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A Too Good To Go e a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) reuniram especialistas e líderes dos sectores da distribuição, hotelaria e restauração para um debate essencial sobre estratégias e soluções para reduzir o desperdício alimentar em Portugal, país que ocupa o quarto lugar na União Europeia entre os que mais desperdiçam alimentos.
Em Portugal, mais de 1,9 milhões de toneladas de comida são desperdiçadas anualmente, das quais 227 mil toneladas têm origem no comércio e distribuição alimentar, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2022. Apesar de a maior parte do desperdício ocorrer nos lares, é essencial que todos os sectores da cadeia alimentar, desde a produção até à distribuição, assumam um compromisso coletivo no combate a esta problemática.
De acordo com dados recentes, cada português desperdiça, em média, 2,38 quilogramas de alimentos por semana, o que reforça a necessidade de ações concretas e integradas.
Evento
Este evento resulta da crescente consciência, por parte de todos os agentes envolvidos, quanto à dimensão do problema e à urgência de encontrar soluções colaborativas.
O evento contou com a participação da Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (CNCDA), organismo responsável por promover a redução do desperdício alimentar através de uma abordagem integrada e multidisciplinar. A CNCDA tem como missão desenvolver a Estratégia Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (ENCDA) e implementar o respetivo plano de ação (PACDA).
Para além da CNCDA, estiveram presentes diversas empresas e entidades de referência, como Auchan Retail Portugal, MC Sonae, Pingo Doce, Aldi Portugal, Lidl Portugal, Minor Hotels, Vila Galé Hotéis, Altis Hotels, Plateform, Gleba, Aqui é Fresco, Cateringpor, Pans & Company, Cáritas Portuguesa, Banco Alimentar Contra a Fome, Aliança Contra a Fome e a Má Nutrição, AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, entre outras.
Redução do desperdício alimentar
Na sessão de abertura, Cristina Câmara, diretora de Sustentabilidade da APED, sublinhou que, para lidar com um problema de dimensão global, a colaboração entre os diferentes atores da cadeia de valor é crucial. “O desperdício alimentar é um desafio coletivo que exige uma ação conjunta e coordenada. Todos temos um papel fundamental para avançar em direção a um futuro mais sustentável”, afirmou.
Maria Tolentino, country manager da Too Good To Go em Portugal, destacou que o desperdício alimentar é uma preocupação ambiental, mas também uma questão de responsabilidade social e económica. “O desperdício de alimentos representa a perda de recursos naturais e afeta diretamente as comunidades e a economia. Em Portugal, desperdiçam-se milhares de toneladas de alimentos todos os anos, o que se traduz numa perda de cerca de 350 euros por pessoa, com comida que nunca chega a ser consumida. Cada um de nós tem um papel fundamental para mudar essa realidade”, indicou.
Maria Tolentino realçou ainda o impacto positivo que as empresas podem ter, destacando iniciativas da Too Good To Go. “Em 2024, conseguimos salvar mais de 1,5 milhões de Surprise Bags, o que representou uma poupança de 1.275 milhões de litros de água e 4,2 milhões de quilogramas de CO₂e. Desde o lançamento da nossa app em Portugal, há cinco anos, já salvámos mais de cinco milhões de Surprise Bags, evitando o equivalente a 14 milhões de quilograma de CO₂e, o que corresponde a mais de 2.500 voos à volta do mundo”.
Esta realidade ganha ainda mais relevância quando se sabe que o excedente alimentar é responsável por cerca de 10% das emissões globais de gases com efeito de estufa, sendo um dos maiores desafios ambientais associados à alimentação.
Desafios e oportunidades na luta contra o desperdício
A mesa-redonda do evento contou com representantes de várias áreas do sector alimentar, que partilharam desafios e soluções inovadoras para combater o desperdício. Participaram Ana Rita Cruz, diretora de Sustentabilidade & Bem-Estar da Auchan, Constança Correia, coordenadora da área de Circularidade da MC (Sonae), e Diana Manita, do departamento de Qualidade e Inovação da AHRESP.
Uma das principais conclusões foi a importância da inovação tecnológica e das soluções digitais para otimizar a gestão do desperdício. Ferramentas como a inteligência artificial (IA)estão a transformar a forma como os retalhistas gerem stocks e prazos de validade, garantindo um aproveitamento mais eficiente dos alimentos. Exemplo disso é a Too Good To Go Platform, uma solução apresentada há um ano, que utiliza IA para ajudar hipermercados, supermercados e lojas de conveniência a identificar produtos próximos da data de validade e redistribuí-los de forma mais eficaz.
Além da tecnologia, foram abordadas outras estratégias, como a venda avulso, a oferta em porções menores e o alinhamento da oferta com a procura, através do uso de dados. A sensibilização dos consumidores foi também central, com destaque para a campanha Observar, Cheirar, Provar, da Too Good To Go, que incentiva os consumidores a confiarem nos seus sentidos antes de descartarem alimentos após a data de consumo preferencial.
Por fim, os participantes defenderam a simplificação de processos e políticas, de forma a tornar menos burocrático o processo de doação e reaproveitamento de alimentos.
Políticas públicas e estratégias para o futuro
A encerrar a sessão, Cláudia Almeida, chefe de equipa multidisciplinar da CNCDA, apresentou os principais pilares da Estratégia Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar e do respetivo plano de ação. As medidas, que abrangem a totalidade da cadeia de valor alimentar, assentam em três eixos fundamentais: medição e monitorização do desperdício alimentar, prevenção do desperdício ao longo de toda a cadeia e redução e reaproveitamento de excedentes.
A responsável salientou ainda que o trabalho da comissão é desenvolvido em parceria com 14 áreas governativas, o que reflete a importância da abordagem transversal no combate ao desperdício alimentar. “A Estratégia e o Plano de Ação serão instrumentos fundamentais para garantir que Portugal está alinhado com os compromissos europeus e internacionais em matéria de sustentabilidade e segurança alimentar”, referiu Cláudia Almeida.
A crescente consciencialização dos consumidores também tem um papel determinante: 90% dos portugueses afirma evitar o desperdício alimentar como forma de poupança, refletindo uma mudança de comportamento que deve ser incentivada e acompanhada por políticas públicas e ação empresarial.