A Revista dos Negócios da Distribuição

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Clube do Grande Consumo

Armando Mateus, Chief Experience Officer da TouchPoint Consulting International

Não, este tema não tem nada a ver com as recentes eleições nos EUA, nem sequer com o Orçamento de Estado que se encontra em discussão, tem sim a ver com a forma como o mundo corporativo encara hoje em dia a suposta CSR, a Responsabilidade Social Corporativa.

É especialmente nesta altura do ano que as empresas adoram falar de quão socialmente responsáveis são, do bem que fazem ao mundo e de, acima de tudo, mostrar, tirar fotografias e publicar nas redes sociais.

À memória vem-me de imediato Milan Kundera e o seu mítico romance “A Insustentável Leveza do Ser”, uma visão sobre o destino de uma civilização que tem tanto de melancólico e conformado, como de amargo e revoltado. Tal como na obra do autor, o início do ano começa com o balanço do anterior, com a sede de querer melhorar e criar objetivos, escritos em papéis que vão ser guardados numa gaveta para, depois, serem avaliados no final deste ano, com vista a melhorar no seguinte.

Ou melhor, no caso das empresas e da responsabilidade social corporativa, estas ações e ideias vão sendo tiradas da gaveta quando é necessário escrever o relatório de contas anual, os relatórios de CSR ou quando o Natal se aproxima e todos decidem fazer acão social ao mesmo tempo, sobrecarregando as IPSS e ONG de tal forma que há gente a mais a atrapalhar-se. Todos querem pintar paredes, dar comida, visitar lares e creches em apenas um mês, deixando ao abandono 11 meses do ano, esquecendo a famosa frase de que “o Natal é quando o Homem quiser”.

O peso da repetição e da ideia do eterno retorno de Nietzsche aponta para “um dia tudo o que vivem há de se repetir ainda uma e outra vez, até ao infinito”, sempre da mesma forma, fazendo sempre o mesmo, sem qualquer sentimento ou empenho que vá além de uma leveza extemporânea, de um momento e de uma fotografia tirada e publicada nas redes sociais. E, mais uma vez, tudo se repete e repete, ano após ano. Basta estar com atenção e olhar para as redes sociais das empresas e verificar como, nesta época do ano, aumentam os “posts” com fotografias de equipas a irem pintar e remodelar paredes ou salas, a destacaram que visitaram esta ou aquela aldeia, numa lógica mais de comunicação do que satisfação intrínseca pelo bem. E já sentiram, enquanto membros de uma empresa, que esta suposta responsabilidade corporativa é feita no vosso tempo, mas não é feita em vosso nome?

Ao longo dos tempos, o contágio tem-se estendido ao ponto de, numa total perversão, esta insustentável leveza chegar ao recrutamento, aos perfis curriculares e às universidades. Num misto de boa vontade, já não há percurso académico que não inclua OBRIGATORIAMENTE um conjunto de ações de responsabilidade, de “bootcamps” de recolha de lixo ou de idas para países pobres, numa lógica de eterna repetição que torna todos iguais e que se tem tornado mais um negócio do que uma verdadeira vontade de ajuda ao próximo. E todos se tornam iguais …

Vem-me à mente as palavras de uma pessoa que dizia que os voluntários são a pior coisa que pode existir para uma ONG, porque não estão totalmente comprometidos, nunca se sabe se aparecem ou não, porque podem ter de ir ao cinema ou dormir até mais tarde.

A Responsabilidade Social concorre a cada momento com a sua dicotómica irmã, a Irresponsabilidade Social, numa lógica de pares de contrários semelhantes a Milan Kundera: luz-sombra, espesso-fino, quente-frio, peso-leveza, bem-mal, altruísmo-egoísmo, indicando que, em cada dicotomia, existe um pólo negativo e outro positivo.

Por detrás desta lógica de repetição constante, e concentrada na necessidade de reconhecimento público, há (quero acreditar!) um verdadeiro sentimento de ajuda ao próximo, de um querer fazer bem sem qualquer necessidade de reconhecimento, uma satisfação pessoal e altruísta de quem o faz. E é exatamente esta leveza de fazer e ficar com o sorriso que se pode e deve sobrepor ao peso de uma obrigação para os outros verem, para mostrar, para fotografar ou para ser igual e não ficar para trás.

Será este o destino que queremos, onde o parecer se sobrepõe ao ser, num insustentável rumo ao vazio e a um precipício onde as ações se tomam pela imagem e não pela razão ? Pessoalmente, acredito que a sustentabilidade e a responsabilidade podem, e devem, andar de mãos dadas numa humilde e discreta dicotomia entre o peso e a leveza.

19 Novembro 2024
Armando Mateus, Chief Experience Officer da TouchPoint Consulting International
Armando Mateus
Chief Experience Officer da TouchPoint Consulting

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