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Fome e insegurança alimentar mantêm-se em níveis críticos: ONU afasta meta de Fome Zero até 2030

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O mundo está a produzir alimentos suficientes para todos, mas continua a falhar no essencial: garantir acesso universal, sustentável e equilibrado à alimentação. O relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), The State of Food Security and Nutrition in the World 2025, traça um retrato preocupante: 670 milhões de pessoas enfrentaram fome em 2024, número apenas ligeiramente inferior ao de 2023 (733 milhões), o que significa que, mesmo com progressos localizados, a meta de erradicar a fome até 2030 já não será atingida.

A previsão atual da ONU aponta para mais de 500 milhões de pessoas cronicamente subnutridas em 2030, o que compromete de forma definitiva o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2: Fome Zero.

 

Alimentos mais caros

O problema não é apenas a falta de alimentos, mas o acesso a alimentos nutritivos e equilibrados. Em 2024, o custo médio diário de uma dieta saudável foi de 4,46 dólares (4,09 euros) em paridade de poder de compra (PPC), valor incomportável para 2,6 mil milhões de pessoas.

De acordo com cálculos da FAO, os vegetais são, em média, nove vezes mais caros do que os alimentos ricos em amido, como o pão ou o arroz. As frutas e os produtos de origem animal custam 5,8 vezes mais. Já os alimentos ultraprocessados — ricos em calorias, mas pobres em nutrientes — custam apenas 2,7 vezes mais que os alimentos básicos. Esta assimetria de preços torna mais difícil combater a má nutrição, mesmo em contextos onde há abastecimento regular.

 

Fome está a diminuir, mas não em todo o lado

Segundo o relatório da FAO, o número de pessoas subnutridas diminuiu ligeiramente em 2024, fixando-se nos 673 milhões, o equivalente a 8,2% da população mundial. Mas os progressos são muito desiguais: enquanto a fome afeta 20% da população africana, atinge 6,7% na Ásia e tem uma incidência bem mais reduzida noutros continentes.

África é o continente mais afetado pela insegurança alimentar: 58,9% da população vive em insegurança alimentar moderada ou grave, com mais 100 milhões de pessoas nesta condição face a 2019. O continente ainda não recuperou do choque pandémico, ao contrário de outras regiões onde os indicadores começaram a melhorar.

Além disso, a insegurança alimentar é mais prevalente nas zonas rurais (32%) do que nas áreas periurbanas (28,6%) e urbanas (23,9%). As mulheres continuam a ser mais afetadas que os homens em todas as regiões.

 

Informação sobre desperdício alimentar ainda é marginal

A FAO identifica outro paradoxo: o mundo continua a desperdiçar uma parte significativa dos alimentos produzidos, mesmo em face da fome. No entanto, o interesse público pelo tema permanece reduzido. Um inquérito da Statista revela que a maioria dos inquiridos em 10 países não procurou qualquer informação sobre desperdício alimentar no último ano, nem em documentários, nem em artigos, nem online.

A China destaca-se como o país com maior interesse declarado (37% dos inquiridos procurou informação sobre o tema), enquanto o México (24%) e os Estados Unidos (27%) apresentam níveis de atenção mais baixos. Em países como França, Alemanha ou Reino Unido, o desperdício alimentar foi o tema ambiental mais pesquisado entre várias opções, o que mostra algum avanço em termos de sensibilização.

 

Preços globais dos alimentos voltam a subir

Após um período de relativa estabilização, os preços globais dos alimentos voltaram a subir. O FAO Food Price Index atingiu os 128 pontos em junho, uma subida de quase 6% face a junho de 2024, mantendo-se 35% acima da média de 2019. Ainda que abaixo do pico histórico de março de 2022 (160 pontos), os atuais preços continuam a pressionar a segurança alimentar, especialmente nos países em desenvolvimento.

Entre os fatores que explicam esta nova subida estão eventos climáticos extremos, custos logísticos, instabilidade política e alterações nos fluxos comerciais, como o fim da Black Sea Grain Initiative, que impactou negativamente as exportações de cereais da Ucrânia.

A fome e a insegurança alimentar não são problemas de produção, mas de desigualdade, acessibilidade e prioridades políticas. Embora o número de pessoas subnutridas esteja a diminuir em termos absolutos, o progresso é insuficiente, desigual e instável. A ausência de uma resposta estrutural à crise alimentar — que aborde desde os preços aos hábitos de consumo e desperdício — torna praticamente impossível cumprir a meta da ONU de erradicar a fome até 2030. Como sublinhou o diretor da FAO, Qu Dongyu, “é encorajador ver uma ligeira melhoria na taxa global de fome, mas o progresso é desigual e instável”.

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Por Carina Rodrigues

Responsável pela redacção da revista e site Grande Consumo.

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