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“Mais do que uma marca de produtos menstruais eco-friendly, a Clementine pretende ser uma referência na educação menstrual e sexual”

Clementine é a marca portuguesa de produtos menstruais “eco-friendly”, com uma importante missão: contribuir para a educação menstrual. Marta Cardoso, que numa viagem em família pelo mundo se deparou com a quantidade de lixo gerada pela humanidade, lançou mãos à obra com o objetivo de minimizar o impacto ambiental dos produtos menstruais. Em 2019, lançou os seus primeiros produtos (os tampões e pensos higiénicos ‘eco-friendly’ desenvolvidos à base de algodão orgânico, bambu e amido de milho) e, este ano, ampliou a gama com a sua opção mais “zero waste”: o copo menstrual. A Clementine já conquistou clientes em mais de 48 países, com um modelo de negócio que foi “sempre pensado para 100% online e por subscrição”.

 

Grande Consumo – O que motivou a criação de uma marca de produtos “eco-friendly” para o período menstrual? Fazia falta, neste segmento, uma proposta amiga do ambiente?

Marta Cardoso – A Clementine surgiu após uma viagem à volta do mundo, que fiz com a minha família. Depois de uma doença num membro próximo da família, eu e meu marido decidimos fazer algo que sempre quisemos fazer: parar e fazer uma viagem de seis meses a um ano. Decidimos não adiar mais, pois a vida surpreende-nos sem o estarmos à espera e mais vale aproveitar enquanto podemos. E foi assim que, com três filhos de 4, 6 e 8 anos, fizemos as malas e nos pusemos a caminho para viver o nosso sonho.

Marta Cardoso, fundadora da Clementine

Uma das coisas com as quais fomos muito impactados, na Ásia, foi a quantidade de lixo que se encontrava nas ruas, nas praias, em todo o lado. O difícil foi explicar aos nossos filhos que os culpados daquilo tudo éramos nós, os humanos. E assim, durante a viagem, ia crescendo uma vontade de querer fazer algo para ajudar a tornar o nosso planeta mais verde e habitável para os meus filhos. Foi com este “mindset” e esta vontade de ser parte ativa na redução da pegada ecológica, que, ao regressar a Lisboa, procurei lacunas de mercado onde pudesse fazer a diferença. Foi quando percebi que os produtos menstruais, que usamos desde os 11 ou 12 anos, estão cheios de plásticos e químicos. Nunca tinha parado um segundo da minha vida a pensar nisso, e no meu dia-a-dia já tinha um grande cuidado na escolha de produtos sustentáveis.
Para mim, só fazia sentido fazer algo que me ajudasse e ajudasse outros a reduzir a sua pegada ecológica. Por isso, ao encontrar esta falha grande na categoria de produtos para a higiene íntima feminina, pois a oferta anda à volta de produtos com muitos químicos e repletos de plástico na sua composição e na sua embalagem, tomei a decisão. Ora, se metade da população mundial é feminina e se cada mulher é menstruada, em média, durante cerca de 40 anos, o potencial na redução da pegada ecológica é gigante. Por cada mulher que compre os produtos Clementine, reduzimos o desperdício dela, todos os meses, até à menopausa. Gestos pequenos que têm um impacto gigante.
O facto de ter trabalhado em marketing em multinacionais de Fast Moving Consumer Goods a vida toda deu-me a experiência e o “drive” necessário para iniciar de raiz um projeto com esta dimensão e esta ambição.

 

GC – Como tem sido a recetividade do consumidor português? Pode-se dizer que o segmento “zero waste” está a expandir-se e a atrair mais consumidores?

MC – O público português está a demorar mais tempo a aderir a esta opção mais “eco-friendly” do que alguns países na Europa, onde já existe maior consciência do impacto na pegada ecológica dos produtos menstruais.
As soluções “zero waste” (copo menstrual, cuecas menstruais e pensos reutilizáveis) têm adesão semelhante nos vários países, mas são procuradas por um “target” já com uma consciência ambiental muito grande, que, para além do plástico, pretende acabar com o desperdício, mas representa ainda um nicho.

 

GC – Em quantos países já vendem no total? Que percentagem das vendas totais pertence ao mercado nacional? É um número que consideram encorajador?

MC – Atualmente, 80% das vendas é feito fora de Portugal, estando os mercados mais relevantes centrados no Reino Unido, Itália, Irlanda, Alemanha e Espanha. Queremos ser a marca de referência na Europa, no que respeita ao período menstrual e sexualidade, a pensar na mulher e no ambiente.

 

Clemetine

 

GC – A Clementine assume-se como uma marca de referência na Europa em produtos para a menstruação amigos do ambiente. Que medidas tem adotado a marca para reduzir a sua pegada ambiental?

MC – A Clementine tem, per si, um grande impacto a três níveis. O impacto ambiental, já que, por cada produto Clementine utilizado, significa menos um produto cheio de plástico que vai parar aos aterros e oceanos. Um estudo da União Europeia diz que o aplicador de plástico dos tampões é o quinto item mais encontrado nas praias europeias, mais do que as palhinhas de plástico. E isto é um dado que é desconhecido da população em geral. Fizeram-se grandes campanhas para terminar com as palhinhas de plástico, mas não se fala deste tipo de produtos.

Outro é o impacto na saúde. Os nossos produtos não têm químicos, como lixívia e cloro ,que podem provocar irritações e alergia. 

Finalmente, o impacto social, no sentido do combate à pobreza menstrual nos países subdesenvolvidos, ajudando que meninas tenham igualdade de acesso à escolaridade, simplesmente, por terem produtos menstruais.

Para além disso, as nossas embalagens são biodegradáveis e todas as encomendas são enviadas por um correio padrão. Isto significa que não fazemos uma entrega específica de encomenda para cada casa. As nossas encomendas são adicionadas a correios locais e entregues por um carteiro que, de qualquer das formas, já tinha previamente como objetivo passar nos destinos ou nas zonas para onde são feitas as encomendas. Com este método de entrega, estamos a eliminar uma parte das rotas de mercado (de entrega de produtos em loja e transporte do produto da loja para a casa das pessoas). Sabemos que há um longo caminho a percorrer e a trabalhar com os nossos parceiros, no que respeita a melhorar as nossas práticas e salvaguardar o planeta.

 

GC – Qual é a situação que atravessa o segmento “eco-friendly” em Portugal? Como se tem desenvolvido, em termos de número de consumidores, face ao panorama europeu?

MC – Apenas sabemos que, no último ano, mais de metade do crescimento das vendas online na Europa vem de produtos com uma proposta de sustentabilidade e que oito em cada 10  consumidores estão dispostos a fazer escolhas mais “eco-friendly” e a serem mais sustentável.

 

GC – Quais são as principais barreiras ao crescimento deste segmento em Portugal?

MC – A grande barreira, que julgo ser comum a todos os países, é o preço. O aparecimento do plástico, uma matéria-prima barata, veio tornar possível produções em massa, tornando acessível a milhões de pessoas milhões de objetos diferentes, fazendo parte do nosso dia-a-dia.

O inverso acontece com os produtos “eco-friendly”, produzidos em menor escala, com materiais que não permanecem no ambiente durante séculos, e isso vai refletir-se diretamente no preço final.

No nosso caso, uma mulher que substitua os produtos que se encontram nos supermercados pelos nossos implica, em média, um gasto de quatro a cinco euros a mais por mês. Grande parte acaba por não fazer a substituição, pois toma uma decisão pouco relativizada entre custo e benefício do produto, não só para elas, como também para o ambiente. Provavelmente, nesse mês, vão gastar esses cinco euros noutras coisas, mas pensam sempre que pouparam, pois não compraram um produto mais caro.

Cabe também a nós, como consumidores, substituir produtos não “eco-friendly”, por produtos que o sejam, pois quanto maior a procura, maior a produção e menor o preço de venda final.

 

ClementineGC – Quais foram os principais desafios que tiveram que superar na criação deste projeto?

MC – O custo de produção deste tipo de produtos torna o projeto desafiante. As fábricas estão preparadas para grandes produções em massa, que otimizem produtividades com materiais baratos. A produção destes produtos com ingredientes premium, como o algodão 100% orgânico, sem químicos, encarece o produto e provoca quebras de produtividade nas linhas de produção, que são o terror de qualquer diretor de produção. Isto faz com que o produto final seja mais caro do que o que se encontra nas prateleiras dos supermercados e, por isso, pode ser uma barreira à democratização da sua utilização.

 

GC – Onde é que se pode encontrar a marca Clementine em Portugal? Estão disponíveis em lojas especializadas ou também na grande distribuição?

MC – A Clementine foi lançada com a grande missão de “evangelizar” as mulheres para a necessidade de tornarem os seus períodos menstruais mais amigos do ambiente e sem químicos que as prejudicam, acessível através de uma subscrição customizada mensal.

O modelo de negócio foi sempre pensado para 100% online e por subscrição, pois o online permite chegar a muitas mais mulheres. Os Estados Unidos da América, onde a subscrição de produtos tem mais de 10 anos de maturidade, serviu como referência e era ainda inovadora na Europa.

Dada a nossa diferenciação de produto, ao longo do tempo, foram surgido pedidos para a Clementine ser vendida em lojas de produtos “eco-friendly” e, hoje, estamos presentes em mais de uma dezena de lojas, fora de Portugal, online e físicas. Em Portugal, estamos presentes na loja Maria Granel.

 

GC – Porque foi importante para a marca oferecer uma subscrição mensal à medida do período de cada mulher?

MC – Cada mulher é diferente e são também diferentes os seus ciclos menstruais. Ao longo de um ciclo, o fluxo menstrual varia muito, desde o primeiro dia até ao último, e são usados produtos com tamanhos diferentes e capacidade de absorção diferentes. Isto faz com que, todos os meses, a mulher tenha que comprar diferentes embalagens de diferentes tamanhos para um só ciclo.

Com a Clementine, permitimos que seja cada mulher a fazer essa customização, sem ter que comprar muitas embalagens, quando só precisa de dois ou três produtos de cada. Assim, em cada ciclo, é adquirido apenas o que é preciso para esse ciclo e nós entregamos em casa. Acabaram-se as corridas de última hora ao supermercado porque fomos apanhadas desprevenidas. Esta subscrição pode ser alterada ou cancelada sempre que a mulher quiser.

 

GC – Com quantos colaboradores conta a equipa da Clementine? Há intenção de aumentar a equipa, nos próximos anos?

MC – A Clementine é uma startup em fase seed, o que significa que a equipa é reduzida e cada um tem que ser polivalente nas várias áreas do negócio, contribuindo quando necessário. Tanto posso estar a definir estratégia, como a fazer “handling”, como a fazer código no nosso website. Nunca sabemos os desafios que surgem em cada dia, apenas sabemos que temos que ser flexíveis e resilientes, pois a satisfação do consumidor está no centro da nossa atividade .

Naturalmente, temos como objetivo fazer crescer a equipa, nos próximos anos. Esse crescimento estará diretamente relacionado com o crescimento das vendas.

 

GC – “A Clementine é um espaço de partilha para a educação menstrual”. De que forma têm trabalhado para melhorar a compreensão sobre a saúde menstrual?

MC – Mais do que uma marca de produtos menstruais “eco-friendly”, a Clementine pretende ser uma referência na educação menstrual e sexual, sempre com a vertente de sustentabilidade. Faz parte da nossa visão, a criação de uma comunidade, com a qual possamos falar abertamente sobre saúde menstrual e combater todos os mitos e tabus que ainda existem à volta deste tema. Um espaço onde não se tenha medo de dizer a palavra vagina, onde não haja julgamentos sociais.

Queremos que em todas as fases – da menarca até à menopausa- as mulheres possam obter informação real, verdadeira, de confiança e abordada sem estigmas e tabus. Para isso, foi criado um espaço no site chamado de Clementalks, onde se poderá encontrar toda esta informação. Associámo-nos a um projeto-piloto nas escolas, onde a sexóloga  Vânia Beliz irá falar destes temas e deixar nos WCs produtos menstruais amigos do ambiente, que possam ser usados, quando a menstruação aparece sem se estar à espera.

Colaboramos ainda com a iniciativa Todas Merecemos, que tem como objetivo combater a pobreza menstrual que existe em Portugal e ninguém fala nisso por vergonha.

 

 

GC – Como esperam encerrar o exercício de 2021? Que objetivos ou novidades têm para 2022?

MC – As vendas têm crescido de forma consolidada e já vendemos para 48 países, o que nos deixa muito felizes. É muito gratificante saber que estamos a ajudar as mulheres na sua jornada mais sustentável e amiga do ambiente.

Quando se fala em COP26 e nos acordos celebrados, iniciativas como a da Clementine têm que ser apoiadas e valorizadas pelos vários agentes económicos. Infelizmente, este ano, tivemos um problema de abastecimento, que se atrasou, e isso implicou alguma estagnação nas vendas. As nossas clientes estão no centro de tudo que fazemos e, por isso, o produto existente em stock teve que ser direcionado para as nossas subscritoras atuais.

 

GC – Que previsões fazem para os próximos anos, a respeito do universo de produtos amigos do ambiente, e, mais especificamente, de produtos “eco-friendly” para o período menstrual?

MC – Hoje, a consciência das mulheres para a sua poluição mensal, relacionada com o seu ciclo menstrual, ainda é pouco presente. Há imensas que têm cuidados no seu dia-a-dia por uma vida mais sustentável, mas não pararam um minuto para pensar no impacto gigante que fazem, todos os meses, já para não falar do mal que fazem à sua saúde íntima.

Existe um grande trabalho, por parte das marcas como a nossa, em falar sobre o assunto, evangelizar o maior número de mulheres possível. Acredito que, em poucos anos, os produtos menstruais “eco-friendly” sejam o “mainstream”, com preços mais baratos, permitindo a democratização do seu uso. Nessa altura, os produtos que estão, hoje em dia, à venda nos supermercados, cheios de plástico e químicos, serão o nicho.

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