Se as exportações de milho ucraniano fossem completamente bloqueadas, Espanha perderia 49% das suas existências, Portugal 45% e a Itália 37%, levando a uma diminuição na produção de aves – carne e ovos – de, respetivamente, 15%, 28% e 23% e de porco de, respetivamente, 12%, 21% e 18%.
Estes são dados de um estudo realizado pela equipa de investigação austríaca Complexity Science Hub, que quantifica o impacto da guerra na Ucrânia no fornecimento de bens de primeira necessidade em todo o mundo e destaca os riscos envolvidos na globalização do mercado alimentar.
A pesquisa revela que as interrupções na cadeia de abastecimento de alimentos devido a choques locais, como o conflito Rússia-Ucrânia, têm efeitos diretos e indiretos que podem repercutir globalmente. O estudo concluiu que os efeitos indiretos excedem frequentemente os efeitos diretos, demonstrando a interligação e a vulnerabilidade do sistema de abastecimento alimentar mundial.
A equipa de investigação desenvolveu um modelo dinâmico de sistema alimentar global, incorporando dados de 192 países e territórios e abrangendo 125 produtos alimentares e agrícolas. “Este modelo permitiu-nos simular choques em produtos e países específicos, monitorizando de perto os efeitos subsequentes em toda a cadeia de abastecimento“, explica Moritz Laber, investigador do Complexity Science Hub.
Impactos
Ao quantificar a redução relativa na disponibilidade do produto em comparação com um cenário de base (sem o choque), os investigadores obtiveram informações sobre a magnitude desses choques e verificaram que os efeitos indiretos excediam frequentemente os efeitos diretos. Por exemplo, um choque na produção ucraniana de milho levou a um declínio de 13% na disponibilidade de carne de porco no sul da Europa. Em comparação, um choque na produção ucraniana de carne de porco teve um efeito negligenciável de menos de 1%.
Grande produtor de cereais, a Ucrânia exportou 14,3 milhões de toneladas de milho e 7,2 milhões de toneladas de trigo, entre janeiro e maio de 2023, segundo dados do Ministério da Agricultura ucraniano, pelo que a sua destruição ou bloqueio tem um impacto grande em países da Europa, Ásia e África. A destruição das culturas de milho afeta principalmente países como o Líbano, a Líbia, o Egito, a Síria, o sul da Europa (Espanha, Itália e Portugal) e os países bálticos (Letónia, Lituânia e Estónia). No caso do trigo, Egito e Jordânia são severamente afetados.
Numa simulação do pior cenário, em que a produção agrícola na Ucrânia foi completamente perdida devido ao conflito, o estudo revela diversos efeitos sobre produtos e regiões em todo o mundo. “A perda de cereais, especialmente o milho, chegou a 85%, enquanto os óleos alimentares, especialmente o de girassol, tiveram perdas até 89%. Além disso, certos tipos de carne, como a de aves, sofreram perdas até 25% em vários países”, diz Moritz Laber.
O número de produtos para os quais uma região depende da Ucrânia varia muito: o sul da Europa é a região mais afetada, com 19 dos 125 produtos com perdas superiores a 10%, seguida da Ásia Ocidental e do Norte de África, onde é o caso de 15 e 11 produtos, respetivamente.
Riscos
O relatório insta os legisladores e as partes interessadas a “identificar e evitar os riscos decorrentes de conflitos armados, alterações climáticas e tensões geopolíticas entre países, para evitar riscos decorrentes do colapso das cadeias globais de produção alimentar”.
O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas sublinha que “a guerra na Ucrânia teve consequências drásticas, tanto para as pessoas dentro do país como para o mundo que depende dos seus enormes fornecimentos de cereais“, e afirma no seu último relatório anual – “Crise Alimentar Global 2022” – que 345 milhões de pessoas em 92 países sofrem de escassez de alimentos.
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