Marca branca: o paradoxo do contra-ciclo

A partir do segundo semestre do ano passado, e depois demais de três anos de contínuo e consistente retrocesso, as vendas dos produtosdas marcas de distribuidor (MDD) voltaram a terreno positivo e o seucrescimento nos últimos meses tem sido galopante.

Da mesma forma que parecia haver algum contrassenso no facto de as respetivas vendas quebrarem quando o país atravessava uma profunda recessão económica, também, numa primeira análise, não parece fácil justificar porque é que este ressurgimento se verifica agora, quando a situação financeira do país parece mais desafogada, quando a confiança dos consumidores subiu para níveis sem paralelo na última década ou quando muitas famílias viram o seu rendimento disponível aumentar.

Se perguntarmos a um qualquer shopper o que o leva a comprar um produto das chamadas marcas brancas, certamente perceberemos um razoável conjunto de argumentos… Há a qualidade. Pela via da avaliação: o produto é “razoável”, “cumpre”, “é quase tão bom” ou “não é pior” que os das primeiras marcas. Mas também pela da presunção: é “igual” ao de uma marca líder ou “é sempre produzido nas mesmas fábricas” que as marcas líder. Há também a disponibilidade (“fui comprar isto e o único produto que estava na prateleira era de marca branca”) ou a visibilidade (“ia comprar uma garrafa daquilo, mas não encontrei a marca que queria e acabei por levar da marca do supermercado”).

Mas, verdadeiramente, o critério essencial para o “shopper” é o preço. E para ele há uma verdade: o produto MDD é o mais barato, mesmo que o teste da prateleira possa, uma ou outra vez, contradizer essa verdade. E esse critério será tão mais atrativo quanto o diferencial de preços entre o produto de marca branca e o de marca de fabricante for mais substancial.

E se o preço é o argumento fundamental, e se ele é consistentemente mais barato para a marca branca, não seria descabido pensar que, nos períodos de maiores dificuldades financeiras para o consumidor, os produtos MDD seriam o seu refúgio primeiro e que tendencialmente a sua quota de mercado incrementaria. Ou que, ao invés, quando se verificasse alguma descompressão ou aumento no rendimento disponível das famílias, então verificar-se-ia o regresso à compra das marcas preferidas e a quota dos produtos MDD quebraria.

No entanto, nos últimos anos, a realidade dos factos encarregou-se de desmentir estes pressupostos… Em 2012, e de acordo com os dados da Nielsen, as vendas de MDD representavam 37% das vendas totais (em valor) no retalho alimentar em Portugal. Daí em diante, e correspondendo com o período mais forte da crise económica que o país atravessou, essa quota desceu ano após ano à razão de 1% ao ano, atingindo os 33,2% no final de 2016.

Contudo, a partir de meados de 2016, a evolução das vendas de MDD voltou a terreno positivo e, desde o último trimestre do ano transato, o crescimento das chamadas marcas brancas tem sido substancialmente mais rápido que o das marcas de fabricante.

Há cerca de dois anos, a justificar a quebra das vendas da MDD que então se verificava, escrevia que “o próprio crescimento das vendas das MDD nos anos anteriores, por ser muito elevado”, ameaçava “a subsidiação cruzada entre marcas da distribuição e marcas de fabricantes”. Referia também que, “num cenário de multiplicação de promoções cada vez mais amplas e com percentagens de desconto mais significativas e ponderados custos e impactos, os retalhistas terão preferido realizar as ações com marcas mais apelativas para os consumidores e obter, por esse facto, um forte suporte financeiro através das contrapartidas obtidas junto dos fornecedores”. E adicionava ainda que, “com a multiplicação das promoções, recorrentes e substanciais, os consumidores são confrontados com a redução do diferencial de preços entre as suas marcas favoritas e as marcas do distribuidor”, tornando a relação qualidade/preço das marcas de fabricante mais atrativa.

No final desse mesmo artigo, prognosticava que a “contração da quota de mercado da MDD” decorria, naquele momento, “muito mais de uma estratégia, diferente no percurso, mas idêntica no desfecho, de um conjunto significativo de operadores da moderna distribuição, do que da efetiva capacidade de conquista dos fabricantes e dos detentores das marcas ou de uma mudança significativa das preferências dos consumidores”. E terminava o texto referindo que estava “também nas mãos desses mesmos distribuidores a continuidade [ou não] desta tendência nos próximos anos. A sua decisão levará em conta, por certo, argumentos como os da rentabilidade global da operação, o papel das MDD na fidelização dos consumidores ou os seus próprios modelos de comunicação”.

E, com uma ou outra nuance, é isto que se tem verificado. Os distribuidores de há quase um ano a esta parte modificaram a sua estratégia e voltaram a dar à marca de distribuição a relevância e a prioridade que teve já em momentos anteriores.

Apesar do fenómeno promocional estar longe de estar ultrapassado ou de se observar sequer a sua desaceleração, na verdade ele deixou de ser a ferramenta única de atração de novos consumidores e o argumento exclusivo da estratégia de comunicação dos distribuidores. Mas focando ainda nas promoções, é muito notória a presença, cada vez mais forte, de produtos de marca de distribuidores nas ações de comunicação, nas animações de loja e nos folhetos das diversas insígnias.

Por outro lado, há categorias de produtos onde até aqui a marca de distribuidor não tinha conseguido afirmar-se, muito especialmente por se considerarem áreas de especialista. Nestas, um trabalho muito importante ao nível de portfólio, de qualidade, de comunicação e de reputação, assentes em marcas criadas especificamente para esse efeito, têm permitido à MDD conquistar importantes posições. Puericultura, cosmética ou alimentação gourmet são bons exemplos desta progressão.

Acresce que, num mercado maduro e sofisticado, com uma população em regressão, com uma densidade de espaços comerciais bastante elevada e com um poder de compra com altos e baixos, mas em que não é expectável uma evolução muito ampla, todos os argumentos são relevantes na competição entre retalhistas.

Neste prisma, há, sem dúvida, uma batalha feroz pela liderança na qualidade, no preço e na perceção entre as marcas de distribuidor dos diferentes operadores. Não esquecendo, claro, a antecipação da entrada de um novo e forte concorrente – a Mercadona – cuja estratégia no seu mercado de origem assenta, em larga medida, no poder das suas marcas próprias.

Para os fabricantes, estes são – sem dúvida – sinais preocupantes. Esta estratégia de recuperação de vendas das MDD para reconquistar o consumidor resulta, invariavelmente, em mais espaço de prateleira para aqueles produtos, em menos marcas colocadas à escolha do “shopper”, em maiores dificuldades de acesso de novos produtos e novas marcas, em ampliações artificiais dos diferenciais de preços entre uns produtos e os outros.

E se a consequência prática é incrementar, ainda mais, a pressão sobre a oferta e o poder negocial, com as consequentes solicitações aos fornecedores, é sempre bom recordar que as MDF são sujeitas a todo um conjunto de exigências financeiras e promocionais para acesso e permanência na prateleira, exigências que não incidem sobre as MDD. E que às MDF são aplicadas, regra geral, margens de comercialização muito mais elevadas do que às Marcas da Distribuição, permitindo a subsidiação cruzada destas últimas e obstando a que esta aposta nas suas próprias marcas não penalize demasiado as suas performances financeiras.

É, pois, fácil de adivinhar que as tensões no mercado terão tendência a agravar-se ao mesmo ritmo que aumenta a quota global de vendas das marcas dos distribuidores. Mais ainda se, agora ou mais adiante, o mercado der sinais de abrandamento… E nestas alturas mais se compreende a necessidade de uma fiscalização apertada e de uma monitorização reforçada ao funcionamento do mercado!

Pedro Pimentel, diretor geral da Centromarca

Este artigo foi publicado na edição 45 da Grande Consumo.

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