in

Um novo foco nas marcas próprias?

2017 arrancou com uma inversão de tendência no mercado português dos bens de grande consumo. As marcas de distribuição estão novamente a crescer e fazem-no acima das marcas de fabricante. Esta inversão de tendência coincide com um renovado foco por parte do retalho nas suas próprias marcas, que se tem traduzido no alargamento das gamas e no aumento das vendas em promoção destes produtos. Com as marcas próprias a assumirem-se como um elemento de diferenciação e de fidelização de um “shopper” que é promodependente, mas também influenciável.

As marcas de distribuição estão, novamente, a crescer acima das marcas de fabricante. De acordo com a Nielsen, no acumulado do primeiro trimestre, as marcas de distribuição cresceram 3,5%, o que contrasta com os 0,6% das marcas da indústria. Uma evolução ainda mais assinalável visto que acontece, no caso das primeiras, sobre um período negativo e que marca uma inversão clara da tendência no sector dos bens de grande consumo. Concretamente, no período de 27 de fevereiro a 26 de março, as marcas de fabricante apresentaram, pela primeira vez desde o início de 2016, resultados negativos.

Esta inversão de tendência já se vinha a assinalar desde o final do ano passado. Após a aproximação gradual entre os seus níveis de crescimento, em outubro, as marcas próprias (4,7%) apresentaram resultados superiores aos das marcas de fabricante (3,7%), uma situação que não acontecia desde o início de 2013. Comportamento validado na quadrissemana do Natal, quando os bens de grande consumo apresentaram um dos mais elevados crescimentos do ano de 2016, cerca de 4,7%, claramente dinamizados pelas marcas de distribuição, que evoluíram 8,5%.

Esta inversão de tendência coincide com uma nova aposta parte do retalho nas suas próprias marcas, que se tem traduzido no alargamento das gamas e no aumento das vendas em promoção destes produtos. Em abril, por exemplo, decorreu a Feira de Produtos Continente em 200 lojas da insígnia, com descontos até 35% em mais de 400 produtos de marca própria. Também em abril, a Auchan anunciou o lançamento da nova marca de cosmética Cosmia, com mais de 500 SKU’s, incluindo uma gama completa de maquilhagem e produtos de higiene pessoal.

Dois exemplos que vêm confirmar a expectativa da Nielsen para um renovado foco nas marcas próprias em 2017. Ano que arrancou com o consumidor português a apresentar elevados níveis de confiança, nunca vistos nos últimos anos. De acordo com Ana Paula Barbosa, Retailer Services Director na Nielsen, o ano será marcado pela valorização das categorias de valor acrescentado, com o consumidor a não recusar pagar um valor premium por aquilo que lhe der benefícios tangíveis. Onde as estratégias de fidelização terão de começar a evoluir e ganhar outros atributos que não o preço. A prazo, é expectável que as promoções abrandem o ritmo, não obstante terem atingido, em 2017, novos máximos (45%), pelo que o foco do retalho irá, progressivamente, desviar-se para as marcas próprias como elemento de diferenciação. Os dados de arranque de ano assim o mostram. Resta saber se os restantes meses irão confirmar ou desmentir esta inversão de tendência.

A verdade é que existem sempre elementos exógenos que podem introduzir turbulências nas tendências de mercado. Será que são os consumidores que querem mesmo tantas promoções e o retalho limita-se a responder a esta exigência? Ou foram as estratégias das insígnias e das marcas num ambiente fortemente concorrencial que acabaram por tornar os “shoppers” viciados em promoções? Certo é que foi a aposta nas promoções, que incidiram sobretudo nas marcas de fabricante, e o facto de terem duplicado desde 2012, que explica a quebra de quota das MDD nos períodos mais recentes. Segundo a Kantar Worldpanel, os decréscimos foram na ordem dos 12%, não obstante o facto de valerem mais de 50% do sortido em FMCG no mercado nacional e de apresentarem o melhor índice de preço face à marca de fabricante da Europa, cerca de metade.

O que se pode, então, esperar do “shopper” em 2017? “O nosso ‘shopper’ é promodependente, mas também é influenciável. Conseguimos desviar a sua atenção para aspetos diferentes que não as promoções. Veja-se o fenómeno dos colecionáveis, que não tinham qualquer benefício em termos de desconto de preço, antes pelo contrário, até implicavam um maior investimento, e as campanhas resultaram. Quando olhamos para os ciclos, vemos que o das promoções não vai terminar de um dia para o outro, mas estão a abrandar. Há, assim, necessidade de apostar em estratégias de diferenciação. Para o retalho, a marca própria é um instrumento de diferenciação entre as várias insígnias”, responde Ana Paula Barbosa.

O consumidor
Diferenciação que assume uma importância ainda mais acrescida face a um “shopper” que está mais conectado e menos paciente e que deve ser fidelizado. “É importante inovar nas promoções e, acima de tudo, segmentar e personalizar a oferta, apresentando diferentes soluções para distintos ‘targets’”, explica Ana Paula Barbosa.

Pode a solução estar nas marcas próprias? Esse é, pelo menos, o entendimento do Planet Retail. “Acreditamos que existe uma grande oportunidade para desenvolver gamas exclusivas para incentivar a fidelização e a diferenciação”, diz Natalie Berg, diretora de Retail Insights daquela consultora e autora do estudo “Crescer com a marca própria nesta nova era do retalho”. “Os retalhistas deveriam explorá-la para capitalizar as crescentes tendências da saúde e da conveniência”, acrescenta.

Duas tendências que são particularmente visíveis no mercado português. “É importante compreender que, apesar do consumidor português procurar preços baixos, existem outras variáveis que serão valorizadas e nas quais os retalhistas e as marcas devem apostar. O consumidor atual mostra novos interesses e está disposto a pagar mais para os satisfazer”, nota Ana Paula Barbosa.

Os dados de mercado mais atuais conduzem a algumas conclusões que refletem mudanças nos hábitos de consumo e, de uma forma muito particular, na alimentação dos portugueses. Graças a uma população mais envelhecida, ao diagnóstico de doenças crónicas, à maior valorização dos alimentos funcionais e à informação a que o consumidor está cada vez mais exposto, as categorias de alimentação saudável mostram ser uma tendência e o seu crescimento é notório. Veja-se, por exemplo, a crescente procura de produtos relacionados com a saúde, como é o caso dos iogurtes biológicos, aos quais a Nielsen aponta um crescimento de 136% em volume, assim como do muesli e da granola (+84%) ou dos cereais diet (+72%). De igual modo, o maior poder de compra, associado a um ritmo de vida mais intenso, contribui para a maior procura de soluções de conveniência, como é o caso dos frutos congelados (+30%), dos componentes refrigerados (+19%), do take-away (+18%) e do bacalhau congelado (+16%).

Áreas onde, de acordo com o Planet Retail, as marcas próprias podem encontrar terreno fértil para crescer. Mas não só. “Num futuro próximo, acreditamos que a marca própria está bem posicionada para capitalizar nas atuais incertezas, como o Brexit, e a crescente concorrência em muitos mercados”, nota Natalie Berg.

Caminhos para a marca própria
O desenvolvimento da marca própria varia de mercado para mercado e, segundo o Planet Retail, é principalmente influenciado pelo nível de consolidação do retalho e pela presença de operadores de discount. Mas há uma nova turbulência no desenvolvimento das estratégias de marca própria por parte dos retalhistas, que é a entrada os chamados “pure players” de comércio eletrónico nesta área. Mais uma vez, com o objetivo de diferenciação face à concorrência e de consolidação da confiança dos “shoppers”, que foi estabelecida com base noutros pilares, como a conveniência. O exemplo mais paradigmático é o da Amazon, cujas marcas próprias apenas estão disponíveis para membros Prime.

Além disso, com as novas tecnologias, como o reconhecimento por voz e os chamados botões de encomendas, caso do Amazon Dash e do dispositivo que a Walmart também se prepara para lançar, neste caso introduzido nos próprios produtos, existe uma grande oportunidade para potenciar as marcas próprias, no entender do Planet Retail.

Marketplaces como o Tmall da Alibaba ou JD.com estão também a proporcionar novas rotas de comercialização para as marcas próprias dos retalhistas. Foi o que aconteceu com a britânica Waitrose, cujos produtos de marca própria estão disponíveis para compra online na China, após o acordo entre a retalhista e o Grupo Alibaba. Também a Aldi deu mais um passo nas suas ambições globais, confirmando o lançamento de uma loja online naquela plataforma. Ainda desconhecida no mercado chinês, a Aldi espera que esta aliança a ajude a ganhar conhecimento de mercado, dos seus consumidores e do mercado online, com vista a uma possível entrada com lojas físicas. “Estamos convencidos que os consumidores chineses também estão interessados na qualidade e nos preços razoáveis que podemos oferecer”, explica Christoph Schwaiger, diretor geral da Aldi Süd para a China. Outros exemplos são os do Grupo DIA, Sainsbury’s e Grupo Metro.

O relatório do Planet Retail examina como a perturbação no sector do retalho irá afetar as estratégias de marca própria. A perspetiva de um aumento, mesmo que marginal, dos preços dos alimentos irá diminuir a confiança dos consumidores, enquanto um aumento real terá impacto direto sobre o poder de compra. Como observado nos períodos anteriores de austeridade, a marca própria está bem posicionada para o crescimento, pois oferece preços mais baixos para os consumidores e maiores margens para os retalhistas.

Dito isto, não se espera ver a reação instintiva usual de reforçar as linhas de valor para demonstrar a comparabilidade de preços com os discounters. Isto é importante porque insígnias como a Aldi e o Lidl estão a apelar aos clientes num nível além do preço. Em vez disso, existem oportunidades de crescimento por meio de marcas próprias e com maior margem de lucro, além de exportar marcas premium, como têm feito a Biedronka, a Tesco e o El Corte Inglés.

No entanto, o preço é vital. Enquanto os “shoppers” estão dispostos a pagar um premium pela conveniência, o preço deve ser inferior e deve haver incentivos adicionais, como a ligação a programas de fidelização. Assim como a inovação contínua nas categorias, desde o aumento das gamas vegetarianas e vegan, para capitalizar a tendência da saúde, até ao desenvolvimento de alimentos de nicho, bem como de sabores experimentais.

Este artigo foi publicado na edição 45 da Grande Consumo.

Sonae debate o futuro da alimentação

IKEA prepara app de realidade aumentada para visualizar os móveis em casa antes de os comprar