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Ervideira: a prova de que vender valor compensa

Foi em 2008, com o despoletar da crise, que a Ervideira decidiu que se iria afirmar apenas pela qualidade dos seus vinhos. Uma viragem estratégica que implicou abdicar de muitos mercados que apenas exigiam preço ou que não apostavam na qualidade e na diferenciação. A verdade é que a estratégia adotada tem dado os seus frutos. Vinhos premiados nos mais prestigiados concursos internacionais, produções esgotadas, consumidores que são verdadeiros embaixadores deste produtor alentejano. A prova de que vender valor compensa, sobretudo numa época em que os vinhos portugueses enfrentam um panorama muito difícil, com margens esmagadas e preços inferiores aos de 1999.

A Ervideira regressou do Mundus Vini com quatro medalhas: duas de prata, uma de ouro e uma grande medalha de ouro. Naquele que é um dos mais prestigiados concursos internacionais de vinho, o destaque foi para o Conde D’Ervideira Reserva Branco 2016, que arrecadou ainda o título de Best of Show. Foi a primeira vez que um vinho branco português foi distinguido com o título de Melhor Vinho do Mundo. Distinções que foram acolhidas pela empresa do Alentejo com um enorme orgulho.

A verdade é que, desde 2008, com o despoletar da crise, a Ervideira decidiu que se iria afirmar apenas pela qualidade dos seus vinhos. “Este é mais um bom resultado desta estratégia que adotámos”, confirma Duarte Leal Costa, diretor executivo da Ervideira.

De facto, a empresa tem vindo a crescer em faturação (um milhão de euros nos primeiros seis meses), reduzindo o número de garrafas vendidas. Uma viragem estratégia que, em primeiro lugar, foi interiorizada pela empresa e só depois transposta para o mercado. E que obrigou a algumas concessões. “Não tivemos que abdicar de vinhos e marcas, mas tivemos que abdicar de muitos mercados que apenas exigiam o fator preço ou que não apostavam na qualidade e na diferenciação. O nosso foco está, sem qualquer dúvida, no canal Horeca, em garrafeiras premium e no consumidor particular, pois são quem nos aceita pela diferenciação. Com todo o respeito pelo canal alimentar, porque também eu sou consumidor, o nosso canal-foco é o Horeca”.

Num mercado cada vez mais competitivo, onde a qualidade se faz, muitas vezes, acompanhar de um preço médio-baixo, sustentar este tipo de estratégia implica todo um novo entendimento do negócio e foco. “Sabemos que produzimos vinhos para uma pequena percentagem de consumidores, entre 2 a 5%, mas estamos onde queremos e com o devido reconhecimento do nosso trabalho e da nossa estratégia”.

Margens
Até porque é difícil ter margem no universo dos vinhos. Em 1998, quando a nova geração retomou a produção de vinhos, uma vez que entre 1880 e 1973 a família já produzia vinhos na Ervideira, contavam-se menos de 50 produtores no Alentejo. Hoje, são cerca de 300, o que intensificou a concorrência e fez também com que os preços dos vinhos descessem substancialmente. “Posso mesmo afirmar que, em 2017, os vinhos estão mais baratos do que em 1999. Isso faz com que este seja um mercado com margens extremamente reduzidas e, talvez, em grande parte dos casos, com uma margem negativa”.

A empresa tem 160 hectares de vinhas próprias, o que é suficiente para produzir cerca de um milhão de garrafas por ano. No entanto, a estratégia tem sido a de reduzir substancialmente o número de garrafas, apostando, em contrapartida, fortemente na qualidade e diferenciação dos produtos. “Estamos agora a reestruturar muitas das nossas vinhas, numa forte aposta pela qualidade das castas, pois prevemos que, num futuro próximo, o mercado exija mais de nós”, afirma Duarte Leal Costa.

Exclusividade
Uma exigência que se reforça com a exclusividade de alguns dos vinhos deste produtor da região de Évora. A Ervideira tem vinhos verdadeiramente únicos como, por exemplo, o Conde D’Ervideira Reserva Branco, um vinho branco integralmente fermentado e estagiado em barricas de carvalho húngaro, que arrecadou a dita distinção no Mundus Vini. Ou ainda o Invisível, um vinho branco feito a partir de uvas tintas, cuja produção já esgotou. “Existem alguns vinhos ‘Blanc de Noirs’ (vinhos brancos feitos a partir de uvas tintas) pela Europa. No entanto, estes vinhos são normalmente ‘subprodutos’ de vinhos tintos e, por isso, não são tratados com o cuidado e respeito necessários. Entre 2007 e 2009, estivemos a estudar a fórmula para fazer um vinho destes, mas de qualidade premium. Tem sido o consumidor quem tem feito deste vinho um verdadeiro sucesso”.

Outro bom exemplo desta aposta na diferenciação é o Conde D’Ervideira Vinho da Água, que, embora seja o mesmo vinho que o Conde D’Ervideira Reserva, estagiou durante oito meses a 30 metros de profundidade, no grande lago de Alqueva. “Existe um bom número de referências a barcos que se afundam e que de lá saem grandes vinhos. A propósito destas histórias, pensámos em fazer um primeiro ensaio, colocando algumas garrafas a 30 metros de profundidade. Naquele primeiro teste, todas as rolhas entraram para dentro das garrafas e apercebemo-nos do forte efeito da pressão. Demos, então, início a um segundo teste, em que lacrámos as garrafas e os resultados foram esclarecedores, tendo saído vinhos com uma estrutura totalmente diferente. Foi então que, de imediato, demos início à colocação de 30 mil garrafas de Conde D’Ervideira Reserva 2014 debaixo de água. Essa colheita está totalmente vendida e estamos já a meio da comercialização da segunda. Ainda neste último trimestre de 2017 iremos colocar a terceira colheita dentro de água. O Conde D’Ervideira Vinho da Água é também um vinho votado ao sucesso pelos próprios consumidores”.

De facto, a inovação faz parte do ADN da empresa, que a assume como o seu “oxigénio”. Para muito breve, está previsto o Vinho da Água Branco, que é o Conde D’Ervideira Reserva branco premiado, mas com o estágio acrescido em profundidade, e na próxima primavera chegará o primeiro Espumante da Água. “Enfim, ideias não faltam e projetos não param! No fundo, para além de vinhos diferenciadores, importa referir ainda que o nosso enólogo, Nelson Rolo, faz um importante trabalho de fermentação e estágio dos nossos vinhos para que estes sejam muito gastronómicos, elegantes e sedutores”, salienta Duarte Leal Costa.

Vinhos cuja produção tem sido fácil de escoar e onde, em alguns casos, existe mesmo rutura de stocks, como no Invisível. “Hoje, os clientes já não olham para nós como mais um produtor de vinhos no mercado, mas sim como a Ervideira, uma empresa que passou a ser uma marca de referência e com vinhos de excelência”. Mas também uma empresa onde, não obstante o foco nos mercados internacionais, continua muito ligada à sua comunidade. 100% do capital continua a ser familiar, algo que muito os orgulha e que é um dos argumentos na sua promoção. “A ligação à comunidade é algo que recebemos dos nossos antepassados e destes princípios não abdicamos”, defende o diretor executivo da Ervideira.

Exportação
Nem mesmo quando se abordam outros mercados de consumo. “Costumo dizer que o consumidor português é dos melhores consumidores do mundo, pois sabe apreciar e valorizar a qualidade dos nossos vinhos. Neste sentido, Portugal acaba por absorver a maioria da nossa produção (60%), restando apenas 40% que são divididos por diversos mercados da Europa, bem como China, Brasil, Angola e mais alguns mercados”. Nesta abordagem, os principais desafios estão centrados mais na exportação do que na produção, nomeadamente em atingir mercados como os países nórdicos, Estados Unidos da América, Canadá e Moçambique, onde a presença da Ervideira é ainda inexpressiva.

Daí que os recentes reconhecimentos nos concursos internacionais sejam importantes para alicerçar esta atividade de exportação. Até porque, como analisa Duarte Leal Costa, o panorama vitivinícola nacional está “verdadeiramente muito difícil”. “Em Portugal produzimos vinhos muito bons, mas falta a componente comercial no sangue português, o que faz com que a competição seja pelo preço, colocando os nossos vinhos como os mais baratos da Europa e afetando a sustentabilidade das empresas”.

Cenário que a Ervideira quer ajudar a combater com o foco na premiumrização, numa distribuição muito seletiva, onde as “wine shops” são cruciais, e na divulgação do que de melhor Portugal tem para oferecer, através do seu próprio projeto de enoturismo. “As Ervideira Wine Shop têm sido para nós um sucesso, representando já 20% da nossa faturação e sendo, acima de tudo, verdadeiras embaixadas da nossa marca. Confesso que temos tido alguma falta de tempo para nos dedicarmos a mais aberturas, mas é algo que faz parte do nosso objetivo”.

Também o crescimento do sector do turismo, e de um modo particular do turismo gastronómico, pode ajudar na promoção do vinho português, designadamente através de projetos de enoturismo. “Temos no turismo a nossa janela aberta, pelo que aproveito para pedir aos nossos restaurantes a coragem de promover a qualidade e para não ‘queimarem’ os nossos vinhos com grandes margens. Estou certo do trabalho e caminho que temos feito na Ervideira, no sentido da inovação e diferenciação. Existe, contudo, muito trabalho pela frente, e por isso rumo ao futuro”.

Futuro mais imediato que passa pela meta de crescer 10% face a 2016, quando a empresa registou o melhor ano de sempre, com as receitas brutas a ultrapassarem os dois milhões de euros. “É um objetivo ambicioso, mas ainda o temos como luz no fundo túnel”, confirma Duarte Leal Costa.

Este artigo foi publicado na edição n.º 47 da Grande Consumo, já disponível online para consulta e a chegar, em breve, na sua versão em papel. 

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