A rede global de analistas da Euromonitor Internationals identificou os temas relacionados com a Covid-19 que estão a transformar os mercados de consumo.
O modo como os consumidores trabalham, compram, comem, bebem e se entretêm irá ser modelado pela necessidade de gestão do risco. As mudanças no estado de espírito do consumidor e a recessão irão levar a uma redução do consumo de produtos não essenciais e a um movimento anti ostentação e, em contrapartida, ao foco no “eu”, na família e na saúde.
Saúde
Uma vez que a saúde e o bem-estar são agora a prioridade, a tendência para a prática de desporto em casa está para ficar. Não obstante os consumidores de todo o mundo estarem a regressar aos ginásios, muitos mantêm-se cautelosos e receosos, ao mesmo tempo que estes espaços estão a funcionar com base num número reduzido de clientes. Daí que nem todos pratiquem as suas atividades de modo presencial, o que está a impulsionar o chamado “home fitness”.
Olhando para o futuro, a Euromonitor indica que a ausência de uma vacina e a necessidade de se manter o distanciamento social irão levar a que esta situação não sofra grandes alterações no curto prazo. Mais importante ainda, muitos consumidores ajustaram-se a praticar desporto em casa e querem continuar a fazê-lo. A flexibilidade do “home fitness” permite mais facilmente incluir o exercício na rotina diária, pelo que o futuro destas práticas passará por uma abordagem mista, que equilibra a ida ao ginásio com o desporto em casa.
Como tal, mais praticantes irão alimentar o mercado do exercício digital. Já antes da Covid-19, os avanços na tecnologia vinham a permitir frequentar aulas online e eventos virtuais. Com a pandemia, os serviços associados com o treino no domicílio expandiram enormemente. Veja-se o caso da Lululemon, cujas vendas de roupa desportiva duplicaram desde março, e que adquiriu a Mirror, uma plataforma que oferece aulas virtuais, de modalidades que vão desde o boxe à meditação.
Outro bom exemplo é dado pela Apple, que lançou o Fitness Plus em setembro, como um serviço de subscrição de aulas virtuais. Construído originalmente para o Apple Watch, o serviço também integra com o iPhone, iPad e Apple TV e tem um custo de 9,99 euros.
Bem-estar
A Covid-19 também destacou a busca, por parte do consumidor, de um bem-estar. Cada vez mais pessoas tomam medidas preventivas, adotam estilos de vida saudáveis e procuram produtos e serviços que suportem o seu bem-estar mental.
Como tal, a casa está a tornar-se num hub de bem-estar, com a perpsetiva de crescimento de serviços de saúde e bem-estar à distância, mesmo depois da pandemia.
Com a saúde a dominar os pensamentos de todos, cada negócio, mesmo os que não se posicionam na indústria da saúde, terão de responder a esta busca, através da promoção da saúde pública e da aposta na segurança e higiene dos seus clientes e colaboradores. Como tal, a saúde deverá tornar-se num componente permanente do futuro desenvolvimento de produto.
No “novo normal”, o bem-estar será guiado pelos aspetos da imunidade e higienização. Como tal, irá assistir-se a um crescimento continuado das vendas de vitaminas e suplementos dietéticos que catalisam o sistema imunitário e o conceito da alimentação como medicina também irá expandir, com foco na ligação entre o bem-estar físico e mental.
Por outro lado, será cada vez mais importante ser-se transparente quanto aos ingredientes e a sua origem. A tendência dos ingredientes naturais tornar-se-á mais pronunciada, também nos produtos de beleza.
Além disso, a necessidade de segurança e higienização motivará que os desinfetantes continuem a crescer e que, enquanto o risco se mantiver, haja um impacto de curto prazo no packaging reutilizável e no vestuário em segunda mão.
Mercados emergentes
Apesar de cada região ter as suas próprias restrições no combate à Covid-19, que determinarão as tendências do “novo normal”, normalmente, os mercados emergentes seguem, com as devidas adaptações culturais, o percurso dos desenvolvidos. Aspetos como a aceleração digital serão mitigados em algumas regiões, devido à falta de acesso a equipamento digital e a um fiável fornecimento energético, mas outros, como o foco no natural, terão também o seu eco nos mercados emergentes, no âmbito desta cruzada pelo bem-estar.
Uma das áreas onde a Euromonitor antecipa um aumento da procura dos mercados emergentes, como resultado da pandemia, são os serviços financeiros digitais. Em muitos países em desenvolvimento, o numerário ainda é muito utilizado e, frequentemente, o único meio de pagamento, devido à prevalência do mercado informal no abastecimento de bens às populações. Mas a pandemia está a motivar estes operadores a aderir aos pagamentos digitais, devido ao risco acrescido de contrair o vírus pela manipulação do dinheiro.
Impacto económico
O impacto da Covid-19 nas tendências de consumo identificadas para 2020 levou, maioritariamente, a uma aceleração das mesmas. À medida que nos aproximamos do final do ano, e olhando para 2021, a Euromonitor indica que a deterioração da situação económica começará a ter um maior efeito no comportamento do consumidor, assim como um contínuo impacto nas preocupações de saúde e segurança relacionadas com o vírus.
Uma das maiores reações será a cautela quanto aos gastos. Os negócios terão de considerar a necessidade, por parte dos consumidores, de encontrar a melhor proposta de valor, que não assenta apenas no preço mais baixo, mas na relação qualidade preço e otimização de recursos.
Durante a pandemia, as poupanças dos consumidores foram impactadas de duas maneiras. Por um lado, houve uma necessidade de poupar por precaução, devido à incerteza quanto ao futuro dos rendimentos. Adicionalmente, o encerramento de vários negócios e o confinamento, como medidas para conter a pandemia, refreou os gastos, levando a uma poupança involuntária. Nos Estados Unidos, os dados citados pela Euromonitor indicam uma taxa de poupança de 33,7%, em abril, que recuou para 17,8%, em julho, mas que, mesmo assim, está acima dos 6% a 8% observados nos cinco anos prévios à pandemia.
Premium
Em 2020, a economia mundial deverá sofrer a maior recessão desde a Grande Recessão. Como observado em crises anteriores, como a crise financeira global de 2008-2009, a incerteza, o desemprego e o corte nos investimentos públicos e privados irão travar o aumento dos rendimentos de muitos consumidores.
Uma das tendências emergentes da última recessão global foi o recuo da classe média. Como resultado, houve um afastamento do consumo não essencial e aprofundou-se a busca por valor.
Depois da pandemia, este será também o foco, pelo que a premiumização será impulsionada pelo que o consumidor sinta que é mais necessário, seja benefícios adicionais de saúde e segurança, tratamentos e serviços de bem-estar acessíveis, etc. O “revenge spending” obsertvado em muitos mercados, como a China, será de curto prazo.
A Euromonitor sublinha que o aspeto principal a ter em consideração é que as prioridades mudaram para todos os consumidores: o foco não está em comprar mais, mas viver melhor.
Modo de vida
O teletrabalho já existia antes da pandemia, mas a Covid-19 catapultou-o, ajudada pela tecnologia. O futuro do trabalho será guiado pelo aumento no trabalho remoto, mesmo depois da pandemia, com muitas empresas a adotarem políticas flexíveis, combinado com o trabalho pontual no escritório, de modo a encorajar a colaboração e a criatividade.
A Euromonitor espera ainda um movimento crescente para fora das cidades, em linha com a recente descoberta de necessidade por mais espaço, após meses de isolamento e trabalho à distância. O elevado custo de vida nas zonas urbanas é outra razão para esta procura por opções mais acessíveis, catalisada pela crise de 2020 e pela incerteza económica de 2021.
Não significa isto que seja o fim da vida nas cidades, uma vez que, no entender da consultora, quando a vacina esteja amplamente disponível, estas reconquistarão a sua atratividade. A pandemia deverá afetar o modo como as cidades se irão desenvolver, com maior foco na saúde e higiene, com o reforço da desinfeção dos espaços públicos e a tecnologia “contactless” a ser a norma. A percentagem de população urbana deverá aumentar dos 56% de 2019 para 64%, em 2040.
Sustentabilidade
A pandemia resultou numa maior confiança nos produtos embalados, alicerçada nas preocupações quanto à saúde e segurança. Ao mesmo tempo, o confinamento levou muitos consumidores a optarem por embalagens maiores, de modo a irem menos vezes às compras. As iniciativas de sustentabilidade conheceram, assim, uma pausa, mas o compromisso é generalizado e mantém-se.
O plástico continuará a ser o mais adequado para muitos produtos, são só por razões sanitárias, pelo que o foco, agora, está na reciclagem e nas taxas de recuperação. A inovação está a levar ao surgimento de variantes mais sustentáveis, assim como de alternativas, como o papel, presente na embalagem de cada vez mais produtos.