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54% do valor de cada garrafa de bebidas espirituosas são impostos

A indústria das bebidas espirituosas apresenta um valor global direto próximo dos 700 milhões de euros, tendo sido responsável por vendas no valor de 389 milhões de euros no canal On Trade e de 281 milhões de euros no canal Off Trade durante o exercício de 2016. Neste sector, é visível a vontade de uma nova geração de empresários em reinventar marcas e produtos tradicionais, em inovar e em reforçar as suas exportações, movimento que faz acreditar que há margem para um maior investimento e para a geração de riqueza. Contudo, o sector debate-se com o incremental aumento da carga fiscal, que encara como destruidor de valor e um elemento desincentivador desse mesmo investimento. Para 2018, são esperados novos aumentos.

Desde 2013 que as vendas de bebidas espirituosas estão em queda, facto que a ANEBE – Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas atribui, precisamente, a este aumento de carga fiscal e que motivou ter entregue ao Governo uma proposta que permita inverter o ciclo. “A indústria de bebidas espirituosas tem sido alvo de aumentos brutais na sua carga fiscal e isso afeta toda a cadeia de atividade do sector. É uma pressão distorciva sobre o mercado e destruidora de valor para a indústria. Acresce que também é ineficiente; neste momento, já é mesmo contraproducente para a arrecadação de receita por parte do Estado. Em 2003, o Estado arrecadou 206 milhões de euros com este imposto e em 2016 arrecadou 193,96 milhões de euros”, defende Rui Pedro Duarte, secretário-geral da ANEBE.

Em média, 54% do valor de cada garrafa de bebida espirituosa são impostos, entre Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). O primeiro sofreu, nos últimos sete anos, um aumento nominal de 32%, o que torna Portugal num dos países com cargas fiscais mais elevadas em toda a União Europeia, quando comparado o Produto Interno Bruto (PIB) per capita.

O Orçamento de Estado para 2018 preconiza uma atualização da taxa do Imposto Especial sobre o Consumo (IEC) em 1,4%, em linha com a inflação. Medida que, no entender da ANEBE, representa “um primeiro reconhecimento da insustentável equação do IABA: menos 5% do mercado e 11% do consumo de bebidas alcoólicas em Portugal garante 60% da receita total do IABA, tornando o sector das bebidas espirituosas o único contribuinte líquido da receita arrecadada com este imposto”. 

Por estar em linha com a inflação, a associação que congrega os interesses das empresas que atuam no sector das bebidas espirituosas acredita que seja um primeiro passo em direção à tão ambicionada estabilização fiscal, ainda que “insuficiente” e “aquém” da proposta apresentada pela indústria, a Cláusula de StandStill 2020. “Consideramos ser a fórmula que melhor rentabilizaria o atual momento da economia. Esta proposta, experimentada e adotada em vários países europeus, como é o caso do Reino Unido, permitiria às autoridades portuguesas arrecadar receita além dos 200 milhões de euros com o IABA anualmente”.

No entender da indústria, a estabilidade fiscal é o valor chave para o relançamento da competitividade deste sector, no sentido de estimular o crescimento do emprego, das exportações e do investimento, por via da previsibilidade sobre o ambiente fiscal. Até porque, apesar da contração sentida nos últimos anos, a indústria das bebidas espirituosas tem contribuído para o aumento das exportações portuguesas. Pelas contas da ANEBE, nos últimos anos, as exportações de bebidas destiladas cresceram a uma taxa média de 6% ao ano. “Entre 2010 e 2013, o crescimento ascendeu a 14%, o que significou um incremento de 2.736.613 euros. A indústria como um todo, agrupando produtores, importadores e distribuidores, exporta cerca de 50 milhões de euros por ano, com referência a 2016, tendo crescido o volume de produtos enviados para o exterior a uma taxa média anual de 2,83% nos últimos seis exercícios. Em 2019, o mercado europeu de bebidas alcoólicas deverá ascender a um valor de 408 mil milhões de euros, o que significa um crescimento de 9,6% desde 2014. Esta projeção é particularmente relevante para o trajeto das exportações portuguesas, que têm hoje como três principais mercados externos Espanha, França e Alemanha”.

Turismo
A inovação introduzida no canal Horeca e a dinamização de novas tendências na restauração e hotelaria são fruto de uma indústria cada vez mais valorizada pelos consumidores nacionais e estrangeiros. A tendência dos cocktails e das bebidas de autor tem acompanhado o movimento semelhante verificado ao nível da gastronomia, fenómeno ao qual o “boom” do turismo não é alheio. “O sector do turismo é crescentemente relevante para a nossa economia. O volume de negócios cresceu consecutivamente, entre 2013 e 2015, tendo como principais contributos o alojamento e a restauração”, confirma Catarina Santos, diretora de marketing da PrimeDrinks. “No âmbito desta tendência positiva, as bebidas alcoólicas têm naturalmente um papel importante na dinamização do turismo e restauração, uma vez que Portugal possui castas, regiões demarcadas e marcas reconhecidas em todo o mundo e muito apreciadas e valorizadas pelos turistas que por cá passam. É um país único na oferta deste tipo de atributos, o que o torna diferenciador e exclusivo. Exemplo concreto do contributo das espirituosas no crescimento do sector é a divulgação de produtos típicos, como a ginginha e a aguardente Magistra, da região demarcada da Lourinhã, uma das três regiões demarcadas do mundo na produção de aguardentes, a par de Cognac e Armagnac”, acrescenta.

O mercado das bebidas espirituosas está diretamente ligado ao lazer, onde o turismo tem sido um forte impulsionador do consumo. Um estudo encomendado pela ANEBE à Ernst & Young revela que o valor global deste mercado já foi maior e que vai continuar a cair até 2018. Desde 2013 que as vendas estão em queda, ano em que valiam quase 800 milhões de euros. “No entanto, de acordo com o relatório da IWSR 2017, a última estimativa do mercado de espirituosas em 2017 apontava para um crescimento em volume de 3% versus 2016. Se compararmos com 2006, sempre em volume, o mercado caiu cerca de 20%, já que passou de 3.415.000 caixas de nove litros para 2.712.250 caixas. Felizmente, temos assistido a uma recuperação do mercado, graças à renovação do canal Horeca. Acredito que em 2018 assistiremos a uma recuperação lenta do mercado das bebidas espirituosas em valor, alavancada em ‘drivers’ tão importantes como o turismo, a ‘premiumização’ dos pontos de venda Horeca e a um maior consumo ‘out of home’ por parte do mercado doméstico”, destaca Inês Machado, Marketing & Communications Director da Empor Spirits.

Esta continua a ser uma indústria que aporta margem ao turismo e à restauração. “Num país onde 98,5% do consumo fora de casa acontece no canal Horeca, é natural que as bebidas espirituosas, nomeadamente as mais premium, se tenham tornado num ativo de diferenciação e numa fonte de rendimento fundamental para a restauração e a hotelaria. A Empor Spirits orientou a sua estratégia nesse sentido e o resultado traduziu-se num aumento de vendas de 900% em apenas 10 anos”, acrescenta.

Atividade promocional
Não obstante a importância do canal Horeca para este negócio, o canal alimentar é também determinante e em 2016, segundo o anuário Nielsen, representou cerca de 120 milhões de euros. Os dados mais recentes, referentes ao ano móvel findo à semana 40/2017, revelam um crescimento das bebidas alcoólicas, quer em volume (+0,5%), quer em valor (+3%).

De acordo com as últimas previsões do sector, o peso do canal alimentar para as bebidas espirituosas situava-se nos 17,5% em volume, com variação entre o tipo de categoria. Este é um canal fortemente marcado pela atividade promocional, muitas vezes chegando aos 75%. Para Bruno Calvão, Head of Marketing da Pernod Ricard Portugal, “as promoções permitem aos consumidores acederem a determinados produtos a um preço mais acessível, pelo que é normal que aproveitem para experimentar, nestas ocasiões, alguns produtos que, pelo posicionamento de preço, não seria habitual adquirirem”. Opinião que é partilhada por Catarina Santos. “Após a recessão dos últimos anos, o consumidor português tornou-se especialmente sensível ao preço e às promoções, sendo esta uma estratégia utilizada pelas marcas e retalhistas para fomentar a experimentação e a rotação, situação que se verifica na generalidade dos sectores de grande consumo. Na verdade, Portugal é o país europeu com maior nível de atividade promocional, inclusivamente acima do Reino Unido, e as promoções podem chegar aos 75% em algumas categorias. Isto faz com que haja cada vez menos fidelidade às marcas”.

Efetivamente, enquanto no canal Horeca as promoções são mais efetivas, já que englobam uma experiência associada ao consumo, no canal alimentar o mercado é predominantemente alavancado na atividade promocional, o que, para as empresas do sector, se traduz numa deterioração da lealdade por parte do “shopper”. Os consumidores estão habituados a descontos e sabem que haverá sempre mais, seja na sua loja habitual, seja noutra. “Por essa razão, não considero as promoções uma ferramenta efetiva de recrutamento de consumidores e experimentação, já que, para se conseguir uma construção sustentável de marca, o preço não deve ser o principal ‘driver’ de compra, mas sim um adjuvante quando a marca já é relevante para o consumidor”, defende Inês Machado.

Categorias
No sector das bebidas espirituosas, os whiskies e os gins são as categorias que registam maior frequência e profundidade promocional. São, em simultâneo e respetivamente, a maior categoria e aquela que tem registado maior crescimento.

De acordo com o relatório IWSR 2016, todas as categorias de espirituosas cresceram em volume de 2015 para 2016, ainda que por razões diferentes e com dinâmicas distintas. Naquele que é o maior segmento, o whisky, assistiu-se a uma inversão da tendência, após uma década de decréscimos, com os whiskies escoceses e os americanos a registarem as subidas mais significativas. De facto, a perda que as bebidas espirituosas vinham a experimentar nos últimos anos deve-se maioritariamente à redução do consumo no whisky que, juntamente com o brandy, é responsável por mais de 70% do sector. Ambos perderam 50% do volume, resultado da mudança de hábitos de consumo, que transitaram para outras bebidas, como o gin, ou para outros sectores do mercado de bebidas, como o vinho.

O gin tem sido o segmento de maior crescimento, embora o ano de 2016 tenha demonstrado algum abrandamento, com um movimento de consumo crescentemente orientado para o Off Trade. Já o rum e a tequila, que até então vinham a apresentar vendas estáveis, beneficiaram da entrada de novas marcas no mercado. Por fim, a vodka tem evoluído consistentemente desde 2006, com o desenvolvimento do sector premium.

Em Portugal, o whisky representa 36% das vendas de bebidas espirituosas. A importância que este segmento tem para o consumo, seja dentro seja fora de casa, leva a que mantenha a sua liderança quando comparado com outros segmentos que acabam por ter um consumo superior em diferentes ocasiões.

Já o rum, apesar de representar apenas 3% das bebidas espirituosas, mantém o forte crescimento de 33% dos últimos dois anos, o que demonstra a crescente apreciação por parte dos consumidores portugueses. “O rum tem apresentado crescimentos interessantes e com um potencial de crescimento adicional claro, dada a dimensão ainda reduzida da categoria no total de bebidas espirituosas”, confirma Bruno Calvão, que antevê um interesse crescente por parte dos consumidores, nomeadamente no segmento super premium.

O rum, assim como a tequila, mezcal, pisco e outras espirituosas ligadas à coqueteleria, cresceram exatamente devido à curiosidade em torno dos cocktails, segundo defende Filipa Garcia, administradora da Garcias Wines & Spirits. “Os portugueses não consomem rum puro, mas misturado em daiquiris, mojitos ou outros cocktails. Só uma pequena percentagem consome este produto em estado puro”.

Produto que, a par do gin e dos aperitivos, é uma das categorias a seguir com atenção, até pela necessidade de diversificação da base tradicional de consumidores de bebidas espirituosas, com o público feminino a revelar-se comprador das mesmas.

Este artigo foi publicado na edição n.º 48 da Grande Consumo.

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