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“O problema da incerteza é que leva as pessoas e as empresas a atrasarem decisões, o que pode afetar a atividade económica”

Foto Shutterstock

A inflação, as perturbações na cadeia de abastecimento e a incerteza estão a ordem do dia, mas o economista-chefe da Deloitte, Ira Kalish, vê alguns sinais positivos no horizonte. Num podcast publicado no site da consultora, Ira Kalish abordou alguns dos aspetos que poderão marcar o ano de 2022, numa altura em que ainda existe muita incerteza, nomeadamente devido à propagação da variante Ómicron.

Um problema de saúde pública que poderá gerar um problema económico, diz-nos o economista-chefe da Deloitte. “Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, onde assistimos este aumento acentuado das infeções por Ómicron, também vimos muitas pessoas não aparecerem para trabalhar, especialmente em indústrias críticas, como os cuidados de saúde e os transportes. Isto deve-se, em parte, ao medo do contágio, que é muito racional, e também porque um grande número de pessoas infetadas tem de ficar em quarentena. De modo que, no mínimo, poderá ter um impacto negativo significativo na atividade económica e ter um efeito disruptivo nas cadeias de abastecimento”, sublinha.

 

Procura

Ao mesmo tempo, já há indícios de que, de um modo geral, desde o final de dezembro de 2021, tem havido uma queda na mobilidade dos consumidores, o que poderá propiciar uma possível desaceleração no crescimento da procura, que tinha sido bastante forte antes deste episódio. Tão forte que veio agudizar os já significativos problemas ao nível das cadeias de abastecimento.

Em 2021, verificou-se um surpreendente grau de perturbação nas cadeias de abastecimento por duas ordens de razão. “Primeiro, registou-se um aumento maciço da procura de bens por parte dos consumidores. Mas, também muito importante, durante a pandemia, houve uma mudança dramática nas despesas com os serviços e com os bens. Quando as pessoas não podiam sair de casa e não podiam ou tinham medo de interagir socialmente, gastavam mais dinheiro em coisas para a casa, como televisões, eletrodomésticos, móveis ou equipamento de fitness. Ao mesmo tempo, a pandemia teve um efeito disruptivo no fornecimento. Na China, por exemplo, existe uma política de tolerância zero em relação ao vírus. Se uma pessoa numa fábrica está infetada, fecha a fábrica”, reflete Ira Kalish.

As mudanças nos padrões dos gastos dos consumidores levaram as empresas a ajustar as suas cadeias de abastecimento para satisfazer os padrões de procura. “Vimos perturbações no transporte. Vimos perturbações nos mercados das commodities. Foi uma espécie de tempestade perfeita de coisas más, com o aumento da procura e uma oferta limitada. O resultado final foi a disrupção da cadeia de abastecimento, o que, por sua vez, contribuiu para a inflação muito mais elevada que estamos agora a viver”, defende.

 

Inflação

No entender de Ira Kalish, estas disrupções deverão manter-se, embora existam já alguns indícios de que o cenário começa a melhorar. “Estamos a começar a ver um declínio nos gastos em bens, porque, no final do dia, há limite para o que se pode ter em casa. E, ao mesmo tempo, há algumas evidências e que as cadeias de abastecimento estão a começar a mover-se de forma mais eficiente. Vimos, por exemplo, em novembro, um aumento muito acentuado da produção industrial no Japão e na Coreia do Sul, incluindo um acréscimo significativo da produção de automóveis, que tinha sido perturbada pela escassez de semicondutores. Parece que isso pode estar a começar a mudar e, se assim for, talvez até ao final deste ano, ou no início de 2023, veremos uma normalização das cadeiras de abastecimento, o que, por sua vez, poderá ajudar a reduzir algumas das pressões inflacionistas”.

A expectativa do economista-chefe da Deloitte é que, em 2022, a inflação seja bastante elevada, pode já ter atingido ou estar perto de atingir o pico. Em 2021, assinalou-se um aumento muito dramático, que desencadeou o debate sobre se se tratava de um fenómeno temporário ou se estávamos no início de uma nova era de inflação mais elevada, a longo prazo. “A minha opinião é de seja temporário. Ao que parece, o principal fator que contribui para a inflação mais elevada foi esta disrupção da cadeia de abastecimento no mercado de mercadorias, o que se reflete no facto de serem os preços dos bens, em vez de serviços, a aumentar tanto”, defende Ira Kalish.

 

Problemas sistémicos

Os problemas da cadeia de abastecimento estão a começar a resolver-se, mas persistem alguns problemas sistémicos. Um deles é a excessiva dependência do mercado chinês. Hoje, começamos a ver as empresas a diversificar as suas cadeias de fornecimento, para se tornarem menos vulneráveis às perturbações que possam ocorrer num país.

Outro problema são os nossos portos — e a atual administração dos Estados Unidos da América tem procurado manter os principais portos a operar as 24 horas, em vez de apenas durante o dia. Temos, de facto, uma escassez de camionistas, que precedeu a pandemia, e que só se agravou. Não é claro como é que isso vai ser resolvido, porque os salários subiram bastante e, ainda assim, há falta de profissionais. Penso que, inicialmente, conseguiremos resolver parte dessa perturbação da cadeia de abastecimento, mas outra persistirá, especialmente no que diz respeito ao mercado de trabalho”, sustenta.

 

2022

Ainda existem muitas incertezas para 2022. Em termos económicos, o problema da incerteza é que leva as pessoas e as empresas a atrasarem algumas decisões, o que, de alguma forma, pode afetar a atividade económica. “Se as empresas não tiverem a certeza sobre a trajetória do vírus e o impacto que pode ter no comportamento dos consumidores, podem atrasar os investimentos ou cancelá-los, o que teria um impacto na economia global. Então, como é que gerimos esta incerteza? A melhor coisa a fazer é planear cenários. Basta descobrir quais são alguns cenários plausíveis e prováveis, e o que precisamos fazer para estarmos preparados para cada um desses cenários. Quais são alguns aspetos comuns que devemos equacionar relacionados com todos esses cenários? Mas, na verdade, no final do dia, a incerteza é um incómodo e não há muito que possamos fazer até sabermos um pouco mais sobre o que vai acontecer”, conclui.

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