Não há capa de jornal, telejornal ou bloco informativo de rádio que não lhe dê grande destaque. Apelidam-no de coronavírus e a sua lista de vítimas vai muito além dos infetados e dos que já pereceram à sua mercê.
Enquanto se aguarda pelo verdadeiro impacto da propagação do vírus nas cadeias globais de fornecimento, nos lucros das empresas e na atividade económica global, as economias locais e algumas empresas já sentem os seus efeitos. A sua primeira vítima económica foi, provavelmente, a cerveja Corona, que apresentou perdas de 250 milhões de euros só no primeiro trimestre. Seguem-lhe toda a indústria do turismo – com cancelamentos de voos, alojamento e planos de viagens -, as muitas fábricas com produção suspensa e que levarão a falta de ingredientes e matérias para produção, cancelamentos de eventos empresariais, culturais e desportivos de relevante importância local e mundial, escolas, universidades, entre muitos outros. Mas não fica por aqui.
O coronavírus vem trazer, igualmente, desafios às organizações, quando estas mandam os seus funcionários trabalharem a partir de casa, ou quando alertam os seus acionistas que o surto afetará as suas finanças, tal como já aconteceu na Apple, Microsoft, United Airlines, Mastercard, Toyota, Danone e Diageo. Até mesmo a nível religioso vemos este impacto, com a necessidade de adaptação, como o foi na Arábia Saudita com a suspensão das peregrinações a Meca.
Cada vez que vivemos um flagelo, já o foi assim com o H1N1, vulgo Gripe A, é normal a mudança comportamental do consumo. É normal a reação das pessoas, é normal que se previnam, é normal que evitem determinados espaços e, por isso, acabam por criar desequilíbrios de consumo: vende-se menos alojamento, vende-se mais máscaras e gel desinfetante…
Mas será que essa mudança de comportamento tem impacto imediato na economia? Depende de quanto tempo dura e quão amplo é o contágio.
Teremos uma nova realidade de consumo depois do coronavírus? Sim, o coronavírus influenciará de várias formas o consumo, nomeadamente em termos de comportamentos do consumidor. Compraremos menos: o medo de um surto resulta numa opção por evitar atividades que podem expor-nos a risco de infeção, mas também nos obrigam a pensar o futuro e novamente o estigma da “crise económica”. É, por isso, normal que compremos menos, sobretudo quando isso implica contacto físico com outros. Por outro lado, abre-se uma janela de oportunidade para o comércio online, com menos risco de contacto, logo probabilidade de contaminação.
Creio que também ao nível da comunicação sofreremos alterações comportamentais: estamos mais alertas para os riscos da “contaminação” em sentido lato e, por isso, será normal que gradualmente se implementem novas formas de comunicação, distintos modos de convívio e em termos de saudação para com os outros. Mas também teremos aprendizagens em relação a questões dubitáveis para muitos e que o coronavírus, em poucas semanas, nos provou o óbvio: a primeira do ponto de vista ambiental – determinada redução de atividade económica, ou alteração de comportamentos, pode ter impacto real no meio ambiente e a prová-lo estão algumas imagens da redução da poluição em determinadas províncias do território chinês. A segunda, relativa ao equilíbrio da vida pessoal e profissional: a autonomia, forçada, que as empresas se viram obrigadas a dar aos seus funcionários, para prevenir riscos de propagação do vírus, poderá vir a provar, em função da manutenção ou aumento da sua produtividade, que afinal é possível viver no melhor de dois mundos. Mas só tempo o dirá.
É difícil falar em efeitos positivos do coronavírus quando há pessoas a morrer ou a ficar isoladas, mas creio que este surto condicionará a relação futura dos consumidores até mesmo com as próprias marcas. As nossas exigências serão maiores e mais assertivas. Iremos constatar exigências em termos de medidas de proteção relativo à prevenção de contactos, de doenças, iremos observar pedidos de garantias que salvaguardem direitos com a incapacidade de usufruir de produtos e serviços por razões alheias ao próprio consumidor, assistiremos a muitas outras exigências dos consumidores, porque o que um flagelo destes provoca é a capacidade do consumidor em pensar no que as empresas devem fazer para o servir. Por isso, diagnosticados ou não, já somos todos vítimas do coronavírus.