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As vendas globais dos grandes armazéns caíram 1,9% em 2023, interrompendo o ciclo de recuperação que se seguiu ao impacto da pandemia. O novo relatório da International Association of Department Stores (IADS) revela um cenário marcado por contenção no consumo, desaceleração do luxo e pressão macroeconómica que afetou a maioria dos operadores do sector.
A IADS, organização fundada em 1928 e que reúne 59 cadeias de grandes armazéns em todo o mundo, incluindo nomes como El Corte Inglés, Galeries Lafayette, La Rinascente, Macy’s, Beales ou Lifestyle, alerta para um ano “de travagem”, com consequências estratégicas relevantes para o futuro da distribuição neste canal.
Luxo em travagem penaliza performance
Uma das principais razões apontadas para esta descida está relacionada com o abrandamento do sector do luxo, que nos últimos anos tinha sido um dos motores de crescimento para os grandes armazéns. Com os consumidores mais cautelosos e pressionados pela inflação e pelas taxas de juro, a propensão para gastar em categorias premium e de prestígio caiu sobretudo nos mercados maduros da Europa e América do Norte.
Este “efeito travagem” no luxo surge depois de anos de crescimento acelerado no pós-pandemia e está a obrigar os retalhistas a reajustar portefólios, repensar mixes de marca e rever estratégias de atração de tráfego em loja, num canal que vive tanto da curadoria como da experiência.
Esta tendência está em linha com os dados mais recentes divulgados pela Grande Consumo, que mostram que o mercado global de luxo registou vendas na ordem dos 1,5 biliões de euros em 2024, com crescimento estagnado e impacto direto da contenção de consumo nas categorias premium.
O fenómeno foi particularmente visível na China, onde o mercado de luxo registou, pela primeira vez em cinco anos, uma queda de 10% nas vendas de artigos de uso pessoal. Esta retração num dos mercados mais relevantes do luxo mundial teve reflexos diretos nos grandes armazéns com forte dependência deste perfil de consumidor.
Também os grupos de referência do sector, como a LVMH, reportaram descidas, como a queda de 3% nas vendas no terceiro trimestre de 2024, provocada pelo abrandamento da procura na Ásia.
Mercado marcado pela incerteza e tensões globais
A incerteza económica mundial, as tensões geopolíticas e as flutuações cambiais também estiveram entre os fatores que impactaram negativamente o desempenho do sector. A IADS sublinha que o mercado global vive um “ponto de inflexão”, em que o modelo tradicional dos grandes armazéns enfrenta simultaneamente a concorrência das plataformas online e dos marketplaces, o crescimento da venda direta ao consumidor (D2C) e a necessidade de responder a consumidores mais exigentes, digitais e conscientes.
Adicionalmente, a associação aponta como potencial ameaça a discussão em torno do bloqueio do TikTok nos Estados Unidos, uma plataforma que tem desempenhado um papel crucial na definição de tendências e na influência sobre os comportamentos de compra, especialmente junto dos consumidores mais jovens.
Ásia e América Latina resistem
Apesar da queda agregada, a evolução foi heterogénea entre geografias. A região da Ásia-Pacífico foi a única a registar crescimento em 2023, com destaque para operadores como Shopper’s Stop e Lifestyle (Índia), SM e Robinsons Retail (Filipinas), impulsionados pela classe média em expansão e por hábitos de consumo em transformação.
A América Latina, tradicionalmente mais volátil, surpreendeu com resultados positivos, sobretudo em mercados como o México e o Chile, com crescimentos superiores a 10%.
Na Europa, o crescimento foi praticamente estagnado, com aumentos residuais abaixo de 1%, refletindo o abrandamento do consumo e o impacto da inflação sobre o poder de compra.
Modelo department store em reinvenção
A IADS acredita que este abrandamento pode funcionar como um catalisador para a transformação estrutural do modelo de grandes armazéns. Com origem no século XIX e profundamente enraizado nos centros urbanos, o sector vive hoje uma pressão crescente para reposicionar o conceito de loja como espaço de experiência, apostar na digitalização e omnicanalidade, rentabilizar o espaço físico com zonas de restauração, serviços e entretenimento e rever políticas comerciais, incluindo modelos de consignação e rent sharing com marcas.
Apesar dos desafios, os grandes armazéns mantêm uma capacidade única de curadoria e atração, funcionando como montras das tendências e referência de consumo nas cidades em que operam. A questão é como manter essa relevância num cenário onde o consumidor quer rapidez, personalização e propósito



