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“Quanto mais tempo durar a pandemia, mais os novos hábitos se enraizarão no consumidor”

David Lacasa, partner da Lantern

A resiliência será uma das características mais importantes de qualquer empresa que se queira preparar para o pós-Covid. Mas sem esquecer, também, a agilidade, o investimento em digitalização e inovação e o conhecimento do impacto do seu negócio, não só no planeta, mas também nas pessoas. Em entrevista à Grande Consumo, David Lacasa, partner da Lantern, aborda alguns dos aspetos a que o sector agroalimentar deverá dar atenção no rescaldo da pandemia, numa antevisão das tendências que serão divulgadas esta terça-feira, dia 23 de fevereiro, no webinar “Depois da pandemia: cenários futuros para o sector agroalimentar”, cujo registo para assistir pode ser feito aqui.

 

Grande Consumo – O que é a Lantern e o que faz? Como é que se apresenta ao mercado português? Já têm exemplos de projetos concretizados em Portugal?

David LaCasa – A Lantern é uma consultora de estratégia de inovação. Ajudamos no desenvolvimento de novos produtos e modelos de negócio e o nosso “core business” é o sector alimentar. Sendo o mundo da inovação muito amplo, procuramos ter essa especialização sectorial.

A nossa sede é em Madrid, mas desde o início que estamos presentes em toda a Península Ibérica. Há vários anos que nos encontramos a desenvolver o mercado português.

 

GC – Que oportunidades de negócio trouxe a pandemia? A mesma foi um catalisador de novos hábitos e procedimentos no modo trabalhar, estar em sociedade e consumir? Nada será como dantes? Na vossa perspetiva, quanto tempo levará o “regresso à normalidade”?

DL – Esta pandemia está a ter um grande impacto nos hábitos de consumo. Logicamente que tem impacto na economia, de um modo geral, mas a mudança nos hábitos de consumo foi significativa. As pessoas passam mais tempo em casa, consomem muito menos nos cafés e restaurantes e todo esse consumo está a ser desviado para dentro do lar. Estamos a tornar a cozinhar, algo que se tinha vindo a perder, e há uma preocupação diferente em torno da saúde.

Como tal, intensificou-se a procura de produtos saudáveis, mais naturais, mais “clean label”, mas, ao mesmo tempo, há uma grande preocupação com a saúde mental, o que tem muito a ver com o prazer e a indulgência e motivou o consumo em casa de produtos como as cervejas ou os doces.

Estes hábitos vão manter-se no consumidor. Em Portugal, por exemplo, cresceu muito o momento do pequeno-almoço, que era mais feito fora de casa e que, agora, é preparado com mais tempo e dedicação. Será um momento adicional de consumo.

Quanto mais tempo durar a pandemia, mais os novos hábitos se enraizarão no consumidor. Se tudo correr como o previsto, no final de 2021, haverá um pouco mais de “normalidade”. Quando a vacinação estiver mais generalizada, haverá um relaxamento em termos de contacto físico, mas há que ter em conta que tal acontecerá apenas nos países desenvolvidos. No resto do mundo, o risco irá manter-se.

Outro impacto da Covid-19 tem a ver com a economia. No que se refere, mais especificamente, ao sector alimentar, há a questão do turismo, que foi muito afetado, o que prejudica, particularmente, os países do sul da Europa, como Portugal, Espanha, Grécia, Turquia e Itália, cujas economias estão muito assentes naquele vetor. Juntos, estes países somam mais de 250 milhões de turistas por ano. Espanha, por exemplo, teve, em 2019, 84 milhões de turistas e, em 2020, não ultrapassou os 20 milhões.

Tem tudo que ver com confiança. Quando o consumidor tornar a senti-la, vai querer regressar a todas as atividades que deixou de fazer, como comer fora e viajar. Vai ter muita vontade de consumir.

 

GC – A economia circular ganhou ainda mais expressão com a Covid-19?

DL – Há já muito tempo que as empresas estão a trabalhar em matéria de sustentabilidade. Mas a Covid-19 veio relembrar que vivemos num mundo que não é só nosso, é uma aldeia global, o que fez com que o próprio consumidor considerasse ainda mais importante mudar muitas coisas no planeta.

As questões de sustentabilidade vão, por um lado, ser impulsionadas ao nível governamental. Recorde-se que esta é uma matéria que está a ter muita atenção por parte da União Europeia, com o Green Deal e a estratégia Farm to Table.

Mas também o retalho está a dar um forte impulso a esta temática, o que está a potenciar a mudança de muitas categorias. Veja-se o exemplo do Lidl, que já só comercializa ovos de galinhas criadas ao ar livre. Mais do que um pedido por parte do consumidor, trata-se de uma vontade do próprio Lidl de contribuir em matéria de sustentabilidade e de bem-estar animal.

Consumidor, retalho e governos são três forças que vão puxar muito pela sustentabilidade. Convém ter em mente que, independentemente de se viver uma situação de pandemia, os projetos das empresas, na sua maioria, não pararam. Claro que o foco se desviou para alguns aspetos em específico, como o packaging, por exemplo, mas as empresas terão de dar um passo atrás e repensar todo o conceito de economia circular. Não é só considerar o impacto nos ecossistemas, é também avaliar o impacto em termos sociais. As empresas devem questionar que partes da sua cadeia de valor terão de mudar para ter mais impacto positivo não só no meio ambiente, mas também na cadeia total.

 

GC – Como serão as empresas no período pós-Covid? E a noção de teletrabalho?

DL – O teletrabalho veio para ficar. A pandemia foi a prova gigante de que funciona. A tecnologia até já existia e funcionou bem, pelo que a maioria das empresas continuou a trabalhar sem ter de fazer grandes alterações.

O facto de que o teletrabalho veio para ficar é atestado pelas alterações à própria legislação laboral que está a ser equacionada pelos vários governos europeus, como o espanhol, de modo a acomodar esta vertente.

Esta situação terá um impacto muito forte em alguns sectores, como o das viagens. Ficou demonstrado que, para se fazer uma reunião de uma hora, já não é necessário apanhar um avião. Faz-se uma videoconferência e pronto.

Também ao nível da alimentação, os impactos serão significativos. Serão muitas menos refeições fora do lar. Assim como no imobiliário, uma vez que muitos escritórios serão redimensionados para uma nova realidade.

Mas as consequências serão também sentidas ao nível da cultura empresarial. Perde-se uma parte importante do contacto humano e a criação do sentimento de equipa será muito mais difícil, assim como os processos de inovação e de criatividade. Não nos podemos esquecer das pequenas conversas em torno da máquina de café, onde surgiam muitas ideias e se geravam muitas oportunidades.

Não obstante, terá muitas vantagens. Um maior equilíbrio na gestão da vida pessoal e da vida profissional ou o acesso a talento fora da área geográfica são duas delas.

 

GC – O e-commerce promovido pelas marcas (DTC) coloca em causa o papel do retalho organizado? Este será um canal de profundo crescimento?

DL – Com a pandemia, o e-commerce duplicou a sua expressão no sector alimentar, mas o seu peso ainda é pequeno. Excetuando o Reino Unido, nos restantes dos países europeus, não representa mais do que 5% das vendas totais de alimentação. Porém, vai continuar a crescer paulatinamente.

Não quer isto dizer que a loja física perca a sua importância. É toda uma experiência de compra distinta e que não deixará de ser valorizada pelo consumidor. O e-commerce é mais uma compra para o mês, de grandes volumes, como os garrafões de água ou as paletes de leite. Ou para aquelas pequenas coisas que não se encontram nas lojas habituais. A especialização do e-commerce tem essa grande vantagem.

No que se refere às marcas, a pandemia veio contribuir para que caísse por terra uma barreira mental, de que poderia haver uma incompatibilidade entre a sua própria operação de e-commerce e a sua relação com o retalho. Hoje, perceberam que o e-commerce lhes permite oferecer uma gama distinta da que é vendida nos supermercados, dando-lhes uma boa oportunidade de fazer um catálogo maior, assim como de construir experiências de consumo diferentes.

Nessa medida, faz todo o sentido que as próprias marcas pensem no seu online, até porque convém não esquecerem que, hoje, os retalhistas são também a sua concorrência. Veja-se o caso da marca Hacendado, da Mercadona. É uma marca de pleno direito e considerada pelos consumidores como uma grande marca.

Agora, nesse processo, as marcas terão de pensar em produtos específicos para o canal online. Não faz sentido venderem o mesmo produto que é comercializado nas lojas, mas em caixas de seis.

 

GC – A pandemia acelerou, então, a digitalização dos negócios do sector alimentar em cinco anos. A logística continuará a ser um obstáculo a esta concretização?

DL – A logística é um problema. Ainda hoje, o canal online não é rentável para os supermercados. É muito mais caro para um retalhista vender online do que numa loja física. O picking é a parte crítica, porque continua a ser muito manual, e a automatização implica um investimento muito forte, cuja recuperação implica um volume de vendas muito grande. Como tal, empresas que tenham já grandes volumes, como a Amazon, ou a própria Mercadona, em Espanha, poderão continuar a investir em soluções mais desenvolvidas de picking, que lhes permitam tornar este negócio mais interessante.

Por outro lado, na área do delivery, vai haver uma aposta muito grande nas “dark stores”, de modo a ter pequenos centros de logística nos centros das cidades. Será uma oferta mais específica de consumo numa determinada altura. Por exemplo, um dos produtos mais vendidos pela Glovo é o tabaco.

 

GC – Como se poderá, então, construir uma oferta diferenciada e relevante para o consumidor, além da pandemia? Poderemos assistir à emergência de novos canais e experiências?

DL – O consumo em casa vai manter-se durante mais algum tempo. Não é de um dia para o outro que os receios se desvanecem. A consciência sobre a higiene e saúde mudou muito e as empresas terão de tê-lo em consideração.

Paralelamente, o consumidor vai pedir mais experiências, para compensar todas as restrições a que foi sujeito durante os períodos de confinamento e de distanciamento social. E serão experiências quer de consumo, como de compra.

Como tal, as empresas terão de saber como surpreender o consumidor, com produtos mais adaptados, assim como com experiências de consumo mais atrativas.

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