O consumo vingativo vai ser coisa séria

David Lacasa, Partner da Lantern

Mais de um ano após o maldito mês de março de 2020 já começamos a ver a luz ao fundo do túnel. Para trás, vão ficar horas de videoconferências, confinamentos vários, medo de ouvir uma tosse, não tocar em ninguém… no fim, não ter uma vida normal. E, numa vida normal, vamos a restaurantes, jantares com amigos, festas familiares e, para todas essas ocasiões, fazemos compras, coisa que há tempo de mais não conseguimos fazer. 

Esta vida restrita que temos tido, durante demasiado tempo, tem tido um impacto muito relevante no nosso consumo. Sabemos que temos saído muito menos para jantar e almoçar fora, que temos ido muitas menos vezes fazer compras de qualquer natureza. Tudo isso reflete-se nas poupanças que as famílias tiveram, no último ano. 

 

Poupança

Depende das fontes, mas os estudos apontam que os lares tenham poupado em torno dos 400 euros, no último ano. Por enquanto, o Banco Central Europeu assegura que o nível de poupança atual nos países da zona euro não tem precedentes e é o mais alto da história. Só em Portugal, o Banco de Portugal calcula que a taxa de poupança aumentou de 6,8%, em 2019, para 12%, em 2020, o valor mais elevado desde 2002.

Os motivos para esta poupança são claros: em primeiro lugar, a falta de oportunidades de consumo pelo confinamento e as restrições, mas, também, o medo e as incertezas sobre o que acontecerá no futuro. Mas todos somos humanos e, como humanos, fazemos coisas emocionais, muito mais vezes que racionais, e é neste ponto que se insere o consumo vingativo (ou “revenge spending”). 

 

Vacina

A vacina está a ser rapidamente inoculada e bem-sucedida e o vírus está mais controlado. Por isso, a mentalidade geral da sociedade, hoje, é mais positiva e otimista do que quando enfrentámos a pandemia em março do ano passado. As ruas das cidades, bem como os restaurantes, bares e lojas, estão a voltar a encher-se de pessoas, novamente. As compras “vingativas” não são mais que o desejo de recuperar o tempo perdido, recuperar a liberdade de fazer o que desejamos. A China é um exemplo de um país que viu uma rápida recuperação nas vendas, depois do primeiro confinamento e com o controlo, momentâneo, da pandemia. 

Por enquanto, estamos a ver como o crescimento rápido da procura está a enfrentar alguma falta de matérias-primas e a potenciar um incremento muito forte dos seus preços. As fábricas ainda não alcançaram a capacidade máxima perdida durante a pandemia. As rotas de transportes, sobretudo as marítimas, ainda não foram totalmente reabertas. 

 

Consumo

No entanto, nem todos vão a poder exercer esta “vingança”. Existem ainda maiores diferenças entre aqueles que sofreram as consequências económicas e aqueles que não as sofreram. Nomeadamente, aqueles que estiveram expostos a layoffs e negócios fechados pelo confinamento. O seu regresso à “normalidade” será mais lento do aqueles que conseguiram ‘teletrabalhar’.

Mas como capturamos uma parte destes gastos vingativos? Neste segmento da população que não foi tão afetada pela pandemia, veremos um aumento da procura de produtos de alto valor. Nunca antes o slogan “porque merecemos” vai ser mais acertado. 

Os consumidores vão dar prioridade àqueles gastos que consideram um “prémio” por aquilo que passaram. A roupa e os complementos já verificam esta recuperação e as grandes marcas estão a voltar aos lucros, neste último trimestre. 

 

Procura por valor acrescentado

Além dos artigos mais habituais para nos premiarmos, no âmbito do grande consumo também vamos ver um aumento de procura de produtos de valor acrescentado. O consumidor vai procurar produtos que lhe ofereçam uma recompensa e um valor emocional importante. Nesse sentido, os produtos artesanais e premium vão ter uma procura maior que antes da pandemia. Mas esta procura vai estar longe de ser vaidosa ou hedonista. Pelo contrário, será muito mais consciente. 

A escritora Arundhati Roy, dizia que “historicamente, as pandemias forçaram os humanos a romper com o passado e a imaginar o seu mundo de novo. Esta não é diferente. É um portal, uma porta de entrada entre um mundo e o outro”.

O consumidor está, também, a mudar a sua perceção do valor acrescentado. Neste momento, os produtos locais, ricos nutricionalmente e amigáveis para com o meio ambiente são percebidos com mais-valia face a outros atributos. Estes produtos vão a ter uma maior procura nos próximos meses. 

 

Saúde

A recente crise médica e económica que temos sofrido tem tido uma resposta bastante empática por parte da população em geral. Temos apoiado os trabalhadores da linha da frente com as nossas palmas e ajudado as pessoas mais frágeis durante este tempo. Por isso, o consumidor está a comprar mais produtos locais, porque, desta maneira, está a apoiar e a sustentar o comércio que é seu vizinho, que é nosso vizinho. Neste aspeto, o “target” sénior é o que mais está a adotar esta atitude.

No âmbito da saúde e dos produtos nutricionalmente enriquecidos, um aspeto que tem tido mais impacto nos Millennials, também mudou o foco dos consumidores. Até agora, as dietas e os produtos baixos em calorias eram os mais procurados, mas, depois deste período, a saúde tem uma abrangência muito maior entre os consumidores das várias idades. A ansiedade e o stress são umas das principais preocupações, atualmente. Novos produtos que nos ajudem a dormir melhor e a acalmar a mente vão ter maior procura. 

 

Ambiente

Ao mesmo tempo, temos subido a nossa preocupação com o planeta. O consumidor, todos sabemos, está a tentar impactar o menos possível o meio ambiente. Por isso, os produtos que o ajudem nessa tarefa são percebidos como uma mais-valia. Mas, para isso, não é suficiente ter uma embalagem reciclável, devemos ter um impacto positivo e ser muito claros em como o nosso produto está a ajudar o planeta. 

Em suma, temos estado, muitos meses, com os travões ligados e agora é o momento de os desligar e recuperar parte da liberdade e tempo perdidos. Mas esta sociedade – e este consumidor – já não é igual aos tempos pré-pandemia, é, sim, muito mais consciente. Por isso, este novo tempo de maior consumo vai ser também de maior implicação e impacto positivo na sociedade e no planeta. 

E a sua marca, está preparada para este desafio?

David Lacasa
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