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Compro, logo protesto

Como o consumo se tornou ativismo

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Nos últimos meses, a Europa tem assistido a uma crescente onda de boicotes a supermercados, com os consumidores de vários países a manifestarem o seu descontentamento face ao aumento dos preços dos alimentos e ao agravamento do custo de vida.

Estes movimentos refletem uma insatisfação generalizada e uma procura por mudanças nas políticas de preços e práticas comerciais das grandes cadeias de retalho.

 

Bojkotta vecka 12

O exemplo mais recente aconteceu em março, na Suécia, com o movimento Bojkotta vecka 12 (Boicote na semana 12), que apelou aos consumidores para evitarem fazer compras nas principais cadeias de supermercados, como Lidl, Hemköp, Ica, Coop e Willys, durante uma semana. O protesto foi uma resposta ao aumento significativo dos preços dos alimentos, com as estimativas a indicarem que o custo anual para alimentar uma família sueca aumentou em cerca de 30 mil coroas suecas, aproximadamente 2.700 euros, desde janeiro de 2022.

Os organizadores do boicote acusam um “oligopólio de grandes supermercados e produtores” de priorizar os lucros em detrimento dos consumidores. As cadeias de supermercados, por sua vez, atribuem os aumentos de preços a fatores como os conflitos geopolíticos, os preços das matérias-primas e as mudanças climáticas.

 

Tendência crescente na Europa

Este exemplo ilustra uma tendência crescente na Europa. A 24 de janeiro, na Croácia, os consumidores iniciaram um boicote nacional contra os supermercados, protestando contra o aumento significativo dos preços dos alimentos. Este movimento rapidamente ganhou apoio público, resultando numa redução significativa das vendas nos estabelecimentos visados.

O sucesso deste boicote inspirou ações semelhantes noutros países dos Balcãs, com os consumidores na Sérvia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro e Roménia a aderirem a boicotes semelhantes.

Na Bulgária, a 20 de fevereiro, os consumidores organizaram boicotes a grandes cadeias de supermercados, exigindo a implementação de leis que regulem os preços dos alimentos e limitem as margens de lucro dos retalhistas a menos de 30%. Estas ações resultaram numa queda de quase 30% no volume de negócios das lojas visadas.

Na Eslováquia, uma página de Facebook intitulada Não nos Alimentem com Lixo apelou a um boicote de um dia às principais cadeias de supermercados, incluindo Billa, Tesco, Lidl, Kaufland e COOP Jednota, em protesto contra os elevados preços dos alimentos. Já na Eslovénia, onde os dados governamentais indicam que os consumidores pagam, em média, 44% mais pelos alimentos do que há uma década, foram convocados boicotes a supermercados até 9 de fevereiro.

Os números comprovam o descontentamento. Nos últimos anos, os preços dos alimentos na Europa registaram aumentos significativos. Em março de 2023, a taxa de inflação anual dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas atingiu um pico de 19,2% na União Europeia. Em Portugal, por exemplo, o nível médio dos preços dos bens alimentares e bebidas não alcoólicas em dezembro de 2024 situava-se 28% acima do registado em 2021.

 

Consumo ativista

Em resposta aos boicotes, algumas cadeias de supermercados anunciaram reduções significativas nos preços e promoções especiais para reconquistar a confiança dos consumidores. No entanto, os organizadores dos protestos mantêm a pressão, apelando a mudanças estruturais e a uma maior regulação do sector para evitar práticas consideradas abusivas.

De facto, nos últimos anos, tem-se observado uma crescente tendência dos consumidores, manifestada através de boicotes a empresas e produtos cujas práticas são consideradas eticamente questionáveis ou prejudiciais. O fenómeno, conhecido como consumo ativista, reflete a intenção dos consumidores de influenciarem mudanças sociais, políticas ou ambientais através das suas escolhas de compra. Cada vez mais, o consumidor deixa de ser apenas alguém que consome bens e serviços e passa a ser um ator político no sentido lato, que recompensa marcas alinhadas com os seus valores e penaliza empresas ou práticas com as quais discorda.

Este ativismo expressa-se através de boicotes, mas também de buycotts, optando ativamente por marcas alinhadas com valores pessoais; do consumo simbólico, por exemplo, comprando roupa de marcas “éticas”; da pressão digital, usando as redes sociais para amplificar denúncias ou pedir boicotes; ou da criação de marcas ativistas, que nascem com um propósito político.

As motivações são também diversas: justiça social, apoio a causas LGBTQIA+, antirracismo, direitos laborais, direitos humanos, ambientalismo, bem-estar animal, anticorporativismo ou geopolítica. Do boicote à Tesla, nos Estados Unidos e um pouco por todo o mundo, às campanhas contra produtos americanos na Europa, ou à defesa de tradições locais, como na ilha escocesa de Lewis, onde a comunidade protestou contra a abertura da Tesco ao domingo, o consumo tornou-se um campo de intervenção.

 

Dados que confirmam a tendência

Vários relatórios de tendências internacionais sublinham esta evolução. O estudo “Global Consumer Trends 2024” da Euromonitor identifica o perfil do consumidor progressivamente polarizado, que espera que as marcas se posicionem em temas sociais e ambientais. A mesma entidade, no seu relatório “Tendências de Consumo na Europa para 2024”, refere o crescimento do Greenwashed Out, um alerta claro contra o marketing ambiental sem substância.

No mesmo sentido, e segundo o estudo da IBM e da NRF, mais de 70% dos consumidores globais está disposto a pagar mais por marcas com propósito ou sustentáveis. Em Portugal, os dados da Marktest indicam que mais de 60% dos consumidores valoriza critérios ambientais e sociais na escolha das marcas. E a nível europeu, em 2023, a GfK reportou que um em cada quatro europeus deixou de comprar produtos de marcas associadas a escândalos éticos.

O consumidor ativista de hoje não está sozinho, está também organizado. Participa em petições, colabora em movimentos de justiça climática, adere a campanhas de pressão sobre empresas ou legisladores e utiliza plataformas como a Change.org para ampliar este poder. Com recurso a apps de rastreio de impacto ou comparadores éticos, este novo perfil de consumidor exige responsabilidade e coerência.

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Por Carina Rodrigues

Responsável pela redacção da revista e site Grande Consumo.

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