumidor. Isto é absolutamente relevante num mercado como a China, por exemplo.

GC – Como é que a Super Bock está na China? A aposta deu-se em que canal preferencial: Horeca ou alimentar?
RLF
Estamos focados em três províncias que, no seu conjunto, têm uma população de 200 milhões de habitantes. Não sentimos a ansiedade de dizer que estamos em todo o país. Temos muito trabalho para fazer, muito espaço para desenvolver a nossa operação nestas províncias. Uma empresa internacional não se pode limitar a exportar contentores. O que caracteriza uma empresa internacional é ser capaz de gerir uma operação em contextos culturais diferentes e que são adversos nessa mesma medida. Esse é que é o grande desafio. A aposta deu-se no canal Horeca, onde somos verdadeiramente fortes e especialistas. Na China, como em todos os outros mercados internacionais, temos um importador e uma rede comercial que trabalha o mercado sob a nossa supervisão.

GC – Têm a pretensão de ter uma unidade fabril na China?
RLF
Não temos qualquer intenção de o fazer. O futuro a Deus pertence, mas, no curto/médio prazo, não o pretendemos fazer.

GC – E a entrada no canal alimentar?
RLF
A entrada no canal alimentar não está fora de questão. É prematuro estar a dar detalhes sobre isso – não podemos dar trunfos à concorrência -, mas posso dizer que estamos a fazer as nossas experiências, a lançar as nossas sementes. Não está fora dos nossos horizontes, neste momento não é o “core” da nossa operação na China, mas vai depender da evolução do negócio.

GC – Há 11 anos, quando chegou à então Unicer, a dívida era um dos pontos que o preocupava. Aos lucros de 38 milhões de euros registados em 2016 junta-se também a redução progressiva da dívida? É um aspeto que tem vindo a tomar atenção?
RLF
Quando cheguei à Unicer, a dívida era de 310 milhões de euros. Se me perguntar qual era o resultado em 2006, já não me lembro, mas o valor da dívida nunca me saiu da cabeça. Naturalmente, era uma preocupação, até porque sempre tivemos a visão de que uma estrutura financeira sólida e saudável era um requisito essencial para a então Unicer poder progredir. Fomos seguindo ao longo dos anos uma estratégia de redução da dívida, de privilegiar a geração de caixa. Dizia muito às nossas equipas que conheço muitas empresas que têm resultados, mas não geram caixa, mas que nunca conheci uma empresa que, gerando caixa, não tenha resultados. Temos de trabalhar a geração de tesouraria, porque, depois, os resultados vêm por arrasto. A organização, ao longo dos anos, foi interiorizando esta noção. Hoje, somos uma empresa que não toma qualquer decisão sem antes pensar no impacto em termos de resultados e também de tesouraria. Isso conduziu a que a nossa dívida esteja num patamar bem mais confortável. A nossa estimativa é que iremos fechar o ano com uma dívida em torno de 60 milhões de euros. É uma realidade que nos permite ter a ambição de pensar em novos projetos, porque temos “poder de fogo” para “disparar” em qualquer oportunidade que possa surgir.

GC – O Super Bock Group é hoje, do ponto de vista operacional e estrutural, uma empresa mais capaz de enfrentar os desafios futuros? RLFDiria que sim. Temos um balanço sólido e dispomos de organização que está muito otimizada e altamente motivada para atingir uma ambição credível. Temos projetos e ideias.

GC – Muito se fala na exportação e no crescimento dos mercados externos, mas o mercado interno, sobretudo o canal Horeca, continua a apresentar bons indicadores. É uma situação que o surpreende? O ano de 2017 tem sido generoso para as cervejeiras…
RLF
2017 tem sido um ano interessante para todas as empresas da indústria de Fast Moving Consumer Goods (FMCG), não só para as cervejeiras. Há três fatores em Portugal que conduziram a que esta indústria esteja a ter um desempenho positivo. Por um lado, a dinâmica turística do país, que traz inevitavelmente uma forte dinâmica de consumo com efeito numa série de atividades. O verão quente e longo também favoreceu a indústria de bebidas. E, por outro lado, temos ainda índices de confiança do consumidor que estão claramente melhores do que há dois ou três anos, porque este também observa a trajetória positiva do país e a ansiedade e o medo quanto ao futuro diminuem, tendendo a consumir com mais facilidade. Estes fatores, em conjunto, explicam esta sólida performance em 2017. Não me surpreende este desempenho. Já em 2016 assistiu-se a uma progressiva melhoria destes indicadores e da dinâmica turística. Dito isto, é importante focar que o mercado da cerveja ainda está em níveis inferiores aos de antes da crise financeira. Ao contrário de Espanha, onde já se ultrapassaram os níveis pré-crise, em Portugal, isso ainda não aconteceu. Estamos algures entre 10% a 15% abaixo desse patamar, o que significa que ainda há um caminho a percorrer. Em 2017, a nossa expectativa é que o mercado de cerveja em Portugal possa ter crescido na casa dos 7% a 8%, em cima dos 3% de 2016. 2015 foi o primeiro ano a seguir à crise em que o mercado deixou de cair. Desde 2008 não tinha havido um único ano em que não contraísse. Naturalmente que é uma evolução positiva e que nos satisfaz, mas sentimos que ainda há caminho a percorrer, porque os níveis de consumo ainda não recuperaram.

GC – Sente, de alguma forma, que a diminuição do IVA na restauração contribuiu para este cenário?
RLF
Não considero que tenha sido relevante em termos de dinamização do consumo. Foi sim importante para dar maior solidez e melhores condições ao canal Horeca, onde a taxa de IVA anterior era pesada. Poder-se-á dizer que, face à evolução que teve a dinâmica turística, essa redução hoje seria desnecessária? Talvez. Mas à data em que foi tomada a decisão de redução foi considerada a mais acertada para conferir competitividade a um sector que é gerador de emprego e dinamizador da economia. Na altura cumpriu esse papel.

GC – A pressão promocional preocupa-o? Todas as semanas há uma marca de cerveja em folheto e com preço promocionado. Teme a desvalorização da categoria?
RLF
Em Portugal, criou-se esta tendência de haver promoções permanentes. É evidente que isso traz um risco acrescido de desvalorização da imagem e valor dos produtos. Tal como muitos outros sectores, incorporamos a gestão da nossa marca Super Bock nesse contexto. É evidente que a degradação do valor da categoria é para nós uma preocupação permanente, sobretudo quando ainda não se recuperaram os níveis de consumo pré-crise, mas é uma preocupação geral. Temos hoje uma relação sólida com os nossos clientes da grande distribuição, pelo que a gestão é feita hoje de uma forma muito profissional entre todos. Não é um drama. É o que é e temos de o integrar nas nossas decisões de gestão.
GC – O Orçamento de Estado para 2018 prevê um novo aumento no IABA (+1,5%) às cervejas deixando, tudo indica, os vinhos tranquilos de fora. Como é que analisa esta decisão do Governo?
RLF
É uma decisão que lamentamos. Todos os anos aumenta a tributação sobre a cerveja, ao contrário do que acontece, por exemplo, em Espanha, que tem a tributação em sede de IABA congelada. Atualmente, a tributação da cerveja em Portugal é o dobro da que se verifica em Espanha. Curiosamente, ou talvez não, o consumo de cerveja em Espanha já ultrapassou os níveis pré-crise e se calhar as autoridades espanholas já disso beneficiam. Em Portugal, a estratégia tem sido oposta, no sentido do aumento nominal todos os anos e, como contrapartida, o consumo ainda não atingiu os níveis de antes da crise. Se há uma correlação direta entre os dois factos ou não, não sei dizer, podemos todos especular sobre isso. Mas não creio que seja apenas uma coincidência. Apesar de o lamentarmos, mais do que avaliar, compete-nos incorporar as decisões das autoridades na nossa gestão. Sabemos que o contexto em que vivemos é o de tributação crescente da cerveja, não identificamos razões para isso, porque a fileira da cerveja é altamente contribuidora para a riqueza nacional – cerca de um bilião de euros -, é uma indústria fortemente geradora de emprego e que usa em grande parte matérias-primas nacionais, desde agrícolas ao vidro. Não entendemos como numa fileira com estas características a tributação seja consistentemente crescente.

GC – É pelo aumento da taxação que se gera mais receita fiscal ou o seu aumento irá penalizar o consumo?
RLF
Qualquer imposto tem uma curva de cobrança que, a certa altura, estabiliza. O aumento constante de qualquer taxa de imposto não conduz permanentemente a um aumento da cobrança fiscal. Isso está largamente estudado e qualquer fiscalista sabe disso.

GC – O ano de 2018 irá trazer novas geografias para o Super Bock Group? O que poderá ser um bom exercício do ponto de vista qualitativo e quantitativo?
RLF
Um bom ano é um ano que nos traga senão a satisfação, porque também não acreditamos que seja de repente, pelo menos a prossecução dos objetivos estratégicos que temos e que já se mantêm desde há vários anos: um foco muito grande nas nossas marcas líderes, com o reforço sustentável e rentável dessa liderança, uma aposta forte no desenvolvimento da capacidade de operar no canal Horeca, uma procura permanente de novas oportunidades e de maximização do negócio no exterior, como forma de aumentar a percentagem de vendas no exterior, no fundo, a verdadeira internacionalização da empresa e diminuição da sua exposição ao mercado nacional. Na medida em que 2018 consigamos continuar a aprofundar estes objetivos, será um ano bem-sucedido, na linha do que conseguimos em 2017.

Esta entrevista foi publicada na edição n.º 48 da Grande Consumo, já disponível online e a chegar, em breve,a na sua versão impressa.

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