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Tradição já não é o que era na categoria de bacalhau

As exigências em termos de preparação do bacalhau seco têm dissuadido os consumidores portugueses de favorecer este segmento. Afinal, o consumidor de hoje é informado, sem tempo e procura o melhor equilíbrio entre o preço, a qualidade da oferta e, acima de tudo, a conveniência, levando, assim, a um consistente afastar da tradição. Deste modo, assim como aconteceu no ano de 2016, os portugueses voltaram a reconhecer e a valorizar o segmento do bacalhau congelado, o que contribuiu para que este tenha demonstrado um crescimento expressivo na ordem dos dois dígitos.

O consumo de bacalhau em Portugal está relativamente estabilizado em cerca de 65 mil toneladas ao ano, o que significa 6,5 quilogramas per capita. Contudo, nos últimos anos, têm-se vindo a observar algumas mudanças no comportamento do consumidor, com as famílias portuguesas a consumirem cada vez menos bacalhau seco. Segundo os dados da Nielsen, relativos ao ano móvel findo à semana 40/2017, foram comercializados 37,3 milhões quilogramas, que representa uma ligeira queda de 1%, prolongando a tendência observada no ano anterior. Da mesma forma, as vendas em valor decresceram para os 244,1 milhões de euros, ou seja, uma evolução negativa na ordem dos 1%. “Naturalmente, o consumidor português, e nomeadamente o consumidor com mais idade, é tradicionalista no que ao bacalhau diz respeito. A tradição desempenha um papel fulcral no consumo desta categoria, especialmente no bacalhau seco. É exatamente devido ao fator ‘tradição’ que assistimos a um pico de vendas tão significativo no período de Natal. No entanto, os aumentos de preço poderão limitar o consumo, com decréscimos nomeadamente no bacalhau seco”, analisa Manuel Carvalho Martins, New Business Development Manager da Nielsen.

De facto, ultimamente, tem-se observado um aumento dos preços da matéria-prima. De acordo com a indústria, houve uma margem importante que foi por si absorvida, num esforço considerável que, em muitas situações, acabou por colocar em causa as margens mínimas de rentabilidade.

Simultaneamente, com o consumo estabilizado, tem-se observado o bacalhau de cura tradicional portuguesa a surgir cada vez mais versátil, em diversos produtos, e a adaptar-se à nova cozinha portuguesa, bastante dinamizada pelos chefs e pela dinâmica da restauração. Com o bacalhau a assumir um papel relevante também dentro daquilo que é a chamada cozinha saudável, pelo facto de ser uma proteína 100% saudável. “A conveniência é uma tendência real e cada vez mais procurada pelos ‘shoppers’, comprovada pelo crescimento de categorias e segmentos que contribuam para lhes facilitar a vida. É também neste panorama que vemos crescer o bacalhau congelado”, acrescenta Manuel Carvalho Martins.

Apesar da diminuição no consumo do tradicional bacalhau salgado seco, este segmento esteve presente em 74% dos lares em Portugal Continental ao longo do último ano. Ricardo Alves, administrador da Riberalves, considera que, não obstante a evolução que se está a verificar no sentido do bacalhau congelado, a tradição ainda é preponderante. “Os portugueses continuam a ser largamente os maiores consumidores mundiais de bacalhau, embora estejamos a assistir a uma histórica transferência do consumo, do bacalhau salgado seco para o bacalhau demolhado ultracongelado. A indústria está a responder às novas necessidades dos consumidores, com novos produtos que se destacam pelo carácter prático. Mas continuamos a falar de bacalhau de cura tradicional portuguesa, de alta qualidade, defendendo o que é tradição no nosso país e o que é exigência dos consumidores”.

No período em análise, o bacalhau congelado mostrou um crescimento expressivo que, no entender de, Sérgio Silva, CEO do Vigent Group e presidente do Conselho de Administração da Brasmar, reflete o modo como “as tradições vão sendo ajustadas às exigências de uma vida familiar globalmente mais ativa” e como vão evoluindo também para responder às alterações demográficas. “O que se nota é que na época festiva há um sentimento de regresso às origens, mesmo que recorrendo aos serviços de hotelaria que têm vindo a crescer, e o bacalhau faz parte desta origem, desta identidade portuguesa, pelo que a procura por propostas mais convenientes passa mais pelas soluções no que diz respeito à confeção do que, propriamente, pela busca de produtos alternativos”.

Neste sentido, o bacalhau demolhado ultracongelado tem ganho terreno. De facto, segundo os dados da Nielsen, no período em análise, apresentou vendas em volume de 8,1 milhões de quilogramas, o que representa uma evolução positiva de 12%. Já em valor, vendas totalizaram 67,5 milhões de euros, num crescimento de 12%.

Contudo, apenas 35% dos lares em Portugal Continental compraram a categoria no último ano. “Por enquanto, a quota de mercado do bacalhau salgado seco é, claramente, superior, mas também não se esperava para já outra coisa. No entanto, o bacalhau demolhado congelado tem uma qualidade insuperável que irá atrair novos consumidores e converter os tradicionais à conveniência de um produto pronto a cozinhar, com características superiores ou iguais à do melhor bacalhau salgado seco tradicional”, reforça Rui Costa e Sousa, administrador da Rui Costas e Sousa & Irmão (RCSI).

Peso do quarto trimestre

Dada a sua importância nos hábitos de alimentação dos portugueses, os lares continuam a não dispensar do seu “fiel amigo” ao longo de todo o ano, mas a época mais marcante em termos de consumo é, sem dúvida, a quadra natalícia. A semana do Natal é a mais importante para o bacalhau congelado, representando este segmento 19% das vendas durante o mês de dezembro. O bacalhau seco continua, porém, a ter a grande fatia, com 88% das vendas, segundo os dados da Nielsen.

Nos primeiros 10 meses de 2017, os portugueses consumiram 33.596 toneladas de bacalhau, menos 3,4% do que em 2016, mas prevê-se que em dezembro o consumo cresça para um milhão de quilogramas, de acordo com os dados fornecidos pelo Conselho Norueguês das Pescas (Norges). Segundo o secretário-geral da Associação dos Industriais de Bacalhau, Paulo Mónica, as vendas de bacalhau, no quarto trimestre, “representam historicamente cerca de um terço das vendas anuais“, um cenário que se deverá manter este ano. “Os portugueses consomem bacalhau na consoada e, inclusivamente, gostam de oferecer bacalhau”, destaca Gonçalo Bastos, administrador da Caxamar.

Para esta empresa, as vendas desta época representam cerca de 30% do volume total de faturação. Aliás, que o consumo de bacalhau continua a ser elevado na época de Natal é um sentimento comum às empresas portuguesas de comercialização deste produto. No caso da Riberalves, por exemplo, o Natal, ou melhor, o último trimestre costuma valer cerca de 35%.

Dinamizar o consumo
Desde o século XIV que o bacalhau faz parte da gastronomia portuguesa, sendo os portugueses os maiores consumidores per capita a nível mundial. Como se pode conseguir, então, continuar a aliciar o consumidor para esta categoria com tão elevada penetração nos lares portugueses, de modo a fazê-la crescer? Gonçalo Bastos considera que cabe às empresas apelar a novas formas de confecionar o bacalhau, para satisfazer os diversos gostos e induzir o consumo. Também na Brasmar se procura perceber quais as reais necessidades do consumidor e de que forma ir ao encontro delas. “Se o nosso produto responder à necessidade do consumidor, naturalmente, irá ser adquirido. O caso do mercado crescente do bacalhau demolhado ultracongelado é um notório reflexo disso mesmo”, sustenta Sérgio Silva.

Ainda assim, a dinâmica deste mercado deverá manter-se marcada por uma forte atividade promocional, com os portugueses a esperarem pelos folhetos para fazer a sua compra de bacalhau. Segundo Rui Costa e Sousa, “os consumidores compram mais quando o bacalhau está em promoção, em detrimento do consumo regular. Naturalmente, bem-feitas as contas, o consumo não aumentará de forma significativa. Por outro lado, estas promoções comprometem seriamente a indústria portuguesa, criando dificuldades de relacionamento dos produtores de bacalhau em Portugal”.

Vendas com prejuízo?
Desde a crise que os portugueses sentem, mais que nunca, o impulso para comprar em promoção, seja o que for. E o bacalhau não é exceção. “As próprias empresas começam a centrar cada vez mais as suas estratégias também neste sentido”, indica o presidente do Conselho de Administração da Brasmar.

O bacalhau é cabeça de cartaz de qualquer folheto promocional, refletindo a sua importância para o consumidor. “Na categoria de bacalhau seco, as vendas com promoção representam 65% do volume total”, confirma Ricardo Alves. “No bacalhau demolhado ultracongelado, a situação é diferente. Só por esta razão o bacalhau demolhado ultracongelado ainda não ultrapassou a quota do bacalhau seco”.

No entender do administrador da Riberalves, existem situações em que a venda de bacalhau não assegura margens que permitam cobrir os investimentos na matéria-prima e na produção, colocando em causa a própria atividade da indústria. “Se a isto juntarmos as circunstâncias concorrenciais em que as empresas portuguesas estão envolvidas, com regulamentações que prejudicam a sua competitividade perante os produtores externos, então percebemos a situação delicada em que a indústria nacional está envolvida”.

Quer isto dizer que existem situações de vendas com prejuízo de bacalhau no mercado nacional? Gonçalo Bastos e Rui Costa e Sousa afirmam-no categoricamente. “Ao analisar os preços apresentados ao consumidor final, e sendo conhecedores dos preços da matéria-prima, é de questionar como é possível efetuar certas vendas sem que haja prejuízo”, defende o administrador da Caxamar.

Futuramente, a quota da pesca do bacalhau, a dividir entre noruegueses e russos, no mar de Barents deverá diminuir 13%, segundo as recomendações dos cientistas do Instituto de Investigação da Marinha, o que, no entender da indústria, irá repercutir-se diretamente num aumento do preço da matéria-prima, com o evidente impacto no consumo em Portugal. “Ao mesmo tempo, temos a concorrência de outros mercados na obtenção de matéria-prima, com maior poder de compra, como França, Reino Unido e Espanha, dispostos a pagar mais pelo bacalhau”, destaca Ricardo Alves.

Com os recursos monitorizados, de forma a assegurar a sua sustentabilidade, Portugal tem a vantagem, em relação a outros países, de possuir uma verdadeira tradição e cultura do bacalhau. Para contrariar o menor dinamismo do mercado nacional, a exportação faz cada vez mais parte da agenda dos industriais portugueses, designadamente para o chamado mercado da saudade, não obstante a cozinha portuguesa, onde o bacalhau é rei, ser cada vez mais apreciada em todo o mundo, o que permite antecipar um crescimento gradual dos mercados externos.

Tendo em conta a situação atual dos recursos e a sua previsível evolução, assim como dos hábitos de consumo, o futuro do bacalhau está assegurado. Seja pelas diferentes formas de o confecionar, seja pelo acompanhamento das necessidades do consumidor, também ao nível dos canais de distribuição. “O tempo das pessoas é limitado, de dia para dia, pelo que começam a optar por soluções seguras, rápidas e eficazes. Acredito que as compras online são um meio para facilitar a vida. Aliás, o e-commerce é uma área na qual temos um especial interesse. No entanto, é importante ter presente que estamos a falar de produtos alimentares com necessidades especiais de embalamento, armazenamento e transporte, o que condiciona significativamente as possibilidades de transação por este canal. Neste momento, o passo ainda é grande, mas a rápida evolução tecnológica permite-nos perspetivar uma diminuição progressiva dos constrangimentos atuais e abrir a possibilidade dos consumidores poderem ultrapassar o patamar atual da pesquisa informativa para um nível superior, através da realização de transações comerciais”, conclui Sérgio Silva.

Este artigo foi publicado na edição n.º 48 da Grande Consumo.

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