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Futuro da produção alimentar: aprender com a natureza a tornar-se menos dependente do petróleo e das importações

Foto Shutterstock

O conflito na Ucrânia confronta-nos com realidades políticas e ambientais sobre a forma como a produção alimentar precisa de se libertar da dependência excessiva dos combustíveis fósseis e das importações.

O Programa Alimentar Mundial informa que a Rússia e a Ucrânia, combinadas, representam pouco menos de 30% das exportações globais de trigo e o Observatório da Complexidade Económica afirma que, em tempo de paz, só a Ucrânia produz 13% do milho global e é responsável por 45% das exportações globais de óleo de girassol bruto.

Em 9 de março, o Governo ucraniano anunciou a proibição das exportações de centeio, cevada, trigo mourisco e milho, até ao final do ano, o que suscitou alertas de uma nova “pandemia de fome” por parte do Programa Alimentar Mundial.

 

Futuro

De acordo com a pesquisa do “Barómetro de Sustentabilidade da Mintel 2021”, apenas 28% dos consumidores inquiridos em 16 países citou a “escassez de alimentos devido à seca ou à falência das culturas” como uma das cinco principais preocupações ambientais. A título de comparação, 52% citou a poluição por plásticos.

Embora a atual perturbação da produção alimentar na Ucrânia seja o resultado de uma intervenção militar, e não de fatores ambientais, apresenta uma previsão provável das pressões que se esperam, com as colheitas, em tempo de paz, a estarem cada vez mais suscetíveis de serem afetadas pela seca.

De acordo com o Centro de Investigação Climática de Woodwell, até 2030 as falhas no rendimento das culturas serão 4,5 vezes mais elevadas do que hoje e o mundo enfrentará uma grande falha na colheita de arroz ou trigo, de dois em dois anos, com as colheitas de soja e milho a estarem ainda mais vulneráveis. A Mintel nota que o trigo é especialmente dependente da água e, na Índia, por exemplo, 97% das culturas já é cultivado em zonas de elevado stress hídrico, definidas como aquelas em que quase todos os recursos estão a ser utilizados.

Entre os países que impuseram sanções severas contra a Rússia, muitos mantêm um certo fornecimento de petróleo russo, destacando a dependência dos combustíveis fósseis importados, o que também se aplica à agricultura. A Rússia é o maior exportador mundial de adubos sintéticos e, com os preços a subirem, numa única semana, de 772 euros por tonelada para 1187 euros, os agricultores podem ver-se obrigados a utilizar fertilizantes orgânicos provenientes de explorações pecuárias.

 

Soluções científicas, princípios naturais

O conflito na Ucrânia pressiona para uma necessidade mais ampla de alimentos mais fiáveis e duráveis, de que é bom exemplo o “arroz de água do mar”, desenvolvido em Jinghai, na China, quando os cientistas se viram confrontados com a subida do nível do mar e com o objetivo de alimentar mais 80 milhões de pessoas.

Do ponto de vista do consumidor, é encorajador que a investigação do Barómetro de Sustentabilidade do Mintel 2021 mostre que 64% das pessoas, em todo o mundo, perceba que “as culturas alimentares geneticamente modificadas para resistir às pragas e/ou às alterações climáticas” têm um impacto positivo elevado a moderado no ambiente, mas, mais amplamente, a falta de fé na ciência representa um grande obstáculo. Apenas 45% dos consumidores globais concorda que “a ciência pode fornecer soluções para a crise climática”, enquanto apenas 48% acredita que “os alimentos cultivados em laboratório (por exemplo, carne de laboratório) podem ter um impacto positivo elevado a moderado no ambiente“.

Tudo isto reflete a confiança duradoura dos consumidores no que é “natural”, mesmo quando o natural é finito, ameaçado e insustentável, diz a Mintel Na realidade, as soluções futuras dependerão, provavelmente, da aplicação da inovação científica aos princípios infalíveis da natureza.

Em termos de sustentabilidade, isto resume-se a três práticas-chave: desperdício é igual a alimento, uma vez que, na natureza, o desperdício de um organismo (incluindo a sua morte) é a entrada para outro organismo, criando um sistema circular; usar o rendimento solar atual e aprender como os organismos prosperam com a energia do sol e como a vida vegetal fabrica alimentos a partir da luz solar e, por último, celebrar a diversidade e imitar a forma como os ecossistemas e os seus organismos se enquadram num sistema para criar um todo funcional.

 

Nutrir a natureza

A boa notícia, de acordo com a Mintel, é que já se está a conseguir transformar estes três princípios. No centro do primeiro está uma vontade prudente de maximizar recursos. Por exemplo, no Parque Eco-Industrial Rizhao, na China, o governo insistiu na simbiose industrial, tal como delineada na Lei de Promoção da Economia Circular do país, por isso, uma fábrica de fertilizantes é alimentada com um subproduto do açúcar, proveniente de uma cervejaria próxima.  No Reino Unido, os mesmos princípios estão a funcionar, a nível comercial, na fábrica de Wissington da Sugar’s, onde os produtos provenientes da transformação de beterraba são transformados em produtos orgânicos, para corrigir a acidificação do solo, o xarope de açúcar de beterraba em combustível renovável e a levedura em alimentos para animais.

Na Finlândia, a proteína em pó Solein apresenta um grande exemplo do rendimento solar aproveitado pela ciência. O seu fabricante, a Solar Foods, admite que está a “seguir o manual da natureza“, adaptando as técnicas tradicionais de fermentação num processo que afirma ser 20 vezes mais eficiente do que a própria fotossíntese.

Para celebrar a diversidade, os governos e as empresas devem conservar a biomassa e os recursos e travar uma maré de extinção que já viu 27 mil espécies animais e vegetais perdidas globalmente, de acordo com a WWF.

As empresas também devem trabalhar para a assegurar o futuro da diversidade e expandir as opções. Na montanha Platåberget, na Noruega, o Svalbard Global Seed Vault armazena um milhão de variedades de culturas de cinco mil espécies (dois quintos de todas as variedades em todo o mundo) para as proteger contra a extinção. O seu ethos é: “a diversidade das culturas é a base da nossa produção alimentar. Permite que as nossas culturas alimentares se adaptem ao clima e às mudanças populacionais que estão por vir. As sementes contêm a matéria-prima que os cientistas e criadores de plantas podem precisar para melhorar o rendimento, a resiliência ou a resistência à doença das variedades agrícolas que os agricultores plantam“.

A diversidade celebrada, ao nível de bens de consumo, através de marcas como a Bird e Wild Coffee, do Reino Unido, que se agarram resolutamente às práticas naturais e sustentáveis de café, que preservam o ambiente natural em favor do curto prazo.

Em Bordéus, França, a VitAdapt está a plantar novas castas para combater as alterações climáticas e quebrar uma hegemonia onde 12 uvas francesas representam 80% do mercado global, quando, de facto, existem seis mil variedades de vitis viniferea – a videira de vinho comum – para serem exploradas e exploradas.

 

Aproveitar a eficiência de recursos da natureza

A natureza também pode ensinar algumas coisas sobre a eficiência dos recursos. Considere-se que os grilos, cujo peso é 60% proteína e que atingem a idade adulta em apenas sete semanas. Em termos de “inputs” na alimentação, são 12 vezes mais eficientes do que as vacas na geração de proteínas

Se queremos continuar a criar carne de bovino, então porque não alimentá-los com algas, como a Volta Greentech está a fazer em Estocolmo. Pode reduzir as emissões de metano em 80% e contribuir para uma forma latente de agricultura aquática, que possa alimentar as capacidades de captura de carbono da natureza a uma escala sem precedentes”, sublinha a Mintel.

O Instituto Smithsonian pede para imaginar um mundo onde 9% do oceano está coberto por explorações de algas, capturando 19 gigatoneladas de carbono, por ano, metade das emissões, e gerando 12 gigatoneladas de gás biometano para combustível. “As algas marinhas podem parecer muito longe dos cereais ucranianos, neste momento, e cultivar o fundo do mar, a esta escala, pode parecer fantasioso, até para Júlio Verne, mas abraçar os princípios da natureza, com estimulação científica e capacitação, pode libertar-nos de uma dependência incapacitante dos métodos agrícolas ‘feitos pelo homem’”, conclui a consultora.

Por Carina Rodrigues

Responsável pela redacção da revista e site Grande Consumo.

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