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“O maior desafio da Frulact foi internacionalizar preservando os seus valores”

Uma das cinco maiores empresas do mundo na sua área começou no fundo do quintal de uma moradia em Lavra. Falamos da Frulact, projeto fundado por João Miranda juntamente com o seu pai e irmão, que está hoje presente em cinco países de três continentes. A dimensão atingida pela empresa, que tem como clientes alguns dos maiores grupos de lacticínios mundiais e fatura 110 milhões de euros, dificilmente era antecipada, mas é uma consequência do seu “desassossego” e “inquietude”. A Frulact escolheu o seu caminho, consciente de que era o mais difícil, mas aquele que lhe permitia evoluir de forma sustentável, aproveitando as fissuras deixadas pela concorrência. Sem medo de arriscar e globalizar o projeto, ultrapassando a chamada síndrome de Peter Pan, como nos conta João Miranda, CEO e cofundador da empresa.

Grande Consumo – Aos 22 anos lançou a Frulact no fundo do quintal da moradia da família, em Lavra. O que o levou a abraçar este projeto? Quais os principais marcos da empresa e desafios porque passou?
João Miranda –
A Frulact é um projeto em que sou cofundador com o meu pai e o meu irmão. Acabei por ser aquele que mais usufruiu das competências técnicas dos dois e, aproveitando o meu perfil mais irreverente e empreendedor, conseguimos construir uma equipa forte e pluridisciplinar, que se revelou fundamental para o sucesso do projeto.
Na dinâmica de crescimento e desenvolvimento das empresas, há sempre momentos cruciais, em que as decisões são tomadas por intuição e “feeling”, assumindo-se o risco e fazendo elevar os níveis de adrenalina ao máximo. Mesmo contrariando todos os modelos de gestão, entendo que são esses momentos de arrojo e inspiração, devidamente suportados pela sorte, a que não é normalmente alheio o trabalho intenso e apaixonado, que fazem a diferença e tornam os projetos vencedores.
Neste percurso, as empresas vivem a chamada “síndrome de Peter Pan”. Poucas são as que assumem dar o salto, de crescer e assumir risco. Para um acionista, o processo de delegar e sair das operações, profissionalizando a gestão e passando a coordenar áreas mais estratégicas e de monitorização, é muito difícil. Mas qual será melhor? Continuar com uma empresa “small and beautiful” ou assumir este risco e dar outra sustentabilidade ao projeto?
A Frulact e os seus acionistas escolheram assumir o risco de globalizar o seu projeto, de ultrapassar esta síndrome de Peter Pan (que queria manter-se sempre criança, pois tinha medo de crescer), profissionalizando a gestão e renovando-se continuamente. Foi este “mindset” que esteve presente no nosso percurso dos últimos 30 anos. Crescer de forma sustentada, ancorados numa estratégia de internacionalização, que, por sua vez, foi sempre suportada por um forte investimento em conhecimento de mercado, produtos, processos tecnológicos ou organizacionais.
O maior desafio da Frulact foi internacionalizar preservando os seus valores, mas ajustando-se em termos culturais. Foi também criar mais e novos “Frulacteanos”, rejuvenescendo continuamente a organização, apostando em jovens, que são uma inspiração contínua e que promovem uma simbiose perfeita ao nível do conhecimento com os mais experientes. E fazer isto em diferentes geografias, com quadros oriundos de diversas culturas e religiões, para que sejamos capazes de suportar o nosso crescimento, sem nunca desvirtuarmos os valores que defendemos e o ADN Frulact, que moldam verdadeiramente a nossa identidade.

GC – Com a posição consolidada em Portugal, a Frulact abraçou um projeto de internacionalização fabril. Como decorreu este processo?
JM –
Dos 110 milhões de euros de faturação do Grupo Frulact, só cerca de 2,5% correspondem a vendas efetuadas no mercado português. Estes valores evidenciam que, se a Frulact não tivesse tido a ousadia de, passados quatro anos, iniciar o projeto, recorrer à banca para investir três milhões de euros na construção de uma unidade industrial de raiz na Maia, preparada para os mercados externos, hoje não existiríamos. Um investimento efetuado onde a única garantia era a de que acreditávamos que éramos capazes de ganhar uma quota importante no mercado de exportação, principalmente para Espanha, mesmo sem nunca termos efetuado uma única exportação.
O mesmo voltou a acontecer em 2004, quando iniciámos a construção da fábrica da Covilhã, num investimento de cerca de 15 milhões de euros direcionado para abordar o mercado francês, em que, sem qualquer compromisso de clientes, fomos os únicos a acreditar.
Havia uma opinião generalizada que deveríamos aproveitar a capacidade excessiva instalada na Europa na nossa área de atividade e comprar um “player”, em vez de aumentar ainda mais a capacidade instalada. Entendemos que não. Entendemos que a capacidade instalada era um problema da nossa concorrência, pois estava obsoleta em termos tecnológicos, e que os consumidores e o mercado necessitavam de outras garantias em termos de segurança alimentar, de qualidade dos produtos, de inovação e competitividade. Foi um risco assumido, à revelia das opiniões dos clientes e de diversos “experts”, seguindo aquela que era a nossa visão para o futuro do mercado onde nos movíamos e a forma como nos poderíamos diferenciar e ocupar um espaço próprio. Ganhámos o desafio.
Quando iniciámos a produção nesta fábrica, que é hoje considerada uma das melhores da Europa, os concorrentes eram o triplo daqueles que são hoje, tendo sido adquiridos ou simplesmente desaparecido.

GC – Porquê o norte de África?
JM –
O modelo de negócio da Frulact foi sendo ajustado à medida que fomos evoluindo. Rapidamente percebemos que, com exportações a partir de Portugal, só conseguiríamos chegar a Espanha, Inglaterra, França e Benelux de forma competitiva e que deveríamos escolher uma nova geografia, onde pudéssemos criar uma nova mancha geográfica de influência em paralelo. Sentimos, já na década de 90, com as primeiras incursões fora de Portugal, que quem liderava os mercados tinha posições dominantes em múltiplas geografias. Esta constatação suportou a definição da nossa estratégia. Havia um longo e quase impossível percurso a efetuar, no sentido de podermos ambicionar ser reconhecidos como um “player” de referência. Ser quase impossível deixou-nos ainda espaço para lutar.
A decisão do norte de África aconteceu com alguma normalidade e obedeceu a uma lógica de mercado, pois é uma zona de forte influência francesa e, já na altura, com consumos per capita de produtos lácteos frescos bastante importantes e com espaço para crescer. Não estando presentes fisicamente nesta região os principais “players” mundiais nossos concorrentes, fomos à luta para ocupar o espaço.
Este foi um processo muito difícil e penoso, em que falhámos várias vezes, com uma curva de aprendizagem muito longa, e que só a resiliência e a vontade inequívoca de não perder o que vínhamos conquistando fez com que criássemos raízes profundas e fortes em todo o norte de África e Médio Oriente e que, hoje, possamos dizer que nos sentimos em casa, que somos apaixonados pela cultura, pela gastronomia, pelos hábitos e costumes, pelos cheiros, pelo frenesim das ruas, pelas pessoas e pela sua simpatia e acolhimento.

GC – Quantas unidades de produção possui atualmente a Frulact e o que representam em termos de capacidade instalada?
JM –
A Frulact possui oito fábricas em cinco países de três continentes: Portugal, França, Marrocos, África do Sul e Canadá. Emprega mais de 700 colaboradores de 10 nacionalidades.

GC – Quanto já produz a Frulact fora de Portugal?
JM –
Este ano, a Frulact já fará mais de 50% da sua produção fora de Portugal e estamos muito próximos de conseguir um dos nossos objetivos, o da Europa pesar menos de 50% no nosso volume de negócios. A Europa representa 58% das vendas, África e o Médio Oriente 34% e a América do Norte 8%. O peso do mercado português no volume de negócios é de 2,5%, como já referido.

GC – A Frulact definiu o mercado norte-americano como prioritário para suportar a sua estratégia de crescimento e globalização. Que oportunidade detetaram neste mercado?
JM –
Já não há muitos mercados a crescer, o que dificulta a entrada de um novo “player” como a Frulact. A América do Norte é um mercado em crescimento e, mais importante que isso, é um mercado em que há muito espaço para continuar a crescer.
Os Estados Unidos da América têm um consumo per capita de iogurte que não chega a sete quilogramas e a média europeia é de cerca de 23 quilogramas. Se juntarmos a este facto as políticas que vêm sendo promovidas pelo Estado norte-americano para uma alimentação mais saudável e o combate à obesidade, então entendemos o porquê deste ser o mercado onde deveremos apostar.

GC – Porquê o Canadá? Quanto foi investido nesta unidade, em Kingston?
JM –
A Frulact iniciou a abordagem ao mercado dos Estados Unidos da América há cinco anos e era nossa primeira intenção construir uma fábrica na zona oeste, em Idaho, onde temos terreno e projeto pronto.
As dinâmicas do mercado e as naturais movimentações dos nossos concorrentes fizeram-nos corrigir a trajetória e a estratégia inicialmente definida de entrada neste importante mercado. A costa leste americana estava prevista para a segunda fase, mas entendemos que o contexto e o balanceamento entre as ameaças e as oportunidades que, entretanto, surgiram, deveriam implicar esta alteração.
O Canadá surge como uma oportunidade no momento certo. Um mercado enorme e sofisticado na oferta de lácteos frescos e em que a Frulact surge como um “player” reconhecido pela sua capacidade de inovação e proatividade, capaz de influenciar os consumidores e ajudar a estimular o consumo e a criação de valor para o sector. Foi uma aposta forte, num “green field” e numa fábrica com a tecnologia mais atual.
Kinsgton, a cidade que escolhemos para colocar a nossa base industrial, foi agora reconhecida como a melhor pequena cidade da América do Norte para investir, o que nos deixa muito contentes, pois sentimos que efetuámos a aposta certa. A partir daqui, contamos ganhar rapidamente o mercado canadiano e estamos a pouco mais de 250 quilómetros de Nova Iorque e a poucas centenas de quilómetros da grande bacia de produção de leite da costa leste americana, onde se concentram também os nossos clientes.
O investimento foi de 20 milhões de euros.

GC – Os Estados Unidos da América ainda fazem parte dos planos da empresa?
JM –
Os Estados Unidos da América continuam a ser o nosso mercado-alvo, pois a sua dimensão permite-nos cumprir com os objetivos que temos definidos em termos de crescimento. Estou certo que, ainda este ano, estaremos a fornecer o mercado dos Estados Unidos a partir do Canadá e que, já no próximo ano, este mercado terá maior peso nas nossas vendas que o próprio Canadá. Kingston será a plataforma geoestratégica de abordagem à costa leste e a porta de entrada para os Estados Unidos. Esperamos, após consolidação deste forte investimento no Canadá, prosseguir o caminho de crescimento e globalização do projeto Frulact. No momento se avaliará se Idaho, na costa oeste dos Estados Unidos da América, será a nossa escolha.

Esta entrevista foi publicada na edição 45 da Grande Consumo. Leia aqui o desenvolvimento.

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