Estamos no centro da cidade de Londres, numa manhã primaveril e luminosa, pouco habitual na capital britânica, onde o bulício típico se mistura com sotaques vindos de quase todo o mundo. É neste cenário que decorre o World Retail Congress 2025, o mais influente encontro global de decisores do sector do retalho. E se a expectativa ditava que a inteligência artificial dominasse os discursos, a grande mensagem desta manhã foi outra: o retalho é, acima de tudo, um negócio de pessoas para pessoas.

Logo na sessão de abertura, Ken Murphy, CEO da Tesco, rasgou qualquer ideia de que a inovação tecnológica seja um fim em si mesma. E lembrou que “fazer o que é certo traduz-se em crescimento”, ao referir-se à responsabilidade social das empresas, à importância de servir as comunidades envolventes e à convicção de que o crescimento financeiro não pode estar dissociado do impacto humano.

Entre algoritmos e instinto
A manhã avançou com sessões técnicas que reforçaram a mensagem de abertura. Na sala dedicada à transformação do merchandising, o Boston Consulting Group guiou uma conversa provocadora – The Future of Merchandising: Tech-Enabled Teams. Aqui, ficou também clara a ideia que atravessou quase todas as intervenções desta primeira metade do dia: a inteligência artificial não substitui o instinto, amplifica-o.
A reflexão centrou-se na forma como as equipas de merchandising estão a combinar instinto humano com inteligência artificial, criando processos mais ágeis e inteligentes, mas sempre com base na experiência de quem conhece os consumidores. A conclusão foi unânime: a tecnologia deve empoderar as pessoas, não substituí-las.
Noutra das sessões paralelas, uma plateia ouviu com atenção a sessão organizada pela Snowflake: How Retail & Brand Leaders are Building Connected Consumer Experiences with Data and AI. Líderes da ASICS, Moonpig, River Island e Snowflake partilharam como estão a inteligência artificial está a ser utilizada para gerar valor real e imediato para os consumidores, ao melhorar experiências, prever comportamentos e personalizar ofertas em tempo real. Mas sempre com uma visão centrada em pessoas e experiências. O alerta foi unânime: dados sem estratégia são apenas barulho. Os dados não criam conexão por si só. É a estratégia que define a relação.
Crescimento com propósito
No palco principal, uma mesa-redonda internacional tentou responder à grande questão: Where is global retail growth coming from? O painel juntou Stefan Vanoverbeke (IKEA), Marcella Wartenbergh Elizondo (AWWG), Scott Price (DFI Retail Group) e Tim Steiner (Ocado Retail). Todos convergiram no diagnóstico de que cresce quem entende o seu ecossistema. E apontaram três motores principais: aceleração digital, mercados em evolução e colaboração transversal.

Noutro registo, Britt Olsen, chief comercial officer da On, em conversa com Régis Schultz, CEO da JD Sports, mostrou como uma marca pode correr para o futuro sem perder o pé no presente. A líder da marca suíça partilhou a estratégia que permitiu transformar a On num fenómeno global, apostando numa visão clara de marca, agilidade comercial e forte consciência ambiental.

A manhã teve também lugar para uma leitura global sobre o estado do mundo, pelo economista-chefe da Deloitte, Ira Kalish. É um facto que a economia está volátil, que há riscos inflacionistas, tensões comerciais e instabilidade política. Mas, embora se tenha despedido gracejando com a possibilidade de ter “assustado” a plateia, Ira Kalish veio, sobretudo, apontar a agilidade como vantagem competitiva.

E numa altura em que tudo está interligado – dispositivos, lojas, clientes, equipas e fornecedores – a cibersegurança surge como um dos pilares da confiança no retalho moderno. Na sessão Retail in an Uncertain Time, Rolf Schumann, CEO da Schwarz Digits, abordou precisamente isso: a importância crítica de proteger os sistemas e os dados dos consumidores, num mundo cada vez mais mediado pela tecnologia.
Falou-se da instabilidade geopolítica, da crescente sofisticação das ameaças digitais e da responsabilidade que recai sobre os retalhistas de garantirem conectividade segura e transparente. Quando a disrupção é permanente, proteger a privacidade e a integridade dos dados é proteger a própria relação com o consumidor.

Nesta manhã intensa e rica em pensamento, o World Retail Congress 2025 deixou um aviso claro: o futuro será digital, mas não pode ser desumano. Entre tecnologia de ponta, dashboards inteligentes e estratégias globais, foram os discursos sobre comunidade, propósito, valores e pessoas a nota dominante.
Estamos em Londres a acompanhar o evento e continuaremos, nos próximos dias, a partilhar as principais ideias que estão a moldar o presente e o futuro de um sector em transformação constante, mas que, como ficou claro esta manhã, só faz sentido se continuar a ser profundamente humano. A tarde promete aprofundar estas reflexões, explorando como a inovação responsável e a tecnologia podem ser aliadas na construção desse mesmo futuro.