Há apenas dois mundos onde o Halloween e o Natal se juntam… o estranho mundo de Jack Skellington e o estranho mundo d’O Consumidor.
Poderá parecer estranho juntar a mais sombria estória de Tim Burton, o Pai Natal e o retalho numa mesma narrativa, mas essa será certamente a realidade do ano de 2021. Depois de mais de 18 meses de uma clausura dos consumidores e de inúmeras tentativas de regresso à normalidade, existe um sentimento de festividade que tende a ignorar os mais óbvios avisos à navegação.
Nem o cancelamento do Natal em 2020, no pico da pandemia, nem as anunciadas dificuldades das cadeias de abastecimento parecem impedir o consumidor de querer comemorar dois Natais de uma só vez, de comemorar, em poucas semanas, tudo o que não fez em mais de 18 meses. É como quando o rei do Halloween, Jack Skellington, se deparou com o mundo do Natal e decidiu organizar tudo sem ter a verdadeira percepção do espírito natalício.
O mundo do retalho há muito que decidiu adoptar o Halloween e a Black Friday como momentos de antecipação do Natal, mas será que esta busca desenfreada pelas melhores oportunidades não irá colocar em causa a possibilidade de garantir uma boa consoada? Será que não nos estamos a preparar para uma pressão excessiva das cadeias de abastecimento, lembrando o momento em que o Pai Natal é raptado pelas crianças travessas e lhes pergunta se elas nunca ouviram falar em “paz na Terra e boa vontade”?
Dados
Os dados mais recentes mostram que, já em 2020, mais de metade dos consumidores começaram a antecipar as suas compras de Natal em dois a três meses, mas num momento em que ainda existia em stock quantidades suficientes para assegurar as necessidades. Neste momento, há já quem coloque em causa a presença do nosso fiel amigo, o bacalhau, na ceia de Natal. Muitas são as notícias de marcas e retalhistas que tentaram antecipar a compra, num movimento de “chegar primeiro que os outros” que é típico duma sociedade em velocidade cruzeiro, mas cujos efeitos, numa sociedade pós-confinamento, poderão ser desastrosos. Tal como numa estrada com muito trânsito, o que acontecerá se o primeiro da fila abrandar? Os seguintes travam a fundo e os do fim da fila poderão, eventualmente, chocar e ter danos profundos.
Com os preços a aumentar a cada dia que passa, devido ao aumento dos custos das matérias-primas e aos custos de transporte, o aparente aumento de vendas do retalho poderá não passar de uma falácia no momento em que os consumidores forem obrigados a colocar um travão nas suas despesas. Tal como Sally diz a Jack … “não pareces tu próprio, tu és o rei das abóboras, não és o Pai Natal. Falta qualquer coisa …”. Falta certamente a consistência, falta a estratégia de longo prazo e parecem vir a faltar os produtos. De acordo com o mais recente estudo da Adobe Analytics, em mais de um milhão de visitas a retalhistas online, as rupturas estavam 24% acima do valor de 2020 e … 172% acima do período pré-pandemia. E quais as principais categorias afectadas? Vestuário, artigos para desporto, artigos para bebé e eletrónica. Ou seja, algumas das principais categorias que constam das nossas listas de compras e ofertas de Natal.
Online
Mas será que, tal como o Pai Natal, o comércio online ainda vai a tempo de salvar o Natal? A avaliar pela capacidade de resposta no início da pandemia, espera-se que os retalhistas tenham aprendido com as dificuldades sentidas e investido em estratégias de aprovisionamento e armazenagem que lhes permitam responder às súbitas mudanças de necessidades deste estranho Consumidor. Os dados mais recentes colocam algumas nuvens cinzentas sobre essa possível salvação, apontando antes para que o protagonismo passe para os operadores de proximidade e para os serviços de entrega ao domicílio. Mas, para isso, é necessário que haja produto para entregar. E, para isso, é preciso que as ondas da quarta vaga pandémica que percorrem a Europa se mantenham afastadas das nossas chaminés, mesmo quando se teima em desconfinar à força, tentando recuperar à força o tempo perdido.
A capacidade de resiliência do retalho e das marcas está à prova e é fundamental que cada um desempenhe o seu papel, sem fanatismos ou comportamentos típicos do asilo de loucos em que o Pai Natal foi preso pelo bicho-papão (não, não me estou a referir à dissolução do Parlamento e às eleições antecipadas para 30 de Janeiro!).
No fim, o importante é que todas as Sally’s e todos os Jack’s se encontrem sob a luz do luar para descobrir e apreciar um novo mundo, o mundo duma realidade pós-pandémica, o estranho mundo d’O Novo Consumidor.
