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Como está o porco a lidar com o coronavírus?

preço do porco
Pedro Matos, consultor

Mantenho a introdução: os negócios, como a vida, são muito efémeros. O que hoje é uma realidade insofismável amanhã pode ser completamente discutível. As variáveis são inúmeras e ninguém controla tudo.

Foi divulgado, recentemente (abril 2020), um relatório da Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América (USDA) sobre as perspetivas para o comércio e mercados mundiais de carne – bovino, suíno e aves –, tendo em conta a pandemia da Covid-19 e o seu impacto.

 

Resumidamente, diz o relatório que as previsões globais de exportação para o comércio de carne bovina e de frango foram reduzidas devido a ameaças emergentes de propagação do vírus Covid-19. A carne suína mantém-se devido à elevada procura da China, por diminuição do seu efetivo em função da peste suína africana (PSA). As previsões de crescimento económico foram cortadas para 2020 e o impacto da Covid-19 sobre os consumidores diminuirá a procura por proteína animal.

 

Horeca e turismo prejudicam

O encerramento global de restaurantes e outros serviços de alimentação, aliado à alteração esperada nas futuras regras de funcionamento destes estabelecimentos, originará desvios de consumo entre as três principais fontes de proteína animal. E também nos hábitos dos consumidores nas refeições fora de casa.

Também a redução do turismo e das viagens alterará a procura de proteína entre as carnes, pois os consumos variam muito entre destinos e menos turismo significa menos “fast food”, assim como menos restauração a funcionar.

Além disso, as interrupções no transporte já impactaram o comércio global, ao entupir portos e restringir o acesso aos contentores de frio, que ficaram estacionados nos portos da Ásia por não poderem ser descarregados. E só muito recentemente começaram a estar disponíveis para as exportações mundiais.

 

Peste Suína Africana

A PSA continua a ser na China e noutros países um fator dominante no mercado de carne suína. As exportações aumentam e espera-se que a produção de suínos, acentuadamente mais baixa na China, ainda impulsione o comércio recorde em 2020. No entanto, a Covid-19 acrescentou muita incerteza significativa às previsões e espera-se que perturbe substancialmente o comércio em 2020.

Falando especificamente da carne de suíno. A previsão global de produção baixa 2,3%, para 94,3 Mio Ton métricas. As dificuldades da China em combater a PSA preveem uma diminuição na sua produção e consequente recuperação do seu efetivo, que é o maior do mundo. E mesmo o aumento de produção na União Europeia, Estados Unidos da América e Brasil não compensa a diminuição prevista na Ásia, apesar da procura chinesa impelir os produtores a produzir mais e mais. Também o consumo se revê em baixa, estimando-se que seja o menor dos últimos cinco anos.

As exportações mundiais de carne de suíno deverão aumentar para as 10,5 Mio Ton métricas. Este aumento deve-se à procura gerada pela China, responsável por 40% das importações mundiais de carne de porco. Aliás, à exceção da China, todos os outros principais mercados de importação veem o seu “outlook” diminuído ou sem alterações (ver quadro abaixo). E o grande responsável por isso é a Covid-19 e o seu impacto na economia: menores crescimentos económicos, mais desemprego e alterações no canal Horeca tendem a diminuir a procura.

 

 

E em Portugal?  

Após um pico máximo (acima dos máximos de 2019) registado a 5 e 12 de março, em Lérida, com o porco vivo a 1,54€/kg, as cotações recuaram, desde então, chegando a 16 de abril ao valor de 1,43€/kg. São menos 0,11€/kg que, multiplicados pelo peso médio do porco ao abate e pelo número de porcos abatidos, dá um valor considerável.

Curiosamente, foi na semana de 10 de março que o coronavírus começou a ser levado em atenção pelas autoridades de saúde espanholas. Relembro que, a18 de março, o jornal Público escrevia sobre os nossos vizinhos, e passo a citar “a 10 de março, havia já 1.024 casos confirmados e já 28 mortes contabilizadas”. Resultado? A 15 de março as autoridades espanholas decretaram o estado de emergência e confinaram às suas casas 47 milhões de “ciudadanos”. O tema não era para levar levianamente.

E, desde aí, as cotações do porco em Lérida recuaram, apesar da intenção de compra chinesa se manter em alta. E para durar em 2020 e adiante, seguramente. E não só em Lérida. Também na Alemanha e Dinamarca, os outros dois grandes exportadores europeus de porco para a China, as cotações recuam desde meados de março.

Numa altura em que as relações comerciais entre China e Estados Unidos começavam a endireitar-se, com a diminuição das taxas aduaneiras de importação da carne americana na China, recebemos as piores notícias do outro lado do Atlântico, com o encerramento de fábricas e matadouros, devido à contaminação e propagação do coronavírus, a colocarem em causa o próprio abastecimento interno e, consequentemente, as exportações. Primeiro, foram a Tyson e a Cargill a informarem que fecharam algumas das suas unidades e agora foi a Smithfield Foods, Inc, a anunciar o encerramento indefinido de uma fábrica que representa 4% a 5% da produção norte-americana de carne de porco.

Ora, isto vem colocar, ainda, mais pressão na produção europeia, pois só a União Europeia consegue fornecer o mercado chinês nas quantidades necessárias. E isso deveria levar os preços a aumentar. Mas não. O coronavírus vem desestabilizar toda esta equação entre oferta e procura, pois afeta-nos a todos. Ao mundo todo. É, de facto, uma ameaça global!

 

Origem como factor de risco

Se, numa primeira fase, o risco estava no destino, agora está mais na origem. Apesar da procura da China e da sua posição compradora, o maior problema prende-se com o coronavírus na origem, onde as medidas restritivas de contenção são públicas e a opinião pública tem muito peso nas políticas estatais. É que, com a restrição de circulação de pessoas, o confinamento, os lay-offs, a falta de coragem do Estado em criar medidas radicais de apoio ao emprego e às empresas, etc., o tecido empresarial de cada país “arde lentamente”. As pessoas não vão trabalhar e fecham os matadouros e as fábricas. Os porcos engordam e quem precisa abater animais são os produtores que têm que os vender mais baratos. Para ajudar, o encerramento dos restaurantes, cantinas, snacks, centros comerciais, etc. leva a uma diminuição de consumo fora de casa, onde o porco é rei!

Vamos ver no início de maio, com o levantamento de algumas restrições provocadas pela Covid-19, como o mercado se comportará. Todos sabemos que nada será igual a antes, mas também sabemos que, de onde estamos atualmente, só poderemos melhorar. A incerteza é grande, mas a esperança de dias melhores também.

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