Nos últimos cinco anos, a Too Good To Go tem sido uma referência no combate ao desperdício alimentar em Portugal, mobilizando uma comunidade de mais de dois milhões de utilizadores e quatro mil parceiros. Maria Tolentino, country director da Too Good To Go, reflete sobre os desafios superados, o impacto gerado e as estratégias para continuar a inspirar a sociedade a adotar hábitos mais sustentáveis, com o objetivo ambicioso de criar um futuro sem desperdício.
Grande Consumo – A Too Good To Go chegou a Portugal em 2019. Quais foram os maiores desafios e aprendizagens ao longo destes cinco anos?
Maria Tolentino – O nosso percurso tem sido construído com base em desafios contínuos e aprendizagens desde o primeiro dia. Lançámos uma marca nova e trouxemos para o debate público um tema pouco ou nada explorado no mercado nacional: o desperdício alimentar. Quando começávamos a conquistar a confiança de parceiros, entidades públicas e consumidores, surgiu a pandemia. Um grande obstáculo que, longe de nos desencorajar, nos impeliu a adaptar rapidamente a estratégia, a ambição e o papel que assumimos no mercado.
E se, durante a pandemia, a adaptação foi essencial, o maior desafio atualmente é dar prioridade ao desperdício alimentar na agenda pública. Embora o tema seja hoje mais conhecido do que era em 2019, ainda há um longo caminho a percorrer. Precisamos de unir esforços com empresas, organizações sociais e entidades públicas para influenciar positivamente os hábitos de consumo e, assim, ter um impacto real e positivo no planeta.
Mantemos o otimismo: vemos uma maior discussão em torno do tema e um compromisso crescente, que se estende a todos os sectores. Acreditamos que a Too Good To Go pode dar um contributo realmente relevante neste sentido.
“Embora o tema seja hoje mais conhecido do que era em 2019, ainda há um longo caminho a percorrer. Precisamos de unir esforços com empresas, organizações sociais e entidades públicas para influenciar positivamente os hábitos de consumo e, assim, ter um impacto real e positivo no planeta”
GC – Como avalia o impacto da Too Good To Go no combate ao desperdício alimentar em Portugal desde a sua chegada?
MT – Estamos muito orgulhosos do impacto que temos conseguido alcançar, abordando ativa e diretamente o desafio do desperdício alimentar em Portugal. A Too Good To Go é uma empresa de impacto social com selo B Corp, que liga os consumidores aos estabelecimentos alimentares para salvar alimentos não vendidos e impedir que estes sejam desperdiçados.
Neste momento, contamos já com mais de dois milhões de utilizadores e mais de quatro mil parceiros em Portugal que juntos, ao longo destes cinco anos, já salvaram mais de cinco milhões de Surprise Bags. Isto equivale a 10 mil toneladas de CO2e evitado, o que podemos igualar a cerca de 1.877 viagens de avião à volta do mundo. Acredito que estes números revelam, por si, só aquele que foi o nosso impacto ao longo destes anos, em Portugal.
“Neste momento, contamos já com mais de dois milhões de utilizadores e mais de quatro mil parceiros em Portugal que juntos, ao longo destes cinco anos, já salvaram mais de cinco milhões de Surprise Bags. Isto equivale a 10 mil toneladas de CO2e evitado, o que podemos igualar a cerca de 1.877 viagens de avião à volta do mundo. Acredito que estes números revelam, por si, só aquele que foi o nosso impacto ao longo destes anos, em Portugal”
GC – Em Portugal, já foram salvas quase cinco milhões de Surprise Bags. Que estratégias foram fundamentais para alcançar este marco?
MT – As cinco milhões de Surprise Bags salvas em Portugal são resultado de várias ações alavancadas por ferramentas tecnológicas inovadoras, desenvolvidas com o propósito específico de redução do desperdício alimentar, sem nunca perder o foco na comunidade local.
Assim, para além da nossa aplicação, que diariamente apresenta Surprise Bags compostas por comida que acaba por não ser vendida ao final do dia dos nossos parceiros, lançámos, no início do ano passado, a Too Good To Go Platform, um software modular pensado para rentabilizar os excedentes alimentares dos retalhistas, que permite rastrear e redistribuir de modo eficiente. E, sem dúvida, que continuaremos a inovar, com foco em tecnologia.
Paralelamente, e em parceria com marcas alimentares, desenvolvemos um projeto de sensibilização chamado “Observar, Cheirar, Provar”. Este consiste num pequeno selo que adicionamos ao “packaging” de vários produtos alimentares, com o objetivo de lembrar as pessoas que devem usar os seus sentidos antes de deitar fora um produto que está fora de validade – sempre e quando falamos de produtos com data de durabilidade mínima.
Por fim, e de uma forma contínua, promovemos várias campanhas de sensibilização sobre o desperdício alimentar para mobilizar a sociedade, conduzimos inquéritos para conhecer melhor os hábitos de consumo dos portugueses e mantemos uma presença assídua nas nossas redes sociais onde partilhamos receitas e dicas muito concretas para a nossa comunidade.
GC – A Too Good To Go foi reconhecida com vários prémios internacionais, como o Cultural Impact Award e o Fast Company’s World Changing Ideas Awards. Como é que esses reconhecimentos ajudam a reforçar a missão da empresa?
MT – Sermos reconhecidos internacionalmente pelo trabalho que desenvolvemos, e enquanto especialistas nas matérias do desperdício alimentar, é um motivo de orgulho e motivação, além de contribuir para fortalecer a confiança e a credibilidade da nossa marca. Isto permite-nos sensibilizar mais pessoas e amplificar a nossa mensagem junto de negócios, entidades públicas e responsáveis políticos, contribuindo positivamente para a priorização da resolução do problema do desperdício alimentar.
GC – Atualmente, a Too Good To Go conta com quatro mil parceiros em Portugal. Quais são os principais critérios para a adesão de novos parceiros?
MT – O único critério para a adesão de novos parceiros consiste em ter vontade de fazer a diferença nesta luta contra o desperdício de alimentos. O processo é muito simples: o estabelecimento deve apenas inscrever-se na aplicação da Too Good To Go e pode começar a vender o seu excedente aos nossos utilizadores.
GC – Com mais de dois milhões de utilizadores no país, como é que a empresa tem trabalhado para continuar a crescer e alcançar ainda mais pessoas?
MT – A consciencialização sobre o desperdício alimentar tem vindo a crescer de forma orgânica nos últimos anos, impulsionada por diversos fatores, como a inflação e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2030. Este contexto não só reforça a relevância da nossa marca, como também aumenta a nossa responsabilidade em responder rapidamente às necessidades do mercado.
Diariamente, trabalhamos para melhorar a nossa aplicação, simplificando a experiência para o consumidor. Paralelamente, integramos o feedback dos nossos parceiros em soluções tecnológicas que lhes permitam medir com maior precisão o desperdício em loja e tomar decisões mais informadas sobre o escoamento de alimentos.
Ao desenvolver novas ferramentas, tanto para consumidores, como para parceiros, estamos a tornar a nossa missão mais acessível e, acima de tudo, mais escalável.
GC – Os dados mostram que cada português desperdiça 180 quilogramas de alimentos por ano. Que papel a Too Good To Go tem desempenhado na sensibilização da sociedade para este problema?
MT – Desde o primeiro dia, consideramos a sensibilização um elemento-chave na nossa estratégia. Falar sobre “desperdício alimentar” pode soar subjetivo e difícil de captar a atenção do consumidor, se não explicarmos melhor o que é que este problema realmente significa.
Nesse sentido, usamos ativamente os nossos canais de comunicação para explicar com mais detalhe o que representa o desperdício alimentar – damos números reais e fidedignos do seu impacto negativo e tentamos criar equivalências que sejam mais fáceis de digerir aos olhos de um consumidor.
Por exemplo, sabemos que uma Surprise Bag, em média, equivale a um quilograma de comida e também sabemos que a energia colocada para produzir este um quilograma de comida corresponde a carregar o telemóvel 598 vezes. O ato de carregar o telemóvel é algo com o qual qualquer pessoa se pode relacionar e é mais fácil de compreender. Este é um exemplo de como tentamos desmistificar, através de uma estratégia de conteúdos, o impacto que uma pessoa pode ter ao salvar Surprise Bags.
“Sabemos que uma Surprise Bag, em média, equivale a um quilograma de comida e também sabemos que a energia colocada para produzir este um quilograma de comida corresponde a carregar o telemóvel 598 vezes”
GC – Que iniciativas educativas ou campanhas de comunicação estão previstas para reforçar esta mensagem?
MT – O reforço desta mensagem de sensibilização para o desperdício alimentar deve ser contínuo e consistente.
Assim, ao longo do próximo ano, continuaremos a apostar em iniciativas de sensibilização, tanto através do nosso selo “Observar, Cheirar, Provar”, como de outras campanhas mais pontuais, nomeadamente em conjunto com os nossos parceiros. Queremos também continuar a desenvolver inquéritos que nos permitam conhecer melhor os hábitos de consumo dos portugueses, para adequarmos ainda mais a nossa estratégia de comunicação.
Pretendemos ainda continuar a trabalhar com entidades políticas, de forma que sejam adotadas medidas sobre o desperdício alimentar e desenvolvidas estratégias para o reduzir, sem que nos esqueçamos também da necessidade de educar continuamente sobre este problema.
GC – Apesar do crescimento notável, quais são os objetivos para os próximos anos em Portugal? Há novos serviços ou funcionalidades que possam ser introduzidos?
MT – Em 2025, queremos continuar a crescer e a trabalhar lado a lado com mais parceiros e consumidores. Só assim conseguiremos alcançar esta visão tão ambiciosa que temos: “Um planeta sem desperdício de alimentos”. Vamos continuar a usar momentos-chave para sensibilizar a comunidade e introduzir novas soluções à nossa oferta, que comunicaremos em breve. Com isto, o objetivo é continuar a fazer a diferença no nosso meio ambiente.
GC – Com a presença em 19 países, como é que a experiência internacional da Too Good To Go pode ser adaptada e aplicada ao contexto português?
MT – A nossa presença internacional permite-nos aprender com países e culturas simultaneamente semelhantes e distintas. Um exemplo de como usámos a “expertise” de outros países localmente foi o webinar “Políticas públicas contra o desperdício alimentar”, que organizámos em parceria com a WWF (World Wide Fund for Nature) e para o qual convidámos algumas entidades políticas, para conhecerem as medidas e os projetos contra o desperdício alimentar que estão já a ser postos em prática no estrangeiro e quais destas soluções podem ser trazidas para o contexto português. Adicionalmente, também queremos lançar uma iniciativa ligada à educação, que já acontece em França e na Dinamarca, onde trabalhamos com escolas e universidades no sentido de consciencializar gerações futuras sobre o meio ambiente, e que pode ser um ponto de viragem quando aplicado a Portugal.
GC – Globalmente, o desperdício alimentar é responsável por 10% das emissões de gases com efeito de estufa. Qual é a importância de uma solução como a Too Good To Go para reduzir esta pegada ambiental?
MT – Desde 2019, já salvámos mais de cinco milhões de Surprise Bags. Isto significa que, já foi evitada a emissão de mais de 10 mil toneladas de CO2e, cerca de três mil milhões de litros de água não foram desperdiçados, e não houve a utilização desnecessária de 11 milhões de metros quadrados de terra.
Estes números traduzem aquilo que a nossa solução gera de positivo no espectro ambiental e de como, através da nossa comunidade e ferramentas, podemos cuidar do nosso planeta. Partindo de pequenos gestos diários individuais dos nossos utilizadores, associados a decisões de negócio dos nossos parceiros, alavancados pela tecnologia e escala global da Too Good To Go, conseguimos dar passos importantes na direção de reduzir as consequências do desperdício alimentar.
GC – Em Portugal, os dados mostram que o desperdício alimentar custa 3,3 mil milhões de euros por ano. Como é que a Too Good To Go pode contribuir para reduzir este impacto económico?
MT – Apresentamo-nos como uma solução “Win-Win-Win”, ou seja, todos ficam a ganhar, desde o consumidor, passando pelo parceiro, terminando no nosso planeta. De facto, oferecemos um conceito que, para além de contribuir para a redução do desperdício alimentar, permite também que as pessoas tenham acesso a alimentos com uma boa relação qualidade/preço e que os parceiros ganhem algum dinheiro extra rentabilizando os seus excedentes alimentares. Estas duas vias permitem-nos contribuir de modo muito direto para a redução do impacto económico, tanto para os negócios, como para as famílias portuguesas.
GC – No contexto atual de emergência climática, como vê o papel da Too Good To Go na promoção de uma sociedade mais sustentável?
MT – Acreditamos que, enquanto empresa, somos mais do que uma aplicação e temos uma responsabilidade acrescida no que toca à redução do desperdício de alimentos.
Do ponto de vista do consumidor, não só partilhamos diariamente dicas e receitas práticas que qualquer pessoa pode usar em casa para atuar, como também temos funcionalidades na nossa aplicação que ajudam o utilizador a ganhar uma motivação extra para salvar mais Surprise Bags e, assim, criar mais impacto positivo. Como exemplo, o consumidor pode ver o CO2e que ajudou a evitar no meio ambiente, pode convidar amigos a participar nesta missão e até pedir a um amigo para recolher a Surprise Bag por ele, caso não tenha tempo de o fazer por si.
Por outro lado, desenvolvemos ferramentas para os nossos parceiros, como é o caso da Too Good To Go Platform, uma solução de gestão de excedentes alimentares integrada com a nossa app que facilita a contabilização do excedente em loja e que aconselha na distribuição da mesma.
Estes são alguns exemplos, mas, como referi anteriormente, trabalhamos todos os dias para que os nossos consumidores e parceiros integrem a Too Good To Go na sua rotina diária, sem que seja disruptivo. Queremos normalizar o combate ao desperdício alimentar.
“Segundo dados do Eurostat, 40% de todos os alimentos produzidos no mundo é desperdiçado, isto é, cerca de 2,5 mil milhões de toneladas por ano”
GC – Que mensagem gostaria de deixar para parceiros, utilizadores e para a sociedade em geral sobre a importância de combater o desperdício alimentar?
MT – A Too Good To Go alerta que, segundo dados do Eurostat, 40% de todos os alimentos produzidos no mundo é desperdiçado, isto é, cerca de 2,5 mil milhões de toneladas por ano. Através de um único clique, é possível contribuir para alterar esta realidade e fazer com que este combate ao desperdício alimentar se torne algo simples e que faça parte da nossa rotina diária.
Assim, a mensagem que gostaria de deixar é, na verdade, um apelo – um apelo a todas as pessoas para se juntarem à nossa missão e fazerem do nosso amanhã um dia mais próximo de um planeta sem desperdício alimentar.
GC – O marco do quinto aniversário será assinalado com alguma iniciativa especial? Se sim, pode partilhar detalhes?
MT – Estamos muito orgulhosos com o percurso que temos feito e todo o impacto que temos conseguido gerar, com o compromisso dos nossos utilizadores e parceiros. Não temos planeada nenhuma iniciativa especial para assinalar o nosso quinto aniversário, mas está na nossa cultura de empresa comemorar o progresso a cada dia, “one bite at a time”, porque acreditamos que é assim que devemos olhar para uma visão tão ambiciosa como a nossa. Sonhamos com um planeta sem desperdício alimentar e esta é a nossa motivação para continuar a trabalhar por muitos mais anos.
GC – Qual é o balanço que faz destes cinco anos de operação em Portugal e quais são as suas maiores expectativas para o futuro?
MT – O balanço é muito positivo, por tudo aquilo que fui descrevendo ao longo das questões anteriores. Sabíamos que o desafio inicial era grande, mas tínhamos muita confiança na nossa missão, nas nossas ferramentas, na nossa equipa e na capacidade de construir relações de parceria realmente impactantes no mercado português.
Assim, é com muito orgulho que agradecemos à nossa comunidade de mais de dois milhões de utilizadores e quatro mil parceiros de negócios. Eles, sim, são os responsáveis diretos por cada uma destas cinco milhões de Surprise Bags salvas.
Para o futuro, a minha maior expectativa é que a Too Good To Go continue a crescer enquanto comunidade e a inspirar e capacitar todos para a redução do desperdício alimentar. Mantenho toda a confiança na nossa equipa, nas nossas soluções inovadoras, na nossa comunidade e acredito que a Too Good To Go vai continuar neste caminho, por muito mais anos.