O que se passou com o “lipstick effect” e o futuro da beleza

Pedro Lopes - Business Development Director
Pedro Lopes - Business Development Director

Durante os últimos dois anos, um dos mais conhecidos efeitos económicos em tempos de crise tem sido posto em causa. Trata-se do “lipstick effect”. 

Esta teoria defende que, em ambiente de crise económica, os consumidores tendem a substituir o consumo de bens de luxo mais caros por “pequenos luxos”, como o uso de baton. Acresce, ainda, que o uso de cosméticos, nomeadamente de maquilhagem, tem, genericamente, um impacto positivo na autoestima e em dar a quem os usa uma sensação de controlo e poder. Se estamos bem arranjados e bem vestidos, sentimo-nos melhor e prontos para atacar as dificuldades do mundo. Este é um dos princípios na base da conclusão unânime que advoga que a indústria de cosmética é resiliente a crises de várias naturezas.

Contudo, o contexto de crise pandémica dos últimos quase dois anos contrariou a aplicação deste efeito. O mercado da beleza sofreu impactos negativos acima do patamar dos dois dígitos no total dos canais, sendo também negativo, mas bem abaixo dos dois dígitos, no contexto de hipers e supermercados, que se mantiveram abertos (embora com limitações de horários e número de shoppers simultâneos).

 

Contexto único

As indicações de como atuar neste contexto único que fomos recebendo estiveram na origem destes resultados. Primeiro, “fiquem em casa”. Se ficamos em casa, não nos arranjamos, não saímos à noite, não temos almoços e jantares com pessoas perante as quais temos de parecer bem. Categorias como maquilhagem, onde se inserem os tais batons do “lipstick effect”, sofreram logo o primeiro impacto, assim como a categoria de perfumes ou de “styling”. Curiosamente, algumas categorias de cosmética beneficiaram deste contexto, como coloração em casa e vernizes de unhas, que cresceram vendas dado que cabeleireiros e esteticistas tiveram de fechar, mas longe de conseguirem compensar as perdas das primeiras. 

Segundo, “usem máscaras”, ou seja, tapem grande parte do rosto. Segundo golpe na maquilhagem, e em concreto nos batons, levando a categoria de cremes de rosto atrás. Curiosamente, também aqui alguns segmentos beneficiaram do contexto, como máscaras de hidratação de tecido, que passaram a ser integradas mais frequentemente numa rotina de beleza de consumidoras com tempo a mais em casa. Efeito que, também aqui, não compensou de todo a perda de vendas global da categoria.

Mas um outro efeito impediu o funcionamento do “lipstick effect”: a proteção dada pelo Governo aos empregos, levando a que mantenhamos, ao dia de hoje, uma taxa de desemprego abaixo dos 7%, longe dos 16% do período de crise económica de 2013. Ou seja, o sentimento de escassez económica ainda não se viveu ao nível do vivenciado nas crises do século passado, em que o famoso efeito teve origem.

 

Regresso da beleza

Impõe-se, então, perceber quando é que beleza vai regressar. Podemos elencar três grupos de pistas.

Olhando para os fatores que a originaram, temos as primeiras: já acabou o “fique em casa” há muito e esperamos que não volte. Já é possível ir a restaurantes e discotecas. Já começa a deixar de ser obrigatório usar máscara em muitas situações. E, infelizmente, começamos a ver sinais de crise económica à vista, nomeadamente reforçada pelos aumentos dos preços, em concreto dos combustíveis, a que se seguirão outros.

Por outro lado, surge um desejo de vingança. Multidões de jovens que não saíram à noite no último ano e meio, casamentos adiados ou em versões reduzidas, festas de 18 anos, todos os tipos de celebrações foram adiados. Exige-se vingança e espera-se o fenómeno de “revenge buying”. Um fenómeno em que todos nós sentimos que merecemos uma compensação… e traduzimos esta emoção em compras, sempre que podemos.

 

Tendências

Juntam-se, ainda, várias tendências com futuro impacto positivo no crescimento das categorias de beleza. A conveniência do e-commerce, que aprendemos a conhecer ainda melhor no último ano e meio, que trará mais facilidade em comprar cosmética, normalmente pouco acessível neste país de supermercados; a “all inclusive trend”, a tendência que traz soluções para todos os consumidores, nomeadamente as gerações mais velhas ávidas por produtos que as façam sentir-se bem; a importância crescente da saúde e a sua aplicação em produtos de beleza que nos façam sentir mais saudáveis e tragam novos consumidores para as categorias. E muitas outras.

Parece poder concluir-se, assim, que o mercado da beleza mantém as condições que o transformam num mercado que cresce sustentadamente acima da média da indústria nas últimas décadas. Está saudável e pujante. As tendências que o sustentavam foram exponenciadas por estes dois últimos anos e parece que podemos antever que … vêm aí uns novos “loucos anos 20”!

Pedro Lopes - Business Development Director
Pedro Lopes
Business Development Director

Armando Mateus, Chief Experience Office Touchpoint Consulting

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