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“Era bom que fosse Natal todos os meses”

Em 1933, a Rua do Almada, no coração da cidade do Porto, via nascer uma das mais doces fábricas de Portugal. Do coração da Invicta, a Arcádia partiu à conquista do coração dos portugueses com os seus chocolates, amêndoas e, mais recentemente, pastelaria artesanal e gelados. João Bastos, neto do fundador e administrador da empresa, falou com a Grande Consumo sobre o novo conceito, o mercado de chocolates e o futuro da empresa. 

É uma das mais icónicas marcas nacionais. Com 84 anos de existência, a Arcádia já enfrentou e sobreviveu a várias crises económicas. Especialista em chocolate artesanal, mas não só, a marca está agora num período de expansão e de mudança, apostando num novo conceito de loja e também numa nova oferta, os gelados. A somar a isto, a Arcádia deslocalizou a sua fábrica para Grijó e vai, no próximo ano, inaugurar uma loja-museu na rua que a viu nascer.

Se a antiguidade é um posto, a marca parece não se dar por satisfeita e continua a reinventar-se, ano após ano. A filosofia da empresa tem passado por aproveitar os momentos mais difíceis para encontrar oportunidades de negócio. Para João Bastos, neto do fundador e administrador da Arcádia, esta é uma das chaves do negócio. “Quando existe uma ameaça, existe sempre uma oportunidade. Partilhamos essa máxima e procuramos estar sempre na crista da onda. De facto, o país passou por uma crise muito complicada e também tivemos que nos adaptar a essa crise. Nessa altura, optámos por lojas exclusivamente de chocolates e amêndoas, com um investimento menor. Foi o método que encontrámos para continuar a nossa expansão. Neste momento, o país vive, felizmente, uma situação melhor e estamos numa nova vaga de expansão com um novo conceito, mais alargado”, explica.

Expansão
Com 2017 a terminar, a Arcádia não podia ter encerrado o ano de melhor forma. Às quatro novas lojas – Parque das Nações, MarShopping Algarve, Mercado Beira-Rio e Mercado do Bom Sucesso – junta-se ainda a descentralização da fábrica da Rua do Almada para Grijó e a aposta num novo segmento, os gelados. Apesar do número de lojas ser mais reduzido que no ano anterior, a faturação da empresa não está, antes pelo contrário, a ser afetada. “Apesar de termos menos lojas, estamos com um crescimento de vendas de 5%, o que é excelente dada a situação. Com as quatro novas aberturas, e consoante o comportamento destas agora no Natal, acredito que possamos crescer a mais de dois dígitos. As nossas expectativas são de terminar o ano com um crescimento na ordem dos 15% a 20%”.

Com a nova vaga de expansão ainda a ser muito recente para resultados palpáveis, o aumento da produção é, desde já, uma certeza. Se, atualmente, entre chocolates e amêndoas, a Arcádia produz entre 35 e 40 toneladas por ano, espera que esse valor possa crescer cerca de 15%. “Não somos uma empresa de grande produção. Temos uma componente manual muito significativa e, por isso, temos de ir expandindo a nossa capacidade produtiva pouco a pouco”. As diversas alterações implicaram algum investimento por parte da marca. “Temos duas empresas. A Arcádia, que tem a parte produtiva, e a Coffee Box, que tem as lojas, sendo que a Arcádia detém 75% da Coffee Box. Este ano, entre uma e outra, o investimento está na ordem dos 600 mil euros. É um valor significativo, mas temos confiança que o retorno será rápido e relevante. As primeiras impressões são, de facto, positivas e olhamos para o futuro com bastante confiança”, ressalva o administrador. Um valor de investimento considerável, considerando a dimensão da empresa, que inclui o novo conceito, as novas lojas e a reformulação da fábrica, que passa agora a ter também a produção de gelados.

Com lojas de rua e lojas inseridas em grandes centros comerciais, a Arcádia acredita que existe espaço no mercado para se enquadrar em cada um dos formatos. Se o ADN da marca está em lojas de rua, a verdade é que a presença em centros comerciais superou as expectativas e ganhou relevância nos últimos anos. Exemplo disso são os quiosques Arcádia Café. Anteriormente operados com a marca Coffee Box, os quatro quiosques sofreram, em 2016, um “rebranding”. Ao operarem com o novo conceito Arcádia Café, os quiosques passaram a incorporar os chocolates, a nova gama de pastelaria e a nova imagem da marca. O resultado não poderia ter sido mais positivo. “Começámos por reformular no CascaiShopping e no Campus São João, no Porto, e esses espaços praticamente duplicaram as vendas. Isso mostrou-nos a força do conceito e começámos a encarar os centros comerciais como um ponto importante de expansão”, explica João Bastos.

Oferta
O baixo consumo per capita de chocolate em Portugal é desanimador para o sector, com a carga fiscal a ser um dos principais influenciadores. Os portugueses ainda são dos europeus que menos chocolates consomem, o que não pode ser dissociado da taxação a 23%, o máximo, para este segmento de mercado. “Obviamente que a carga fiscal influencia, tem um peso muito significativo, pois coloca os preços a um nível que causa uma retração do consumo”, declara João Bastos.

Mas não só a carga fiscal influencia as vendas. Altamente concorrencial e muito dependente de sazonalidade, o mercado de chocolates é, por isso mesmo, muito especial. Com uma abordagem diferente, e mais direcionada para um nicho de mercado, a Arcádia gosta de se distanciar dos restantes “players” a operar em Portugal, apesar de, em certos locais, concorrer de forma direta com estes. “Temos um serviço ao cliente diferente, chocolates artesanais e, portanto, não podemos, nem queremos, comparar-nos com as grandes multinacionais que existem no mercado. Todavia, os nossos chocolates também estão nas grandes superfícies e aí estão as grandes marcas, o que faz com que também estejamos a concorrer um pouco com elas. Quando nos comparamos com o que poderia ser uma concorrência semelhante à nossa, estamos a falar, por exemplo, da Godiva, que lá fora tem as suas lojas próprias. Esse é o nosso tipo de concorrente. Naturalmente que existe alguma dificuldade em estabelecer uma comparação, até porque a Godiva não tem lojas em Portugal. Algo que nos deixa bastante orgulhosos é o facto de, no Aeroporto de Lisboa e do Porto, estarmos presentes, lado a lado, com grandes marcas internacionais. Em termos de quota de venda, estamos em número um nessas lojas. Ou seja, pelo menos quando jogamos em casa, vamos ganhando a grandes marcas e vendo a nossa qualidade reconhecida”, explica.

 Com o Natal a pesar cerca de 40% nas vendas de chocolates, a Arcádia procurou uma alternativa para combater a sazonalidade, apostando em algo mais fresco, os gelados. “Era bom que fosse Natal todos os meses. Como não é possível, pensámos num conceito que apelasse às vendas na época de verão. A resposta que encontrámos foi adicionar os gelados, que funcionam em contraciclo com os chocolates. Na Arcádia, acreditamos que qualquer produto nosso tem de ser de elevada qualidade e os nossos clientes também sabem que assim é. Quando pensámos em gelados, não poderiam ser uns quaisquer. Foi com muito cuidado que abordámos este novo conceito e que estabelecemos uma parceria com o mestre geladeiro Gianfausto Pellegrinetti, reconhecido internacionalmente e que nos desenvolveu as receitas”.

Os oito sabores de gelado vêm juntar-se às inúmeras referências da marca. Atualmente, entre amêndoas, chocolates, gelados e pastelaria de produção própria, a Arcádia reúne perto de 100 referências, procurando inovar a cada dia. Se os gelados e a pastelaria artesanal, da qual produzem 70% da totalidade da oferta em loja, são as referências mais recentes, alguns dos produtos são verdadeiras estrelas. As línguas de gato, os chocolates tradicionais e os bombons são dos produtos mais icónicos da Arcádia. “Agora, temos também, por exemplo, chocolates com vinho do Porto, que já são um ‘best-seller’ da empresa. Para além disso, elaborámos uma campanha que é o ‘Chocolate do Mês’, na qual todos os meses lançamos um novo sabor. Não podemos parar, temos sempre que estar a inovar. É a chave para nos mantermos”, explica João Bastos.

Também os consumidores são cada vez mais exigentes, especialmente em Lisboa. “No Porto, os clientes estão mais habituados, sabem um bocadinho melhor o que querem. Em Lisboa, perguntam sempre o que há de novo. Isso faz parte da experiência de compra, as pessoas gostam de oferecer um chocolate Arcádia que sabem que a outra pessoa ainda não provou”, acrescenta.

Futuro
Em 2018, a Arcádia prepara-se para apresentar uma grande novidade aos seus consumidores, a loja-museu. A Rua do Almada vai receber este museu, precisamente nas antigas onde todo o chocolate era produzido. Para João Bastos, esta é uma homenagem ao passado e à fundação da empresa. “Vamos mostrar como se faz o chocolate ou como se pintam as amêndoas. É um projeto onde depositamos muito esperança, uma homenagem ao local onde a Arcádia nasceu”.

Desde 1933 nas mãos da família, a Arcádia mantém-se, até aos dias de hoje, como uma empresa familiar. E é assim que João Bastos entende que continue no futuro. Por isso mesmo, é em entre risos que explica que têm de deixar algumas coisas por fazer para a próxima geração, nomeadamente a internacionalização da marca. “É algo em que pensamos, até porque cada vez mais estrangeiros têm contacto com a marca e o feedback é muito positivo. Acreditamos que um conceito como este pode funcionar em qualquer parte do mundo. Sem virar costas a oportunidades que possam surgir, penso que vai ser um trabalho para a quarta geração, temos de deixar alguma coisa para a nossa próxima geração fazer”.

Se a internacionalização poderá ficar para a quarta geração da família, nem por isso a terceira se contenta com o que já alcançou. A Arcádia quer continuar, este ano, a expansão e a aposta no novo conceito. “2017 foi um ano muito importante. Foi um ano em que desenvolvemos um conceito e um produto importantes para nós. Este conceito, com lojas maiores ou mais pequenas, é o que queremos desenvolver neste ano. Se este conceito vingar, uma vez que o mercado e os clientes são sempre os últimos juízes, iremos replicá-lo. O que é relativamente fácil, difícil foi fazer a primeira. O outro objetivo para 2018 passa por fazer da loja-museu um sucesso. É uma loja onde vamos mostrar as raízes da Arcádia, que vai ser muito especial e à qual vamos dedicar muito empenho”, remata.

Este artigo foi publicado na edição n.º 48 da Grande Consumo.

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