A região vinícola de Lisboa tem visto um crescimento significativo nas vendas, impulsionado pelo turismo e pela crescente notoriedade internacional de Portugal. Assim confirma Francisco Toscano Rico, presidente da Comissão Vitivinícola Regional de Lisboa (CVR Lisboa), e adianta que a tendência global por vinhos mais frescos e com menor teor alcoólico também favorece a região, que se adapta, agora, com novas categorias e práticas sustentáveis às exigências dos mercados nacional e internacional. Apesar dos desafios climáticos e de comunicação, a aposta na diferenciação e na qualidade continua a fortalecer a identidade dos Vinhos de Lisboa no panorama global.
Grande Consumo – A região dos Vinhos de Lisboa alcançou um recorde histórico em 2024, vendendo 69 milhões de garrafas. Quais foram os principais fatores que contribuíram para este crescimento, especialmente num contexto em que outras regiões enfrentam alguns desafios? O que mudou na região face a exercícios anteriores? O turismo teve uma palavra a dizer para estes resultados? Considerando este aumento de 5% nas vendas, a CVR Lisboa tem metas ainda mais ambiciosas para os próximos anos? Há previsões de crescimento sustentado?
Francisco Toscano Rico – Vários fatores concorrem para este resultado. O turismo sem dúvida que tem sido o principal motor do crescimento das vendas de vinho no mercado nacional, quem nos visita procura produto local e isso tem puxado pela procura dos Vinhos de Lisboa. Mas também a crescente notoriedade de Portugal lá fora tem ajudado as nossas exportações.
O consumidor está mais exigente e também mais recetivo a experimentar novas referências e a procurar perfis distintos, vinhos com mais frescura e menos graduação alcoólica, o que tem beneficiado os Vinhos de Lisboa, e isto acontece cá dentro, mas também nos mercados externos. Um bom exemplo desta tendência é o crescimento exponencial da categoria “Leve Lisboa” a chegar perto dos 90% o que representa mais 1,5 milhões de garrafas vendidas face a 2023, em especial no mercado nacional tanto na restauração como na moderna distribuição.
Face ao clima de incerteza que se vive no sector à escala mundial, fruto da instabilidade geopolítica, é muito difícil fazer previsões e estabelecer metas concretas. Em 2019, ano imediatamente anterior à pandemia do COVID, a meta dos 70 milhões de garrafas era vista como o potencial máximo da Região. Em 2024, a Região fechou nas 69 milhões e neste início de 2025 as vendas continuam a subir ao mesmo ritmo, o que é um bom sinal. Lisboa tem feito um progresso notável desde 2016 com um crescimento absoluto superior a 150% sendo natural que com a crescente maturidade da marca as taxas de crescimento acabem por estabilizar em valores mais razoáveis, abaixo do 5% ao ano.
GC – A CVR Lisboa investiu cerca de 1 milhão de euros em promoção nacional e internacional. Que ações específicas foram realizadas e quais os mercados que apresentaram melhor retorno?
FTR – Estrategicamente optámos por centrar o investimento internacional apenas em dois mercados alvo, o Reino Unido e o Brasil. São respetivamente o segundo e terceiro principais destinos das nossas exportações e simultaneamente os países onde mais produtores de Lisboa estão presentes. Associado a isto, são dois mercados onde temos crescido nos últimos anos e sentimos que continua a haver margem para crescer ainda mais em todos os segmentos, nos vinhos de consumo mais corrente, mas também nas categorias especiais. As ações dirigidas a profissionais, jornalistas e mesmo para consumidor final mostram que há uma enorme vontade em conhecer melhor a Região e quem prova não fica indiferente à qualidade e diversidade da oferta dos Vinhos de Lisboa e isso é um trunfo a explorar.
No Brasil estivemos nas duas principais feiras B2B em S. Paulo, também com uma presença regular nas redes sociais numa parceria com sommeliers e chefs de cozinha, fizemos ainda um road-show de masterclasses em 9 cidades e realizámos uma série de jantares de harmonização em 5 cidades. É um mercado onde temos trabalhado com sucesso todos os publico alvo, profissional, imprensa e consumidor final e vamos manter esta estratégia em 2025. No Reino Unido fomos ambiciosos e apostamos muito no trade mais exigente, com momentos gastronómicos e provas de vinhos e ainda com um sunset na praia e uma visita à Região de um grupo de compradores e jornalistas. Mas pela primeira vez estivemos cara a cara com os consumidores a proporcionar provas, masterclasses e a promover o enoturismo e o resultado foi muito animador, o que nos leva a reforçar as ações para este ano. No mercado nacional a marca Vinhos de Lisboa começa a ganhar visibilidade e isso reflete-se na procura. Temos apostado sobretudo em eventos para o consumidor final com ativações nos eventos dos Municípios da Região e em locais emblemáticos da cidade de Lisboa, e isso é importante para a afirmação dentro da própria Região. Na cidade de Lisboa a aposta recaiu ainda no evento Lisboa Wines Summer Momments no Campo das Cebolas e na parceria com a Essência do Vinho no festival Heróis do Mar na Doca da Marinha, juntando música e gastronomia e vinhos de Lisboa. Em 2025 vamos manter estes dois eventos, ainda com mais ambição posicionando-os como uma das referências incontornáveis da agenda cultural e gastronómica da cidade de Lisboa.
GC – Os Vinhos de Lisboa têm conseguido uma crescente notoriedade. Que estratégias considera essenciais para consolidar ainda mais a imagem da região no panorama global?Atualmente, 80% das vendas de Vinhos de Lisboa destinam-se ao mercado externo, com destaque para países como os EUA, Reino Unido, Brasil, Canadá e Alemanha. O que faz destes mercados os principais destinos das exportações? A região e o país ainda têm muito por onde crescer nesses mercados e nos mercados de exportação?
FTR – No Reino Unido, Brasil e Canadá vemos um interesse crescente nos vinhos da Região e em todos os segmentos de produto, vinhos para o dia a dia e vinhos premium, havendo margem para crescer em volume e em valor.
O Estados Unidos e a Alemanha são mercados muito maduros e muito competitivos em preço, e por isso temos de os trabalhar em conjunto com a Viniportugal ou com outras Regiões, e de forma mais seletiva.
GC – Existe um plano para expandir a presença da marca Vinhos de Lisboa noutros mercados emergentes? Quais são as prioridades para os próximos anos?
FTR – O enorme sucesso que são já “case studies” do Porta 6 no Reino Unido e da Casa Santos Lima a colocar dois vinhos como os mais vendidos na Finlândia e o crescimento em mercados como a Austrália, Colômbia e Israel, são bem demostrativos do potencial da Região.
Mas temos de ser realistas e perceber que à escala global somos muito pequenos e por isso é tão importante estarmos bem articulados com a Viniportugal. Atuamos de forma supletiva à Viniportugal, seja participando em ações por esta promovidas seja com ações só nossas, mas sempre em mercados onde a Viniportugal está a investir fortemente. Só assim faz sentido, só assim conseguimos ser eficientes e eficazes nos euros investidos. Primeiro temos de afirmar a marca Portugal e só depois começarmos a promover as Regiões. Inverter os papeis é perda de tempo e de euros, e ambos são sempre recursos escassos. E é desta forma que estamos a trabalhar fora do país.
GC – Tem-se verificado uma crescente procura por vinhos mais frescos, elegantes e com menor teor alcoólico. De que forma os produtores da região estão a adaptar a sua oferta para responder a esta tendência? A proximidade atlântica confere características únicas aos vinhos de Lisboa. De que forma esta localização pode ser uma vantagem face às alterações climáticas?
FTR – É uma tendência que está a ganhar tração e os produtores de Lisboa estão atentos à evolução do perfil da procura. A Região tem no seu terroir, ou melhor dizendo nos seus 9 terroirs que estão na base do reconhecimento das suas 9 DOP, um ativo extraordinário para trabalhar e para produzir o que o mercado está a pedir. É isso que já está a acontecer e os resultados são evidentes.
GC – A inovação tem sido um fator determinante no sector vinícola. Existem novos projetos ou lançamentos que possam surpreender os consumidores nos próximos tempos?
FTR – O mercado está ávido de novidades e olhamos para a inovação segundo dois primas, novos produtos, mas também recuperar técnicas ancestrais. Estamos já a estudar a possibilidade de abrirmos a Região aos vinhos parcialmente desalcoolizados com grau alcoólico entre os 5% e os 7%, muito a pensar nos países nórdicos, e na autorização controlada de plantação de castas resistentes, a título experimental. No início do ano regulamentámos a nova categoria PET Nat Lisboa e temos já 6 produtores a pretender certificar estes vinhos, recuperando este método ancestral de fermentação em garrafa.
GC – Que iniciativas a CVR Lisboa e os produtores locais estão a implementar para garantir maior sustentabilidade na produção vinícola? As alterações climáticas são um desafio acrescido à produção, e à consistência, da produção vinícola?
FTR – Temos já um conjunto de produtores certificados ao abrigo do referencial nacional de sustentabilidade e vamos agora avançar com um projeto de capacitação e apoio técnico com o objetivo de maximizarmos o número de viticultores e produtores de vinho certificados pelo referencial. É um projeto conjunto das 5 Regiões vinhateiras da Região Centro (Dão, Beira Interior, Bairrada, Tejo e Lisboa), com apoios da CCDR Centro do Portugal 20230. Em paralelo, e também enquadrado neste projeto de fileira, está previsto trabalharmos com o laboratório colaborativo Smart Farm CoLab de Torres Vedras que já é uma referência em termos da digitalização e agricultura de precisão e em parceria com a NOVA IMS para apoiarmos os viticultores nestas áreas.
Os desafios são claros: temos de ser mais resilientes em resposta às alterações climáticas o que significa produzir de forma mais eficiente com menos inputs por kg de uva produzida e litro de vinho engarrafado e temos de caminhar para a descarbonização do sector. Por outras palavras, conhecer melhor a nossas vinhas e o seu comportamento nos diferentes terroirs de Lisboa, escolher as castas mais adaptadas a cada parcela, termos informação “just in time” para atuarmos no momento certo e adotarmos as melhores práticas de sustentabilidade na adega, com especial enfoque no consumo de energia e na poupança de água.
GC – Quais são os principais desafios que a região enfrenta atualmente no sector vinícola? O que podemos esperar dos Vinhos de Lisboa nos próximos anos? Há novos projetos, investimentos ou iniciativas em vista que possam impactar positivamente a região?
FTR – Os desafios de Lisboa não diferem substancialmente dos das outras Regiões vinhateiras do país. Temos de ser competitivos à escala internacional em todos os segmentos de preço e no mercado nacional temos de ganhar quota de mercado aos vinhos importados. 1 em cada 3 garrafas que Portugal vende é vinho da UE, mas na maioria das vezes o consumidor não sabe a origem daquilo que está a consumir, a começar pelos vinhos vendidos a copo ou a jarro na restauração.
Daqui tiramos duas conclusões: necessidade de melhorarmos a informação ao consumidor para que possam exercer de forma consciente e informada as suas opções de consumo, e por isso temos revindicado junto do Governo para que a origem dos vinhos passe a ser obrigatória nas cartas da restauração, à semelhança do que já é praticado em França, e em paralelo investirmos na literacia dos consumidores. Somos um país com grande tradição na produção de vinhos, mas muito pouco formados em consumo.
Por outro lado, vemos que os produtores continuam com muita dificuldade em comunicar com os consumidores, os rótulos cheios de informação redundante e com letra miudinha que ninguém lê, a proliferação de medalhas e de designativos de rotulagem sem nenhum significado objetivo quanto aos atributos dos vinhos, nada disto não ajuda a informar o consumidor e a guiá-lo nas suas escolhas. Nesta matéria as regiões demarcadas têm uma responsabilidade acrescida em mudar o status-quo.
Olhando para a Região de Lisboa, a aposta na diferenciação para impulsionar a notoriedade e reputação passará muito por afirmar a sua identidade ligada ao Atlântico através das suas castas regionais como o Arinto, casta rainha de Lisboa, o Vital que está a renascer, o Fernão-Pires que aqui exprime todo o seu potencial e nos tintos vemos agora ressurgir o Castelão com o perfil clássico conferido pelo terroir de Lisboa, vinho frescos com boa fruta vermelha, menos concentração e menos teor alcoólico e a cor um pouco mais aberta, o que vai muito de encontro ao perfil que o mercado está a procurar e a valorizar. Por outro lado, os vinhos das nove DOP de Lisboa também desempenham um papel de relevo nesta afirmação de qualidade e identidade com os Arintos de Bucelas, os Colares, o generoso de Carcavelos, o Medieval de Ourém e agora também os vinhos de Arruda, Torres e Óbidos, os grandes tintos de Alenquer e a aguardente Lourinhã, tudo joias da coroa da Região de Lisboa.