Carlos Régio - Diretor da divisão de retalho da CBRE
Carlos Régio, diretor da divisão de retalho da CBRE
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“As lojas físicas continuarão a ter um papel preponderante na interação e experiência que proporcionam aos seus clientes”

Sem pandemia, o ano de 2020 teria sido seguramente o melhor de sempre para a CBRE no sector do retalho. Garantia de Carlos Récio, diretor da divisão de retalho da consultora imobiliária, que traça um balanço do que foi o ano transato para este sector de atividade. Um retrato que passa, incontornavelmente, pelo crescimento do e-commerce, fruto das restrições à circulação impostas pela pandemia, o que terá motivado a procura de espaços para satisfazer este canal, nomeadamente, de “dark stores”, mas também, e em contrapartida, a uma racionalização do portfólio de lojas, em particular, quando as redes estavam sobredimensionadas. Mas isto não significa que as lojas físicas estejam a perder relevância. Muito pelo contrário, continuarão a ser determinantes para o estabelecimento de uma relação com os clientes, mas também para otimização dos custos relacionados ao “last mile”.

 

Grande Consumo – O ano de 2020 foi atípico em todos os sentidos. Como é que o mercado imobiliário vivenciou esse exercício?

Carlos Récio – Diria que de uma forma prudente, com sectores de atividade e/ou formatos específicos a serem mais impactados, de forma negativa, do que outros. O sector do retalho, a par do hoteleiro, foi seguramente dos mais afetados.

No caso do retalho, pudemos assistir a uma quebra acentuada das receitas, nomeadamente, nas áreas do lazer e restauração, seguidas pela moda e acessórios. Em contraciclo, áreas como o retalho alimentar, bricolagem, decoração e eletrónica de consumo tiveram, em alguns momentos de 2020, performances superiores às de 2019. Em termos de formatos, os retail parks e os outlets acabaram por não ser tão afetados como os centros comerciais. Todas as zonas de comércio que tinham sido desenvolvidas em função do crescimento acentuado que o turismo teve em Portugal registam, neste momento, sérias dificuldades pela ausência deste tipo de consumidor.  

No que se refere às rendas, não assistimos a uma diminuição significativa do valor nominal nas zonas prime, verificando-se uma maior predisposição dos proprietários para a concessão de incentivos, como sejam carências ou descontos nas rendas. Nas localizações secundárias ou terciárias, foi possível observar uma diminuição que, em alguns casos, chegou aos 20%. Nos conjuntos comerciais, assistimos a uma tendência similar, ou seja, não se registou uma queda nas remunerações dos melhores centros, mas, sim, a atribuição de incentivos temporários, enquanto nos secundários ou terciários, as remunerações registam correções em baixa.

 

“Todas as zonas de comércio que tinham sido desenvolvidas em função do crescimento acentuado que o turismo teve em Portugal registam, neste momento, sérias dificuldades pela ausência deste tipo de consumidor”

 

 

GC – A quebra do consumo e a legislação de isenção de rendas foram fatores adicionais de incerteza e, como tal, refletiram-se no desempenho deste universo?

CR – As medidas de contingência para combater a pandemia implicaram o encerramento das lojas ou uma redução do seu horário de funcionamento, o que levou a uma quebra do consumo.

Por sua vez, as sucessivas alterações legislativas que foram produzidas, em particular para os conjuntos comerciais, tiveram uma influência decisiva para uma quebra acentuada nas vendas de alguns sectores de atividade e para um clima de instabilidade e de tensão na relação comercial proprietários-lojistas. As alterações legislativas, em particular no caso dos centros comerciais, levaram a enormes quebras de receita para os proprietários, que terão sido dos agentes do sector mais afetados pela situação.

 

GC – Os 50 mil metros quadrados transacionados, distribuídos por 160 operações, é um número que o deixa satisfeito? Apesar da pandemia, que balanço pode fazer do ano? Sem pandemia, 2020 tinha tudo para ser “o” ano nesta área de negócio?

CR – Os cerca de 55 mil metros quadrados transacionados não nos deixam totalmente satisfeitos, pois representam um decréscimo face a 2019 e ao resultado que esperávamos alcançar em 2020.

No entanto, em virtude do período atípico e excecional que vivemos, os resultados alcançados não deixam de ser notáveis, até porque traduzem um esforço de toda a equipa e uma capacidade de trabalho e de concretização assinaláveis. Sem pandemia, o ano de 2020 teria sido seguramente o melhor de sempre para a CBRE no sector do retalho.

 

GC – O crescimento forçoso do e-commerce levou à readaptação das lojas? O mercado imobiliário retalhista conseguiu-se adaptar a essa nova realidade?

CR – Todos os dados que temos e que os lojistas nos disponibilizam apontam para um crescimento do comércio eletrónico. No entanto, e como sabemos, a taxa de penetração do e-commerce situava-se à volta dos 5% em Portugal, o que, comparado com outros países europeus, nos colocava, a par de Espanha, no final da tabela europeia. Significa isto que muitos operadores não sentiram necessidade de mudar as suas lojas, mas aumentar e melhorar a sua operação neste formato, nomeadamente, em termos logísticos, onde os desafios foram enormes.

Em momentos de crise, como o que vivemos, é natural que as marcas procurem diminuir custos, aproveitando para racionalizar o seu portfólio de lojas, em particular, as marcas que, ao longo dos anos, e por diferentes razões, acabaram por ter uma rede de lojas sobredimensionada.   

 

“Em momentos de crise, como o que vivemos, é natural que as marcas procurem diminuir custos, aproveitando para racionalizar o seu portfólio de lojas, em particular, as marcas que, ao longo dos anos, e por diferentes razões, acabaram por ter uma rede de lojas sobredimensionada”

 

GC – A procura por armazéns, espaços que possam funcionar como “dark stores” de apoio às operações de e-commerce, aumentou em Portugal?

CR – Podemos afirmar que se iniciou um processo de procura de espaços para satisfazer esse tipo de necessidade, perante as dificuldades encontradas pelo sector logístico no que se refere ao que, normalmente, chamamos de “last-mile” e que tem um papel preponderante para o sucesso do e-commerce, quer em termos de satisfação do cliente, quer em termos financeiros. Algumas marcas já utilizam, muitas vezes, este conceito quando incentivam os clientes a recolher as encomendas online nas lojas físicas.

 

GC – Em termos de colocações de novos espaços de retalho, quais foram as mais significativas para a CBRE?

CR – No que diz respeito a conjuntos comerciais, destacam-se a abertura da Kiwoko, TGB, Neffos e Yoyoso no UBBO; Punt Roma e Xtreme no Nosso Shopping; FNAC no Torreshopping e Kicks no Alma Shopping; a abertura do Baja Fresh no Mar Shopping Algarve, do Espaço Casa no Matosinhos Retail Park, da Jysk no City Park de Leiria, da RP no Alverca Park, d’O Befit no InErmesinde e da Feira dos Sofás no Santarém Retail Park.

Já no que se refere ao comércio de rua, assinala-se a colocação da Plateform no Largo D. Luís, a abertura das lojas Xiaomi no Colombo e na Rua do Ouro, a colocação da Kinda Home na Avenida António Augusto Aguiar (junto ao El Corte Inglés), a abertura da GMS/Apple na Avenida dos Aliados/Praça da Liberdade, no Porto, e a colocação da primeira loja do novo conceito de restauração da Jerónimo Martins na Avenida José Malhoa.

 

GC – A incerteza vai continuar a condicionar o desempenho de unidades de negócio como, por exemplo, os centros comerciais?

CR – É expectável que sim, já que as restrições ao funcionamento das lojas, e em particular dos centros comerciais, condicionam a possibilidade de realizar vendas, o que penaliza as receitas e impacta negativamente toda a cadeia de negócio, condicionando o desempenho deste formato de retalho. Importar referir que a pandemia afeta transversalmente todos os formatos de retalho, mas os centros comerciais são um dos que tem registado mais dificuldades.

 

GC – O que pode reservar 2021 neste âmbito? Dentro da sua experiência, acredita que o imobiliário de retalho vai recuperar os índices de crescimento que vinha a apresentar?

CR – O ano de 2021 trará ainda muitos desafios, como podemos observar pelo momento atual. No entanto, e se o calendário de vacinação for cumprido, poderemos esperar melhorias no segundo semestre do ano, com particular evidência no último trimestre, o que não significa que seja possível recuperar os índices de crescimento de 2019. Será, sim, o início de um processo de recuperação que se tornará mais consistente e expressivo em 2022.

 

“Se o calendário de vacinação for cumprido, poderemos esperar melhorias no segundo semestre do ano, com particular evidência no último trimestre, o que não significa que seja possível recuperar os índices de crescimento de 2019. Será, sim, o início de um processo de recuperação que se tornará mais consistente e expressivo em 2022”

 

GC – Com o regresso à “normalidade”, a expectativa do shopper por uma experiência de compra superior será ainda maior? As marcas terão que se superar a si mesmas para apresentar conceitos de loja ainda mais ambiciosos e envolventes?

CR – Mesmo antes da pandemia, o consumidor vinha a registar um comportamento cada vez mais exigente e crítico em relação às experiências proporcionadas pelas marcas. Este aspeto, aliado à velocidade com que a informação se propaga (a positiva e a negativa), leva as marcas a terem uma atenção redobrada nas estratégias de comunicação com os consumidores, procurando adotar mensagens e comportamentos que lhes permitam uma identificação, um reconhecimento e uma confiança junto dos consumidores, o que se traduz num “engagement” superior e, a partir daí, numa relação mais duradoura e fiel.

As lojas físicas têm um papel muito importante no estabelecimento desta relação, pela experiência que proporcionam aos clientes e, cada vez mais, como pontos de entrega e ou devolução de artigos adquiridos online.

 

GC – Iremos assistir a uma progressão crescente do e-commerce, paralelamente a uma experiência superior reforçada? No contexto presente e futuro, as lojas físicas continuam a ter espaço no imaginário consumista nacional?

CR – A experiência recente diz-nos que as restrições impulsionaram o e-commerce. No entanto, à medida que estas eram levantadas, as vendas online diminuíam, permanecendo em qualquer caso, e dependendo das atividades, cerca de dois a três pontos acima do registado em 2019.

Os operadores disseram-nos igualmente que, mesmo com o crescimento registado, as vendas online não deixam de ter ainda um peso reduzido no total das vendas, sendo em muitos casos equivalente às vendas registadas em uma ou duas lojas físicas.

Com todo este contexto, não temos dúvidas de que o e-commerce irá continuar a crescer, mas vamos ter sempre espaço para as lojas físicas, que continuarão a ter um papel preponderante na interação e experiência que proporcionam aos seus clientes.

 

“Não temos dúvidas de que o e-commerce irá continuar a crescer, mas vamos ter sempre espaço para as lojas físicas, que continuarão a ter um papel preponderante na interação e experiência que proporcionam aos seus clientes”

 

 

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