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“O agroalimentar é aquilo que um turista mais experimenta em Portugal”

Portugal receberá, em 2017, 21 milhões de turistas. O que significa 21 milhões de consumidores adicionais, o dobro dos consumidores efetivos do país. A gastronomia sempre foi um produto turístico, mas, no entender de José Borralho, presidente da APTECE – Associação Portuguesa de Turismo de Culinária e Economia, a maior parte do sector agroalimentar ainda não despertou para a importância que o turismo pode ter na sua atividade. Ao dinamizar economias locais, na geração de mais emprego e na promoção do património português. Os ativos que o país possui são ricos e consistentes, falta fazer o que a indústria do vinho, e também agora a do azeite, tão bem têm vindo a fazer: assumir que, mais do produtos, vinho e azeite são experiências. Experiências que estes 21 milhões de consumidores, com disponibilidade de tempo e financeira, estão dispostos a pagar para poder usufruir.

Grande Consumo – O que mudou, nos últimos anos, no turismo português?
José Borralho –
O turismo, em Portugal, vem numa tendência crescente, desde 2005, tendo praticamente duplicado o volume de receitas. Portugal registou um crescimento médio anual superior ao dos concorrentes, sendo o segundo país com melhor desempenho na evolução das receitas turísticas, só atrás de Malta.
É óbvio que essa evolução trouxe também muitas alterações. Se no passado os turistas rumavam em massa ao Algarve, para aproveitar o sol e as praias, agora procuram novas regiões e novas ofertas. Portugal deixou de ser apenas o Algarve para ser também Lisboa, Porto, o Alentejo e o Centro.
A forma como usufruímos do lazer mudou nestes 15 anos e foi condicionada por diversos fatores. Um deles tem a ver com a saúde e, por isso, gozamos o sol e a praia em menores períodos. Outro tem a ver com o envelhecimento ativo e, como tal, temos mais viagens em família e idosos com mais tempo e dinheiro para viajar e com necessidades de ocupação diferentes, temos maior curiosidade pela cultura local e procuramos mais atrações relacionadas com esses interesses.
Isto potencia uma equação diferente do produto turístico e a sua adequação aos novos segmentos. Portugal já não é apenas um destino para sol e praia, golfe e religião. É um destino para história e gastronomia e começa a ter a procura de um público com poder de compra, que aprecia qualidade e experiência, mais que preço. Há uma maior valorização do destino Portugal e dos produtos portugueses e é altura para aproveitar esta onda de interesse e rentabilizá-la. Há um segmento cada vez maior, disposto a pagar mais pelo conforto e pelo que é diferente, e essa deve ser a orientação do país: oferecer mais qualidade por mais valor, posicionando-se no eixo qualidade/autenticidade.

GC – Que importância tem a gastronomia na dinamização do turismo e da economia nacionais? A gastronomia é um produto turístico?
JB –
A gastronomia sempre foi um produto turístico, apenas nunca se olhou para a mesma com a relevância que merecia. Só agora, que se fala de turismo gastronómico, é que olhamos para a nossa gastronomia como algo de interesse.
A gastronomia é, e sempre foi, um dos principais fatores para a satisfação final do turista na sua experiência com o destino, embora nos últimos anos assuma maior relevo e esteja hoje no Top 3 mundial, a par de exigências como a segurança. Comida e viagens são parte inevitável da existência humana, logo a experiência gastronómica pode ser uma atração acrescida para qualquer tipo de atividade turística e aparentemente atraente para uma ampla gama de clientes. “Comer fora” é uma das três principais atividades turísticas e quase 100% dos turistas “comem fora” durante as suas viagens. Além disso, todos têm que, pelo menos três vezes ao dia, sentar-se à mesa, independentemente do que vêm fazer a Portugal, e essa é a oportunidade para lhes “vendermos” a nossa gastronomia. A gastronomia é tão importante que hoje, na Organização Mundial de Turismo, há um grupo dedicado ao turismo gastronómico.
A gastronomia deixou de ser apenas uma necessidade para possuir uma importância cultural ou natural tão excecional que transcende as fronteiras nacionais e reveste-se de carácter inestimável para as gerações atuais e futuras. A função do alimento, enquanto produto final da motivação da viagem, torna-se uma realidade cada vez mais premente. O turista que procura cultura, património, praia ou compras é igualmente apreciador de atividades culinárias e experiências gastronómicas e quer, através desta gastronomia, conhecer mais do país.

GC – Como tem evoluído o turismo gastronómico em Portugal? Quanto da despesa de um turista é direcionada para a gastronomia?
JB –
Não há dados concretos sobre o quanto da despesa é direcionada para a gastronomia em geral, mas acreditamos que ande na média mundial de 23% a 30%.
Aliás, há poucos países onde se tenha um conhecimento exaustivo do turista gastronómico e do impacto. Desses poucos, Espanha é um bom exemplo, onde se sabe que 9,5 milhões de turistas a visitam focados na gastronomia e isso representa um negócio na ordem dos cinco mil milhões de euros. No Reino Unido, o turismo de culinária é estimado em quase oito biliões de libras por ano.
O turista com motivação gastronómica gasta cerca de 30% mais que o turista normal e esse valor vai para experiências (visitas a produtores, “showcookings”, compra de produtos locais). Em Portugal, fez-se um bom trabalho com o enoturismo e desde que a APTECE começou a tocar neste tema, em 2013, que existe maior sensibilidade por parte dos agentes, com projetos interessantes e ofertas que vão dos “cooking hotels” às rotas especializadas, empresas de entretenimento ligadas à gastronomia, entre outros.

GC – Como é a gastronomia portuguesa classificada pelos turistas? Somos um país onde se come bem? Qual o nosso maior ativo a este respeito?
JB –
A APTECE levou a cabo um estudo, no ano passado, a nível nacional e focado no “check in” e “check out” nas várias regiões, para percebemos expectativas e satisfação com a gastronomia do destino, que é bastante revelador do nosso potencial. Nos aspetos ligados à gastronomia mais valorizados destacam-se a frescura dos ingredientes (59%), o sabor e gosto da comida (57%), o preço (41%) e o serviço prestado (40%).
De qualquer modo, a ideia da gastronomia não é o principal motivo de viagem, a escolha surge associada às férias (28%), ao clima (22%), a quererem visitar uma região (21%) e às praias (20%). Encontramos, todavia, 37% dos inquiridos que demonstram valorizarem a realização de atividades turísticas associadas à gastronomia, dando maior importância a atividades como visitar uma rota de vinhos, azeite ou peixe (37%), assistir à demonstração do chef durante a refeição (37%) e participar em “tours” gastronómicos ou visitar quintas e mercados agrícolas (33%).
Quando os questionámos, no fim das férias, destacam ter ficado mais satisfeitos em ver as paisagens e a cidade (92%), a experimentação da gastronomia (85%, num aumento de 2% face às expectativas iniciais), ir às praias (84%, num aumento de 8% face às expectativas iniciais) e visitar monumentos/museus (83%). A satisfação com as provas de vinho (59%) tem um aumento de 4% relativamente às expectativas iniciais. Ou seja, concluímos que, no fim das férias, há um aumento de 4% na apreciação sobre a imagem/ideia muito positiva/positiva da gastronomia portuguesa (92%), indicando, após terem contacto com a mesma, terem experimentado mais os peixes frescos (71%), bacalhau (64%), carnes (59%), doces/sobremesas (56%) e o vinho (57%). Encontramos 54% de promotores da nossa gastronomia, num aumento de 15% face às expectativas.

GC – Pensar em turismo gastronómico é pensar em mais do a mera frequência de restaurantes? Portugal está bem posicionado a este respeito?
JB –
Claramente. As atividades culinárias incluem festivais gastronómicos, visitas a mercados locais, atividades de pesca, escolas de culinária, visitas a agroturismos, vindimas, ações de degustação diversas e, claro, também os restaurantes.
Aqui, há que saber diferenciar o que apelidamos de turismo gastronómico, relacionado com a viajem feita para destinos onde a comida e as bebidas do local são atrativos suficientes para motivar a viagem, sem envolver necessariamente a experiência culinária, e o turismo culinário, relacionado com a experiência em torno das artes culinárias, não apenas no usufruto da refeição, mas na procura de uma experiência única e memorável, que perdure na mente do turista. É na conjugação dos dois que está o verdadeiro eixo de diferenciação.
O mercado abrange e implica toda a indústria alimentar, produtores primários ou secundários (transformadores), restaurantes, eventos gastronómicos, hotéis e outros serviços de turismo, “street food”, venda ambulante, mercados locais, “take away”, restaurantes típicos ou de luxo, aulas de culinária, demonstrações por chefs ou quaisquer atividades em que receitas e produtos estejam envolvidos e possam constituir experiências exclusivas e inesquecíveis ao viajar. Significa isto que há um público específico de pessoas que estão dispostas a viajar pelo mundo, a fim de provar e experimentar a autêntica cozinha internacional.
Contrariamente ao que muitos julgam, o turismo de culinária não é pretensioso ou exclusivo, nem propriedade ou destinado a um grupo de elites, nem poderia, porque a própria culinária é popular. Não é feito apenas em torno de restaurantes, comida, vinho ou receitas, abrange a produção, o território, a cultura e muitos outros aspetos. O turismo de culinária é mais que experiência agrícola, integra a produção, os valores e história em seu torno, mas devidamente transpostos para a prática culinária. Pensa primeiro na satisfação do turista e depois do produtor, indo ao encontro das suas expectativas.

Este tipo de turismo tem de ser sempre uma experiência única e memorável que perdure nas recordações do turista e o motive a partilhá-la. Neste aspeto, Portugal está muito bem posicionado, porque é um território relativamente confortável para viajar (em dimensão e infraestruturas) e possui uma diversidade de produtos, tradições e artes invulgar por quilómetro quadrado, o que potencia mais autenticidade, mais experiências e poderá ser um atrativo para fixar o turista mais tempo nas nossas regiões.

GC – O turismo gastronómico e a criação de experiências são determinantes para a diversificação das economias locais? De que modo?
JB –
Estamos a viver a chamada economia de experiências, queremos usufruir de tudo o que tem experiência. O turista de hoje desfruta com os cinco sentidos. Já não viaja, descobre. Já não visita, aprende, partilha mais e “estar no turismo” já não obriga a estruturas 100% turísticas, obriga à experiência.
Esta evolução é significativa do ponto de vista económico, sobretudo se pensarmos que os pratos regionais podem mover a economia com aumento de postos de trabalho, com a criação de novas oportunidades, com o desenvolvimento da produção típica local e até do mercado de entretenimento.
A oportunidade que o turismo de experiência gastronómica constitui para os nano e micro empresários do sector agroalimentar é exponencial e não se fica apenas pela venda direta de produto em feiras ou pequenos mercados. O envolvimento destes produtores, com genuinidade e autenticidade, abre portas a novas oportunidades de negócio, nomeadamente por desenvolvimento de parcerias ou criação de novos produtos ou modelos de distribuição, que derivam da experiência obtida pelo turista no contacto com artes culinárias e de produção ancestrais, vendidas em dinâmicas de entretenimento que, a médio prazo, podem refletir-se em vendas.
Este trabalho dos produtores com os restantes agentes do turismo pode aumentar a base potencial de clientes e gerar negócio, pois atua junto de um público que prescreve e partilha e ainda possibilita a criação de oportunidades para introduzir negócios, até à data, considerados marginais. Trata-se de um mercado de elevado potencial e recetivo a pagar pela qualidade usufruída.
Nunca é demais referir os exemplos da Toscânia ou de Provence e como fizeram do turismo de experiência gastronómica um caso de sucesso. Mas do que mais gosto é falar da empresa açoriana de chás Gorreana, que há 100 anos abriu portas aos turistas, sendo provavelmente a primeira no mundo a fazê-lo, e para quem esse mercado vale hoje 40% da faturação, levando a marca a todo o mundo, numa relação de proximidade com cada consumidor, que mais que isso é um fã, que conta e sabe como é feito um dos melhores chás do mundo.

GC – O que devem fazer os destinos que queiram vencer neste mercado?
JB –
O turismo de culinária é um produto diferente e potencialmente valioso para adicionar ao mix dos produtos turísticos já existentes num destino. É um turismo que está relacionado com um certo estilo de vida que inclui a experimentação, aprendendo diferentes culturas, a aquisição de conhecimento e compreensão das qualidades ou atributos relacionados com o consumo dos produtos, bem como especialidades culinárias produzidas na região.
Neste capítulo, e quando falamos de turismo de culinária, é obrigatória a referência à indústria do vinho, pelo exemplo. A indústria do vinho foi das primeiras a entender o turismo de culinária, quando compreendeu o vinho não meramente como um produto, mas também como uma experiência. O azeite seguiu-a. O reflexo disso está no facto de hoje existirem consumidores que pagam para usufruir da experiência da atividade.
Hoje, os promotores dos destinos devem fazer parcerias com chefs, restaurantes e organizadores de “food tours” e não apenas sugerir restaurantes, mesmo que o segmento do turismo de culinária proporcione oportunidades a todos: aos restaurantes luxuosos, às experiências rurais e, até mesmo, aos mercados de bairro. Cada empresário e agente no mercado só tem que encontrar a distinção que faz mais sentido no seu negócio e como promovê-la.
É essencial que exista um movimento de cooperação sectorial e intrarregional, na medida em que devem ser exploradas sinergias. Os destinos devem preocupar-se com a origem dos produtos, com o território, a espinha dorsal da oferta gastronómica, o elemento que difere a origem e a identidade local. Isso envolve os valores da paisagem, história, cultura, tradições, o campo, o mar, a cozinha tradicional local. Nesta área, a conversão de um território em paisagem culinária é um dos desafios de destinos turísticos. Devem envolver o património cultural, apostar sempre na qualidade, no reconhecimento de produtos locais, no desenvolvimento de uma oferta competitiva, no profissionalismo dos recursos humanos em toda a cadeia de valor, através da formação e reconversão profissional, da excelência no tratamento do consumidor, a fim de aumentar a satisfação do visitante e, claro, na comunicação.
O destino deve articular uma narrativa credível e autêntica do seu turismo de culinária. A experiência de viagem mudou e não se limita aos dias de viagem real. Começa muito antes, com a sua preparação (o turista inspira-se, reúne informações, compara, compra), e termina quando avalia e partilha as suas experiências através das redes sociais. No fim, trata-se de saber embrulhar as experiências culinárias com as várias ofertas: arte, história, família, desporto e, assim, vendê-las ao turista, fazendo-o participar nas mesmas e obter a plenitude da sua satisfação, conseguindo, igualmente, a plenitude da transmissão das mensagens alvo.

GC – Esta é uma experiência que não se esgota no momento da partida. Como se pode tirar proveito e capitalizar ao máximo a experiência de um turista mesmo depois de este ter deixado o país?
JB –
Esse o grande passo a dar e que outros países estão a fazer. A satisfação e memória de uma experiência deve ser perpetuada, mas tem que ser planeada. Uma experiência em Portugal deveria ser acompanhada da oportunidade para o turista procurar, no seu país de residência, produtos portugueses, restaurantes portugueses e continuar a fazer o trabalho de fidelização à marca Portugal e a sua promoção. Países como o Peru e o México estão a fazê-lo. A Tailândia iniciou um processo onde o Governo está a investir na indústria agroalimentar para que possa colocar produtos nos principais mercados de origem e está a apoiar a criação de uma rede de centenas de restaurantes que possam instalar-se nos principais mercados emissores, prolongando ou captando a experiência Thai.
Esta é uma visão estratégica integrada e que tem que ter um envolvimento político, porque está em causa a estratégia de um país.

GC – Que relação tem o sector agroalimentar e o turismo? Que outros produtos podemos potenciar para além do vinho?
JB –
O envolvimento é total. O agroalimentar é aquilo que um turista mais experimenta em Portugal, mas a maior parte do sector ainda está a “dormir” no que toca ao turismo.
Portugal receberá, em 2017, 21 milhões de turistas, 21 milhões de consumidores, o dobro dos consumidores efetivos do país… De que estamos à espera para lhes dar a conhecer as nossas frutas, legumes, carnes, peixes, pão? Quantas empresas não querem um mercado extra de 21 milhões de consumidores, ainda por cima com disponibilidade de tempo e financeira?
Recordo que a gigante Cadbury possui, há anos, a Cadbury World, onde proporciona experiência à volta do chocolate, como se fosse uma Disney do chocolate, e com isso está a envolver consumidores e a criar uma relação com a marca. A Whole Foods criou a Whole Journeys, onde proporciona viagens a vários produtores no mundo, dos quais vende produtos, mostrando o saber fazer e a qualidade por detrás de cada produto.
Portugal tem empresas que produzem jóias da gastronomia e não pode desperdiçar 21 milhões de consumidores. Além do vinho e do azeite, temos pães feitos com farinhas de todos os melhores cereais, temos um fumeiro de uma riqueza e variedade incomuns, temos os melhores peixes e mariscos do mundo, temos o bacalhau que, embora muitos digam que não é nosso, é sim, já que o bacalhau salgado seco é criação nossa. Temos algumas carnes genuínas, produtos hortícolas e frutas de excelência, temos os queijos e os enchidos, uma grande variedade de vinhos tintos, brancos, rosé e verdes, mas também do Porto, Pico, Moscatel e o vinho da Madeira, todos eles de excelência e reconhecidos mundialmente. Temos a Lourinhã, a terceira região demarcada de aguardentes vínicas da Europa, a par das regiões de Cognac e Armagnac. Temos o nosso doce mel e a doçaria conventual portuguesa, única no mundo. Temos as conservas, as ostras e outras iguarias, por vezes mais conhecidas lá fora que cá dentro. E depois temos as histórias únicas que dão a conhecer as heranças, as culturas culinárias e gastronómicas de cada região, necessárias para promover, preservar e defender identidades regionais, assentes na qualidade, autenticidade e genuinidade.

Leia o desenvolvimento na edição n.º 47 da Grande Consumo.

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