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A queda da natalidade e o envelhecimento da população poderão reduzir o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita português em 0,6 pontos percentuais por ano até 2050, alerta o mais recente estudo do McKinsey Global Institute, intitulado “Dependency and Depopulation? Confronting the consequences of a new demographic reality”.
O relatório traça um cenário desafiante para a economia global, particularmente para países como Portugal, onde a transformação demográfica é mais acentuada. A análise aponta para uma mudança estrutural profunda, com consequências severas para o crescimento económico, a sustentabilidade dos sistemas de pensões e o padrão de consumo.
Um mundo com menos jovens
Atualmente, dois terços da população mundial vivem em países com taxas de natalidade abaixo do nível de reposição populacional (2,1 filhos por mulher). Em Portugal, essa taxa ronda os 1,5 filhos, agravando uma trajetória descendente iniciada há décadas.
Este fenómeno está a conduzir a uma reversão da pirâmide etária: a proporção da população em idade ativa (15 a 64 anos) em Portugal já caiu de 67% para 63% e deverá atingir apenas 53% até 2050. Em paralelo, a taxa de suporte demográfica (população ativa por cada reformado) passará de 2,6 para apenas 1,6, o que terá implicações diretas na sustentabilidade da Segurança Social, nos sistemas de saúde e na capacidade de gerar crescimento económico.
Impacto direto no PIB e no consumo
Se não forem adotadas medidas corretivas, a demografia poderá travar de forma significativa o crescimento do país. O estudo estima que o PIB per capita português cresça menos 0,6 pontos percentuais ao ano até meados do século, apenas devido à dinâmica populacional. A produtividade e a capacidade de inovar tornar-se-ão fatores determinantes para compensar o peso do envelhecimento.
Esta nova realidade também transformará os padrões de consumo. Em 2022, os consumidores com mais de 65 anos representavam 21% do consumo global; em 2050, esse valor deverá ascender a 31%. Em países como Portugal, onde o envelhecimento é particularmente acelerado, será fundamental adaptar a oferta de produtos, serviços e comunicação a um consumidor sénior, mais exigente e com novos hábitos.
Uma crise global com múltiplas frentes
De acordo com o McKinsey Global Institute, os sistemas económicos e os contratos sociais das últimas décadas basearam-se no crescimento contínuo da população ativa, um cenário que já não se verifica. Em três quintos dos países desenvolvidos, as mortes superam os nascimentos e a longevidade crescente acentua o desequilíbrio. A consequência é o surgimento de uma nova era: a “escassez de jovens”.
No cenário base da McKinsey, o crescimento do PIB per capita poderá cair até 0,8 pontos percentuais por ano nalgumas economias. Para evitar esse declínio, seria necessário duplicar ou quadruplicar o crescimento da produtividade ou aumentar o número de horas semanais de trabalho em uma a cinco horas por pessoa, medidas de elevada sensibilidade política e social.
Um dos alertas mais contundentes refere-se ao financiamento do consumo sénior: até 50% dos rendimentos do trabalho poderá ter de ser canalizados para sustentar os mais velhos, caso nada mude. Isto significa que as gerações ativas herdarão, além de um crescimento mais lento, uma fatura social insustentável, exigindo uma profunda revisão do contrato intergeracional.
Reformar o contrato social e reinventar a produtividade
O estudo aponta, assim, três caminhos para mitigar os efeitos desta transformação: aumentar a produtividade, através da digitalização, automação e requalificação contínua; expandir a força laboral, promovendo maior participação das mulheres, dos seniores ativos e dos imigrantes; e redefinir o contrato social, garantindo proteção aos mais velhos sem comprometer a sustentabilidade do sistema.
Ao nível empresarial, será necessária uma transformação profunda, desde o design de produtos à organização do trabalho, com modelos mais inclusivos e adaptados a equipas multigeracionais.
Portugal no radar de alerta
Portugal surge no estudo como um dos países com maior risco de depopulação acentuada até 2100, a par de economias como Itália, Coreia do Sul e Japão, que poderão perder entre 20% e 50% da sua população.
As pirâmides populacionais evoluem para obeliscos – mais idosos e menos jovens – e os desafios estruturais acumulam-se: emigração jovem, baixa taxa de substituição geracional e uma forte concentração urbana do envelhecimento.
Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam a evolução preocupante destacada pelo McKinsey Global Institute. Em 2023, registaram-se 85.699 nascimentos, uma subida de 2,4% face ao ano anterior, mas ainda abaixo dos níveis de reposição. A idade média da mãe ao nascimento do primeiro filho já ultrapassa os 31 anos e o índice de envelhecimento atingiu os 188 idosos por cada 100 jovens. Em 2050, mais de 40% da população portuguesa poderá ter mais de 60 anos, o que confirma e reforça os alertas da McKinsey.
Um mercado a reinventar: silver economy e novos agentes de consumo
Este novo cenário exige que o mercado se prepare para responder a dois grandes vetores de transformação, que a Grande Consumo tem vindo a acompanhar. No artigo “Prateada ou de Ouro?”, são destacadas as oportunidades associadas ao consumidor sénior. Produtos adaptados, ergonomia, bem-estar, novas tecnologias e comunicação empática serão chave para este segmento em expansão.
Mas também a diversidade e a imigração contribuem para uma renovação da base consumidora e trabalhadora. A chegada de imigrantes e nómadas digitais pode reequilibrar parcialmente o impacto da quebra demográfica, trazendo novas dinâmicas culturais, geracionais e económicas ao consumo, como abordado no artigo “Os novos agentes de transformação do país”.