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Quando a tecnologia se alia à agricultura

No passado mês de agosto, a NEC Corporation, em parceria com a Kagome, anunciou o estabelecimento de campos de produção de tomate geridos com recurso a tecnologias de inteligência artificial e Internet das Coisas, em Vila Franca de Xira. Em novembro, foi a vez da Bosch anunciar mais uma solução de agricultura inteligente. A tecnologia parece estar, cada vez mais, integrada no sector primário dando um novo impulso à agricultura. O próprio documento de orientação para o futuro da PAC 2020 refere a tecnologia como uma das prioridades para um sector onde a inovação se evidencia como um exigente desafio, que necessita de um cruzamento dos aspetos tradicionais com os tempos atuais.

Inovar é cada vez mais premente para o sector agrícola. Contudo, na maioria das vezes, esta inovação só possível quando empresas, de diferentes sectores, e academias estão de mãos dadas e transformam o conhecimento em produtos vendáveis, que vão ao encontro das expectativas do consumidor. Um exemplo disso é o projeto River Rice Sugar que adapta técnicas ancestrais japonesas à produção de leguminosas tradicionais portuguesas. “Um processo que acaba por criar produtos novos e valor às cadeias que poderão ter ficado saturadas ao longo do tempo”, explica Anabela Raymundo, docente do Instituto Superior de Agronomia e representante do projeto River Rice Sugar.

Numa época em que a tecnologia está cada vez mais presente nos diversos atos do quotidiano, a agricultura não ficou à margem do fenómeno. Na última edição das MBIA Talks, uma iniciativa promovida pela McDonald’s, o agricultor João Coimbra defendeu que “a inovação é uma necessidade para sobreviver nos mercados” e “um meio para atingir uma agricultura mais sustentável, sobretudo ao nível económico e ambiental”. Por isso, “a inovação passa por aumentar rentabilidade, produzir mais com menos e garantir qualidade e acessibilidade aos alimentos. Isto sem esquecer que, atualmente, é possível trocar informação com todo o mundo”.

Foi com esta premissa base que a NEC Corporation, uma multinacional japonesa de tecnologias de informação, e a Kagome, fabricante e distribuidor japonês de sumos e compotas à base de tomate, criaram em Vila Franca de Xira campos de produção de tomate geridos com recurso a tecnologias de inteligência artificial e Internet das Coisas. Com a convicção de que o tomate português é o melhor do mundo, devido ao clima e às características do solo, a Kagome acredita que Portugal é o país indicado para aplicar esta solução tecnológica que resulta de uma colaboração de três anos entre as duas empresas e que vem impulsionar a produção agrícola, tanto em termos quantitativos, como qualitativos.

Em termos práticos, os campos de tomate serão cultivados com base em recomendações produzidas por simulações efetuadas com recurso a inteligência artificial. A NEC CropScope cria campos virtuais através de dados meteorológicos, de solo e de vegetação, obtidos através de sensores e, também, de dados relativos às atividades de campo efetuadas pelo produtor, como níveis de irrigação ou utilização de fertilizantes. Através destas simulações, são fornecidas informações personalizadas sobre o cultivo do campo, como a quantidade de água ou de azoto a ser aplicada, a previsão de produção final e até mesmo a data mais indicada para realizar a colheita.

Através do uso de inteligência artificial, a NEC tem como objetivo não só otimizar a produção agrícola e os recursos utilizados na mesma, como conseguir uma agricultura mais amiga do ambiente. A preocupação com o ambiente é de tal forma grande que, em 2018, a NEC irá comercializar esta solução a outros produtores de tomate em Portugal e noutros países.

Smartphones nos campos
Os exemplos de aplicação das mais modernas tecnologias aos campos são mais que muitos e todos têm em comum o objetivo de proporcionar produções mais rentáveis, sustentáveis e amigas do ambiente. A alemã Bosch, por exemplo, mundialmente conhecida pelos seus produtos de eletrónica, automóvel e soluções tecnológicas, deu em 2017 um grande passo ao entrar na agricultura inteligente. As alterações climáticas, o aumento da população e a limitação de recursos naturais levaram a multinacional a apostar nesta área de negócio, procurando desenvolver tecnologias capazes de resolver problemas agrícolas.

Um dos principais problemas identificados prendia-se com o controlo das temperaturas na produção de frutas como o morango ou a framboesa. De forma a ajudar os agricultores, a Bosch criou uma nova tecnologia que, através de um sistema de sensores, monitoriza as condições das plantações e a aplicação que vem agregada ao sistema, permitindo que todo o controlo da plantação possa ser feito através do smartphone.

Criado pela Deepfield Robotics, uma startup pertencente à Bosch, o sistema do sensor mede a temperatura e a humidade do solo, informando o produtor se este estiver muito seco. O contrário também acontece. Isto significa que o agricultor é igualmente informado quando as plantas estão muito quentes, podendo ele próprio definir os valores limite a partir do qual dispara o alerta. Através dos registos de temperatura e humidade, os agricultores conseguem rastrear a informação e perceber se a plantação está a progredir sem problemas ou se existe o risco de mofo.

Esta não é, no entanto, a única solução apresentada pela Bosch. Outra das soluções é a BoniRob, uma plataforma robótica multiusos adaptável, que consegue examinar o solo a uma profundidade de 80 centímetros. Com as suas câmara e software, pode analisar e reconhecer as plantações de forma automática. Outra solução é o sistema Weeding. Esta proposta da Bosch é capaz de controlar, de forma completamente automatizada, as ervas daninhas. Assim, é possível o tratamento seletivo destas, com pouco herbicida ou mesmo sem nenhum. O Weeding reduz não só a carga de trabalho para os agricultores, como diminui a poluição e o impacto ambiental.

As soluções apresentadas pela NEC e pela Bosch são apenas dois exemplos do muito que se faz atualmente, a nível tecnológico, no sector agrícola. A Internet das Coisas está a transformar a agricultura a vários níveis, seja com tratores inteligentes, com a monitorização online ou através de smartphones dos campos de cultivo. Pequenas grandes ajudas capazes de reduzir o esforço físico e horas de trabalho para os agricultores, ao mesmo tempo que diminuem os custos e o impacto no meio ambiente. Analisar dados, incorporar sensores para aumentar o rendimento por hectare, otimizar processos, melhorar a qualidade do produto final, economizar tempo, bem como prever potenciais falhas nas máquinas e até mesmo controlar pragas são apenas algumas das vantagens oferecidas pela aplicação da tecnologia à agricultura.

Tratores inteligentes e drones
Um estudo da consultora Gartner indica que o ano de 2017 terminou com cerca de 8,4 mil milhões de dispositivos conectados em todo o mundo, um crescimento de 31% face ao anterior. Um importante passo para o desenvolvimento e inovação do sector agroalimentar, a agricultura inteligente terá certamente ainda muito por explorar no futuro.

Para já, existem alguns exemplos concretos que merecem relevância, como os tratores inteligentes. Esta nova geração de tratores substitui a cabine do condutor por um complexo sistema autónomo que incorpora câmaras, radares, sistemas GPS e sensores que detetam obstáculos e fazem com que o veículo mude de direção de forma a evitar choques. Para o agricultor fica a tarefa de programar o trator através de uma aplicação, podendo operar mais do que um trator em simultâneo.

Outro exemplo são os drones. Já utilizados ao nível logístico para fazer entregas de encomendas a curtas distâncias, podem também ser também um aliado de peso no sector agrícola. A consultora IDTechEX calcula que, atualmente, a utilização de drones na agricultura já movimente 2,6 milhões de euros, valor que deverá triplicar em 2022. Os especialistas concordam sobre o objetivo de reduzir em 10% os custos de produção na agricultura através do uso destas pequenas aeronaves, fornecendo as informações necessárias para que as culturas recebam, a qualquer momento, o que precisam. José Javier Santiago, membro da Companhia Nacional de Peritos Agrícolas espanhola, acredita que o futuro da agricultura está intimamente ligado aos drones, de modo que, em quatro ou cinco anos, cada cooperativa agrícola poderá ter um drone que irá fornecer todos os dados sobre as suas explorações.

Os agricultores podem utilizá-los para monitorizar, em tempo real, o estado das suas culturas ou, como aconteceu recentemente na Polónia, para impulsionar a polinização global, devido à redução das colónias de abelhas. O drone recolhe informação detalhada para determinar a saúde das culturas, captura dados múltiplos num único voo e reduz os custos obtendo informação em tempo real, de forma a detetar as necessidades agrícolas. Este tipo de pequena aeronave não tripulada pode voar sobre áreas difíceis de alcançar e converter imagens multiespectrais em mapas precisos. Com o drone, pode ser detetado o vigor da planta, deficiências nutricionais ou stress hídrico. No que se refere à pecuária e espécies de caça, permite gerir o número e a distribuição de gado e avaliar a qualidade do pasto e forragem. Também tem aplicações em campos de golfe e áreas verdes, como parques e jardins, incentivando o planeamento de sistemas de irrigação ideais ou analisando a quantidade de clorofila e otimizando o programa de fertilização.

Com a população mundial a crescer cada vez mais e os terrenos agrícolas a evoluírem no sentido contrário, de acordo as previsões da Organização das Nações Unidas para os Alimentos e Agricultura (FAO), os agricultores terão que gerar, de forma sustentável, mais 50% do que as colheitas atuais até 2050, de forma a conseguir alimentar a população global. Para que isto seja possível, o sector agrícola irá necessitar, mais que nunca, da inovação tecnológica. Propostas como as apresentadas pela NEC e pela Bosch vêm proporcionar esta aliança entre agricultura e tecnologia. No futuro, certamente, irão aparecer ainda mais iniciativas que se aguardam com grande expectativa.

Este artigo foi publicado na edição n.º 48 da Grande Consumo.

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