Gerir os paradoxos da internacionalização

Percebo a sua questão. Mas, se tiver que lhe dar uma resposta, seria ambos. Queremos crescimento e rentabilidade”, foi a resposta que recebi de um cliente quando o questionei sobre a prioridade da sua empresa no país para onde íamos desenhar o respetivo route-to-market. O que me soou, na altura, a falta de vontade em fazer escolhas, parece-me hoje ilustrativo de uma das principais funções de um gestor: gerir paradoxos.

O desafio que se colocava ao meu interlocutor, comum a quem lidera um processo de internacionalização, é o seguinte: como obter crescimento sustentado em mercados externos sem ter de incorrer nos custos associados a uma operação local? Como ser simultaneamente relevante para o consumidor final nesses mercados e atrativo para os parceiros locais de distribuição?

Uma opção seria focar-se apenas nas necessidades do canal, produzindo em grande escala segundo a especificação de preço, marca, embalagem e mix de produto dos seus clientes distribuidores. Esta postura “pragmática” é a esperada de uma empresa de contract manufacturing, maioritariamente focada em eficiência industrial e inovação incremental de produto, habitual fornecedora da marca própria de cadeias de distribuição.

No outro extremo ficaria o “especialista”, obcecado por entender o comportamento do consumidor na compra e consumo das suas categorias com vista a continuamente criar e servir novas necessidades, cada vez mais segmentadas e que não possam ser facilmente replicadas pela concorrência.

Eu diria que, algures, entre estes dois extremos, se pretende posicionar a maioria das empresas portuguesas. A questão que a estas se coloca é então: como atrair parceiros de distribuição atuando sobre o consumidor final e como aumentar a relevância para o consumidor final atuando sobre os parceiros de distribuição?

Ambas as empresas líderes na distribuição alimentar em Portugal – Sonae MC e Jerónimo Martins – definem hoje como uma das suas prioridades de atuação (e investimento) a venda grossista para mercados externos, procurando aí captar o crescimento que lhes escasseia em Portugal. Por outro lado, cadeias internacionais com presença local – como o Lidl, Auchan ou El Corte Inglés – também vêm aumentando o volume comprado em Portugal destinado a outros países. No processo, todos vêm desafiando os seus fornecedores a abraçar o seu lado mais “pragmático” e focar-se no fornecimento de grandes quantidades de artigos orientados para as necessidades específicas do canal de distribuição.

As empresas que o fizerem, sem primeiro entender e servir o consumidor nos mercados de destino, não estarão a ser bons parceiros. A sua atratividade para o distribuidor será tanto maior e mais sustentável quanto maior a capacidade para adaptar a sua oferta e comunicação aos gostos, hábitos e preferências do consumidor local.

Da mesma forma, a expansão geográfica das empresas de distribuição presentes em Portugal é uma excelente oportunidade para identificar, atrair e fidelizar consumidores em mercados externos. Distribuir através de grandes cadeias permite maior estabilidade de fornecimento, coerência de posicionamento e capilaridade de distribuição, todos atributos essenciais para manter uma presença relevante e sustentada em mercados onde não existe uma presença direta.

O último ponto a considerar é a necessidade de gerir de forma equilibrada o portfólio de clientes e parceiros. Até que ponto recorrer às empresas acima, ou outras, como rota de acesso a mercados externos permite manter um nível de concentração saudável das vendas? A dependência excessiva de um cliente não favorece nenhuma das partes: ao produtor retira alternativas e poder negocial, ao distribuidor o acesso ao conhecimento especializado que só um produtor com “mundo” pode desenvolver.

Pedro Miguel Silva, Associate Partner da Deloitte.

Este artigo foi publicado na edição 44 da Grande Consumo.

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