A Associação dos Industriais do Bacalhau (AIB) expressa, em comunicado, a sua “posição firme” contra a “falta de ética” e a “concorrência desleal” praticada por alguns industriais noruegueses que estão a distorcer o mercado europeu do bacalhau.
Segundo o documento, esta situação resulta da continuação da importação de bacalhau russo pela Noruega, isento de direitos aduaneiros, que é depois reprocessado e exportado para a Europa, nomeadamente para Portugal. Uma prática que, embora legal sob a legislação norueguesa, é “profundamente injusta para a indústria portuguesa e europeia”.
Num momento de “grande desafio para o sector”, a AIB e os seus associados decidiram não participar no seminário O Futuro do Bacalhau, promovido pelo Norwegian Seafood Council (NSC), em Lisboa, no dia 5 de fevereiro. A decisão deve-se “à necessidade de marcar uma posição firme e institucional contra esta distorção de mercado que coloca em risco a sustentabilidade do sector e desrespeita as sanções europeias contra a Rússia”.
A AIB repudia também o facto de não ter sido convidada como orador, o que “denuncia uma total desconsideração por uma associação que representa mais de 80% das empresas industriais de bacalhau em Portugal e responsáveis por 2.500 empregos diretos”.
Bacalhau russo
“Enquanto as indústrias portuguesa e europeia cumprem rigorosamente as sanções impostas contra a Rússia devido à invasão da Ucrânia, algumas empresas norueguesas continuam a comprar bacalhau russo, obtendo lucros elevados, inflacionando os preços na Europa e, em última instância, financiando a economia russa que é atualmente uma economia de guerra – possivelmente pagando até preços superiores aos que resultariam de uma concorrência justa dentro do mercado europeu“, sublinha a associação.
A importação de bacalhau russo por parte da Noruega, e a sua subsequente exportação para a União Europeia, tem, de acordo com a AIB, graves consequências, nomeadamente a distorção do mercado e inflação artificial dos preços, a concorrência desleal e a quebra de confiança. Segundo a associação, as empresas que compram bacalhau russo beneficiam de preços mais competitivos e de uma oferta mais estável. Já as indústrias que cumprem as sanções enfrentam escassez de matéria-prima e um aumento significativo dos custos, gerando uma inflação artificial nos preços finais ao consumidor.
As empresas portuguesas, tradicionalmente grandes clientes da Noruega, são “forçadas a competir num mercado desigual, colocando em risco investimentos, empregos e a viabilidade do sector”, alerta a AIB, que acusa a Noruega de estar a “comprometer a credibilidade das suas relações comerciais, ao permitir que esta distorção persista, abalando a confiança que os seus parceiros internacionais depositam na sua imparcialidade e ética comercial”.
Luísa Melo, presidente do conselho diretivo da AIB, assinala que “não foi uma decisão tomada de ânimo leve” e que se trata de “um protesto claro contra a falta de ética e a concorrência desleal praticada por alguns industriais noruegueses, que estão a distorcer o mercado europeu e a comprometer o equilíbrio do sector, impactando também os consumidores com uma inflação artificial dos preços. Temos um profundo respeito pela relação histórica entre Portugal e a Noruega e, precisamente por esta relação de respeito, não podemos deixar de alertar o Governo norueguês, os decisores europeus e os industriais de bacalhau na Noruega, solicitando medidas urgentes e alertando que estas práticas estão, cabalmente, no lado errado da História”.
Futuro do sector do bacalhau
A AIB considera imperativo que esta situação seja corrigida com urgência e apela ao Governo norueguês para que reavalie a sua política e impeça que o seu sector industrial atue como canal de escoamento do bacalhau russo para o mercado europeu. “Ao permitir a importação isenta de direitos aduaneiros e reexportação deste bacalhau, torna-se um facilitador indireto da violação do espírito das sanções, favorecendo determinados industriais em detrimento dos seus parceiros comerciais internacionais”, sustenta.
À União Europeia, a AIB solicita que reforce a monitorização e implemente regulações mais rigorosas sobre o bacalhau processado na Noruega, assegurando o cumprimento efetivo das sanções.
Já aos industriais noruegueses é pedido que defendam boas práticas “para que rejeitem estas estratégias desleais e contribuam para a transparência e equilíbrio do mercado”.
A associação defende que “o futuro do sector do bacalhau exige medidas concretas e um compromisso sério com a ética, a sustentabilidade e a justiça comercial. A AIB reitera a sua disponibilidade para um diálogo transparente e construtivo, mas não pode compactuar com práticas que comprometem o equilíbrio e a integridade do mercado”.
Portugal e a Noruega “deveriam estar do mesmo lado, colaborando na procura de soluções estruturais que garantam o futuro da indústria“, apela a associação. Ambas as partes enfrentam problemas comuns, como a redução das quotas de pesca e a necessidade de assegurar a sustentabilidade dos recursos. “Acreditamos que esta situação não reflete o verdadeiro espírito do povo e da indústria norueguesa, conhecida pelo seu compromisso com valores éticos e comerciais sólidos. Queremos acreditar que a ausência de sanções específicas ao pescado russo e a isenção de taxas e direitos aduaneiros foram um lapso do governo norueguês – que pode e deve ser corrigido o quanto antes. Por todas estas razões e até que esta situação seja revista e corrigida, consideramos institucionalmente impossível participar em eventos e iniciativas da NSC, que, apesar do seu potencial, nos colocam em lados opostos, com interesses divergentes”, termina Luísa Melo.