António e a Lâmpada Mágica!

Armando Mateus, Chief Experience Office Touchpoint Consulting
Armando Mateus, Chief Experience Office da Touchpoint Consulting

ERA UMA VEZ António, um jovem adolescente que se recusava a aprender o ofício do pai, homem do marketing, e dedicava todo o seu esforço a estudar os escritos e a palavra, de forma a conseguir tornar-se príncipe do reino, casando com a filha do sultão.

Tal como nos conta Xerazade num dos contos das Mil e Uma Noite sobre Aladino, também António era travesso e preferia brincar a trabalhar. Por este motivo, era descrito pelos que se lhe opunham como mau e desobediente, sempre à procura do melhor caminho para o poder absoluto.

O caminho despreocupado de António fazia-se no meio de muitos jovens e prados de rosas, mas foi subitamente interrompido quando, um dia, se cruzou com um feiticeiro de origem sampaísta, que lhe confiou a missão de obter uma “lâmpada mágica”, uma lamparina semelhante àquelas utilizadas na iluminação doméstica, mas que continha um génio que a habitava e que era capaz de realizar todo e qualquer desejo.

De forma astuta e determinada, o jovem partiu em direcção ao jardim encantado e à gruta onde se encontrava a lâmpada, sem olhar para as diversas riquezas e preciosidades que o tentavam pelo caminho. Usando o anel de protecção do seu mestre, António rapidamente encontrou a lamparina mágica, mas recusou-se a entregá-la. Abandonado à sua sorte, nada mais lhe restava do que, dizem por acaso, esfregar a lâmpada e pedir o seu primeiro desejo ao génio da lâmpada.

 

Primeiro desejo

O primeiro desejo foi, nada mais nada menos, do que ser promovido a membro da assembleia do reino, local onde se decidiam as leis e onde muitos faziam pouco e poucos faziam muito. Um desejo que rapidamente o colocou no caminho para o sultanado e que lhe permitiu acumular cargos nos concelhos limítrofes da capital, qual membro da nobreza. Mesmo sem lhe ser concedida a liderança de qualquer dos territórios limítrofes, rapidamente percebeu que tinha aprendido algo com o seu pai, que a imagem era importante. Com a ajuda dos seus amigos sampaístas, de um burro e de um cavalo vermelho, rapidamente se tornou conhecido e amado pela população.

E nem foi preciso pedir o segundo desejo ao génio para chegar ao governo do reino, bastou fazer como Caio Cassio no império romano e juntar-se a quem anteriormente tinha sido adversário. Desde os assuntos do parlamento aos temas da justiça, rapidamente cavalgou no caminho para a administração do reino, mesmo tendo de deixar romanos e se juntando a gregos.

 

Segundo desejo

Mas eis que chegou o tempo de pedir ao génio o segundo desejo, o desejo de liderar a cidade capital do reino, um cargo imediatamente abaixo do sultão. Com o dom da palavra obtido nos seus estudos socráticos, conseguiu juntar opositores de longa data e reinar a cidade durante quase uma década, deixando aos seus habitantes um local pacificado, mas com pouco mais do que promessas. Promessas de uma cidade mais próxima dos seus habitantes, promessas de uma cidade preparada para os dilúvios e promessas de menos taxas e taxinhas.

Mas a ambição de António ainda estava a começar e rapidamente voltou a esfregar a lâmpada e pediu o seu terceiro desejo, ser o príncipe do reino e reinar sobre todas as províncias, casando em simultâneo com as duas filhas do sultão. E que forte foi este desejo, o génio teve de recorrer a toda a sua magia para conseguir uma autêntica geringonça, termo usado para quando todos dizem para virar para a direita e de repente se vira para a esquerda.

Cansado pelo desejo concedido, o génio decidiu que era tempo de deixar a função e a lâmpada ao seu dono, para que o outrora jovem brincalhão e travesso, se tornasse a figura central do reino. E pouco tempo passou desde esse momento até que António voltou a virar costas aos seus outrora aliados e a assumir o poder absolutista, manifestando numa Visão o seu verdadeiro ser todo-poderoso.

 

Técnicas de marketing e da magia como ponto forte

Fazendo das técnicas de marketing e da magia o seu ponto forte, os anos transformaram o jovem no verdadeiro génio da lâmpada, onde tudo o que tocava se tornava banhado a ouro oco, dando um pouco a poucos e tirando muito a muitos, tornando a média mais vazia.

A sua capacidade de prestidigitação era por muitos invejada, transformando promessas de rendimentos futuros em menores rendimentos actuais, oferecendo 125 punhados de ouro a todos os habitantes do reino para os manter animados, depois de meses de graves doenças, diminuindo o dízimo mensal a pagar ao sultão sem diminuir a colecta anual ou aumentando os ganhos dos cidadãos muito abaixo do aumento dos preços dos bens essenciais.

 

Um novo e resiliente desejo, conhecido por todos por PRR

Mas eis que o novo génio decidiu esfregar a lâmpada e conceder a si próprio e ao reino um novo e resiliente desejo, conhecido por todos por PRR, uma sigla associada aos mais brilhantes actos de ilusionismo, como a recapitalização de empresas em risco de falência pela má gestão. Quem se não o mais brilhante dos génios conseguiria ir buscar riquezas a outros reinos, entregar essas riquezas a lacaios para as administrar e fazer com que o reino continuasse na mesma? Um labirinto de palavras e prazos que poucos conseguiam decifrar e um punhado de moedas difícil de alcançar pelos quase dois milhões de pequenas e médias empresas que sustentavam a economia do reino.

E qual foi o desejo seguinte que António pediu na Lâmpada Mágica? O caminho já estava traçado e documentado num complexo escrito a que chamavam orçamento mágico, onde se escrevia sobre bilhas solidárias, dedução em IRS de jornais e revistas, IVA das bicicletas e das conservas ou apoio a unicórnios de capital não nacional, mas onde não se falava de apoios à natalidade, onde não se falava da criação de um mercado imobiliário que permitisse aos jovens ter habitação nas cidades do reino, onde não se falava de critérios de avaliação do serviço público que consumia a maioria dos recursos do reino.

 

Novas fontes de rendimento

O próximo ano do reino seria, mais uma vez, focado na criação de novas fontes de rendimento para o sultão e para o génio, sob a forma de contribuições solidárias, mesmo em sectores e empresas que muito tinham contribuído para que a epidemia da inflação não chegasse a níveis superiores aos que já nos atingiam. Infelizmente, os próximos tempos não seriam de fartura para os habitantes do reino, não lhes permitindo poupar e acautelar o futuro, já que estariam demasiado preocupados com taxas e taxinhas.

Não teria sido tão melhor se o feiticeiro tivesse castigado António e não lhe tivesse concedido nenhum dos desejos?

* O autor escreve ao abrigo da grafia pré-Acordo Ortográfico

Este artigo foi publicado na edição N.º 78 da Grande Consumo.

Armando Mateus, Chief Experience Officer da TouchPoint Consulting International
Armando Mateus
Chief Experience Officer da TouchPoint Consulting

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