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Lições vindas da China: a recuperação após a Covid-19

Como primeiro país onde surgiu o novo coronavírus, a China leva algumas semanas de avanço face ao resto do mundo em termos de evolução da Covid-19 e respetivo impacto. Apesar das diferenças culturais, alguns dos comportamentos observados na recuperação da China após a Covid-19 podem ser um indicador útil para o resto do mundo, indica a Kantar.

Após o início do surto, em janeiro, o mercado de bens de grande consumo chinês foi significativamente afetado, uma vez que os shoppers ficaram confinados nas suas casas. As vendas começaram a cair durante a semana do Ano Novo chinês, tendência que se manteve durante seis semanas consecutivas. A maior taxa de declínio foi observada na semana após a comemoração do Ano Novo, com as vendas a caíram 39% face ao período homólogo de 2019.

Contudo, indicam os dados da Kantar, a partir da segunda semana de março, o mercado de grande consumo voltou aos crescimentos. “Numa altura em que normalidade começou a regressar em quase todo o território chinês, muitos fabricantes de bens de grande consumo e muitos retalhistas anseiam por saber quanto tempo irá demorar até o mercado recuperar totalmente e de que modo podem contribuir para acelerar esta recuperação”, afirma Jason Yu, managing director na divisão Worldpanel na China Continental.

A velocidade desta recuperação depende muito da natureza da categoria e durante foi impactada durante o pico da epidemia. De acordo com a Kantar, algumas categorias irão mostrar uma trajetória em “V”, que indica uma rápida recuperação, enquanto outras apresentarão mais uma curva em “U”. Além disso, existem categorias que não sofreram qualquer impacto negativo e muitas delas registaram um forte crescimento durante o surto epidémico.

 

Recuperação da China

A análise conduzida pela equipa de Expert Solutions na Kantar Worldpanel China classificou 98 categorias de bens de grande consumo segundo um de quatro segmentos baseados no seu desempenho durante o pico da doença e se experimentaram uma recuperação rápida, ou lenta, nas semanas mais recentes, à medida que a situação epidémica melhorava. As categorias em crescimento encaixam em dois grupos principais.

Um deles contempla os produtos que matam os germes e asseguram proteção face ao coronavírus, como os desinfetantes, que cresceram 600% durante o pico da epidemia, e os produtos para lavagem das mãos, que reportaram um crescimento acima dos 200% durante algumas semanas de fevereiro.

O segundo engloba os produtos que são utilizados para cozinhar no lar, como ervas aromáticas, especiarias e molhos. “As categorias que se enquadram neste segmento têm um potencial real de aproveitar o inesperado movimento de crescimento, ao assegurar que os consumidores mantêm os novos hábitos que adquiriram durante a epidemia. A desinfeção e proteção face aos vírus será, sem sombra de dúvidas, uma preocupação maior dos consumidores no futuro, pelo que as marcas que apresentam estes benefícios ou que têm a capacidade de os acrescentar deverão apostar e investir neles em termos de media”, aconselha Jason Yu.

Cozinhar em casa também deverá ser uma tendência para manter, já que muitas famílias irão sentir-se mais seguras em preparar as suas próprias refeições do que encomendá-las ou ir fazê-las fora de casa, onde existe ainda um elevado risco percecionado de infeção. “Para as empresas alimentares é importante relacionar as suas marcas com as ocasiões de refeição dentro do lar, segurança alimentar e tempo passado em família”, acrescenta.

 

Impacto do Covid-19 limitado em algumas categorias

Já as categorias onde o impacto da Covid-19 foi limitado referem-se, sobretudo, a produtos considerados essenciais: pet food, artigos de higiene, leite infantil, água engarrafada e proteção sanitária. Estas são categorias que muitos lares não podem dispensar, mas que não precisam necessariamente de utilizar mais só porque se está numa situação de epidemia. “O comportamento de compras de pânico de papel higiénico que observámos em alguns países, como a Austrália e os Estados Unidos da América, não foi testemunhado na China”, nota Jason Yu.

Outra característica das categorias onde o impacto foi limitado é que tendem mais a ser compradas online. 25% do gasto nestes produtos teve origem no online, face a 19% da média dos bens de grande consumo. As entregas desempenharam um papel essencial, não só a assegurar que os consumidores recebiam os seus produtos durante a epidemia, mas também que se sentiam seguros no isolamento e tinham de sair de casa para se deslocar à loja mais próxima.

“Perspetivando o resto do ano, uma consideração fundamental para estas categorias é quantos consumidores foram ganhos pelo canal online como resultado da epidemia. Sabemos que este canal teve um muito bom desempenho durante o surto, conquistando novos consumidores e compras adicionais. Muitos shoppers irão manter este comportamento para este tipo de categorias, pelo que a colaboração com os retalhistas deste canal será estratégica em termos de crescimento, de modo a assegurar que as marcas conseguem captar este aumento na procura”, avança Jason Yu.

 

Descida de vendas

No grupo daqueles que sofreram uma significativa descida nas vendas, desde a última semana de janeiro e até à primeira de fevereiro, mas que rapidamente recuperaram incluem-se categorias como os óleos alimentares, o leite pasteurizado, os iogurtes, as bolachas, os suplementos nutricionais e o detergente para a roupa. A razão pelas quais estas categorias tiveram uma quebra acentuada prende-se com a limitada disponibilidade destes produtos nas lojas locais durante o pico da epidemia ou pelo facto de muitos lares os teres considerado não essenciais durante uma ou duas semanas. Além disso, muitos consumidores tinham stock destes produtos.

Contudo, estas categorias recuperaram rapidamente, assim que os shoppers se sentiram seguros para ir às compras ou que esgotaram o stock que tinham. “Uma das principais preocupações para estas categorias é que a perda ou redução do consumo dificilmente será compensada no resto do ano”, alerta o consultor. “O facto de muitas destas categorias terem regressado aos seus níveis de crescimento semanais mostra que a procura mantém-se. Os fabricantes terão de encontrar novas formas de encorajar as ocasiões de utilização adicionais para compensar pela perda durante o pico do surto. Isto poderá ser feito através de capitalização de outros eventos festivos que aconteçam mais tarde no ano, como a Semana Dourada, em outubro, ou através de promoções cruzadas”.

 

Indulgência perde mesmo em confinamento

Nas categorias mais impactadas pelo surto da Covid-19, que sofreram uma descida considerável durante o pico da epidemia e que seis semanas mais tarde ainda não dão sinais de recuperação total incluem-se os produtos de beleza, champô, espirituosas, vinho, cerveja, chocolates e doces.

Muitos mercados de cuidados pessoais foram duramente atingidos pelo novo coronavírus, uma vez que o isolamento social reduziu a procura de maquilhagem e outros produtos de beleza. Muitos lares mantiveram a quarentena por dois meses, pelo que ainda é cedo para avaliar se estes produtos irão recuperar.

 

Preocupação com a saúde

As descidas observadas nas bebidas alcoólicas e snacks deve-se ao facto dos consumidores estarem mais preocupados com a sua saúde durante o surto e quiseram manter-se o mais saudáveis possível na necessidade de terem de lidar com a doença. Ao que se junta o facto de muitas celebrações terem sido canceladas.

O fundamental para as marcas que operam nestas categorias é assegurar que conseguem atrair a procura ao enfatizar os benefícios que podem oferecer na nova era. Os consumidores estarão mais preocupados com a sua saúde, mas também quererão desfrutar de ocasiões em família e eventos sociais ainda mais do que anteriormente, dado que não o puderam fazer durante dois meses“, reforça Jason Yu.

“Nesse sentido, captar estes momentos de felicidade e de socialização pode favorecer tanto as marcas de snacks como de bebidas. A perceção da beleza será mais motivada pelo cuidado, pelo que produtos que estabilizam as condições da pele e proporcionam uma hidratação e cuidados extra irão recuperar mais rápido”, conclui.

 

Consumidor com necessidades evolutivas

Segundo a Kantar, o padrão de recuperação será diferente para cada marca, uma vez que depende do modo como a sua categoria foi impactada pela Covid-19, mas também de como as necessidades dos consumidores irão evoluir no futuro.

Assim, diz a consultora, os fabricantes terão de entender a procura futura e compensar a perda de ocasiões de utilização; quais os elementos do marketing mix irão ajudar a catalisar as vendas após a epidemia (publicidade, promoções, atividades in-store e distribuição terão diferentes níveis de importância); identificar as novas ocasiões de utilização que apareceram como resultado do coronavírus para captar a procura futura e desenvolver novos produtos para responder a estas necessidades; otimizar o investimento de media, numa altura de orçamentos mais reduzidos, e entender de que modo os comportamentos mudam quando os consumidores compram através dos canais online e offline, de modo a identificar novas oportunidades de crescimento.

Por Bruno Farias

Diretor na revista Grande Consumo. Um eterno sonhador, um resiliente trabalhador. Pai do Afonso e do José.

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