O aumento da carga fiscal e a subida generalizada de preços, causada pela inflação, são algumas das principais preocupações dos operadores portugueses de bebidas espirituosas.
O assunto foi debatido na conferência sobre a fiscalidade do sector, durante a qual foi apresentado um documento conjunto da Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas (ANEBE) e da EY Portugal, com a prestação de contas relativa à execução orçamental do imposto especial sobre o consumo IABA (imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes).
Do evento resultou a conclusão de que a previsibilidade a nível fiscal alavancará a maior capacidade de oferta do sector, através de um aumento da capacidade produtiva e das oportunidades de internacionalização, assegurando, assim, a angariação de novos mercados.
“2022 foi um ano de recuperação, mas 2023 vai ter uma descida. Por causa da inflação e do aumento do custo das matérias-primas, as empresas de bebidas espirituosas ainda estão a recuperar o que perderam e uma das questões principais da nossa indústria é a fiscalidade, porque temos um imposto adicional que nos onera e que tem impacto na capacidade das empresas de criar riqueza. Por isso, pedimos para não aumentarem esse imposto”, advertiu João Vargas, secretário-geral da ANEBE.
O relatório da ANEBE e da EY Portugal revela que, no primeiro trimestre de 2023, o valor das introduções no consumo de bebidas espirituosas diminuiu cerca de 8,6% face ao período homólogo de 2022 em Portugal Continental, o que se traduziu num decréscimo de receita fiscal em sede de IABA. Esta situação deve-se, essencialmente, ao aumento deste imposto na categoria de bebidas espirituosas em 4% em sede de Orçamento de Estado para 2023, depois de ter estado congelado durante alguns anos.
“A atividade turística tem um peso relevante na nossa economia e um dos grandes temas relacionados com o turismo é a taxa de incorporação de bebidas nacionais. Nos últimos dois anos, tivemos fenómenos relacionados com o aumento inflacionista e as bebidas espirituosas têm um problema adicional, que é o imposto que está incluído no valor que é vendido ao consumidor final. Quem comprar bebidas alcoólicas em Espanha tem vantagens, porque lá a manutenção do IABA está em vigor há sete anos, por isso, é importante a cristalização do imposto também em Portugal”, defendeu também Amilcar Nunes, Tax Partner EY.
“A ANEBE tem-nos transmitido estas preocupações e feito um bom trabalho na defesa do sector, que tem crescido e inovado, gerando emprego e apostando no marketing. Ao olharmos para a caminhada que tem feito ao longo da última década, verificamos que os valores de introdução ao consumo são agora superiores do que há 10 anos. Temos de continuar a olhar para o futuro e há instrumentos que podem alavancar a inovação desta indústria, como o SIFIDE [Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial] e a redução do IRC [Rendimento de Pessoas Coletivas] no emprego, de forma a incentivar as exportações, que representam a criação de mais valor e riqueza para todos”, salientou Nuno Félix, secretário de Estado dos Assuntos Ficais.
Taxa única de IVA
A conferência integrou ainda um debate subordinado à temática “A fiscalidade no sector – perspetivas e tendências de evolução”, que juntou no mesmo painel Paulo Núncio, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Brigas Afonso, ex-subdiretor geral da Direção Geral das Alfândegas e IEC, e Sofia Lima Fortuna, diretora geral da Lima Fortuna.
“A tributação sobre as bebidas alcoólicas é elevada e uma manutenção do imposto permitiria ganhos para o Estado e para as empresas, gerando mais receita fiscal. Devem ser criadas condições para se manterem as taxas, ou mesmo reduzi-las, e há espaço para essa diminuição. O Estado tem de consumir menos recursos da economia”, referiu Paulo Núncio, apresentando como possível solução a introdução da diretiva europeia que permite reduzir o imposto em 50%.
António Brigas Afonso considerou que a adoção de uma taxa única de IVA poderá contribuir para melhorar a situação do sector, contrariando, assim, a propensão para as compras transfronteiriças que se verifica atualmente. “Quer a Autoridade Tributária e Aduaneira, quer os responsáveis das empresas fazem milagres para conseguirem ter resultados satisfatórios. Esta matéria devia ser uma preocupação política”, sublinhou.
As preocupações do sector foram transmitidas por Sofia Lima Fortuna, bem como por outros representantes da indústria de bebidas espirituosas presentes no evento. Durante a sua intervenção, a diretora geral da Lima Fortuna recordou que, já em 1984, a empresa cessou a produção de bebidas espirituosas devido ao aumento da carga fiscal. “A nossa postura, em termos de investimento, é de maior ponderação do que noutros sectores. O mercado português é extremamente pequeno e não há muitos produtores que tenham a ousadia de ir para o mercado internacional, por isso, seria importante que o Estado não bloqueasse a inovação”, afirmou a empresária.
Quebra no consumo
A diminuição da introdução ao consumo de bebidas espirituosas em Portugal Continental será um reflexo da antecipação dos produtores à entrada em vigor, no início deste ano, ao aumento de 4% do IABA , que já havia aumentado 1% a meio do ano de 2022.
A quebra da procura e das vendas, tanto pelo lado do aumento dos preços devido à indexação natural do aumento da taxa no PVP dos produtos, como pelo impacto da inflação no poder de compra dos consumidores também terá contribuído para esse decréscimo.
Em virtude da diminuição das introduções ao consumo, verificou-se um decréscimo da receita fiscal na ordem dos 900 mil euros só nos primeiros três meses de 2023, face ao período homólogo de 2022. Ainda assim, no ano passado, o sector das bebidas espirituosas, que representa 11% do consumo de bebidas alcoólicas em Portugal, contribuiu com 50% do total do imposto IABA arrecadado no país, garantindo ao Estado 156,7 milhões de euros (mais cerca de 45,6 milhões de euros do que em 2021), o que revela uma grande dinâmica económica do sector.
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