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Marcas da distribuição democratizam charcutaria “premium”

2017 prometia ser risonho para os frescos, depois de em 2016 terem encontrado o caminho da recuperação, mas, na realidade, este mercado voltou a terminar o ano no negativo. A compra dos frescos parece, deste modo, perder prioridade nas despensas perante o crescente consumo fora de casa dos portugueses. Frutas, legumes e verduras foram as categorias com maior protagonismo neste volte-face, juntando-se, assim, à carne, ao peixe e ao pão no grupo negativo. Porém, existem duas categorias que conseguem permanecer estáveis apesar do contexto desfavorável, curiosamente, ambas bastante mais ligadas ao sabor e prazer do que ingredientes de uma alimentação saudável: a pastelaria (-0,1% versus 2016) e a charcutaria (-1,1% versus 2016). No caso desta última, acaba por ganhar peso no mundo dos frescos, ainda que não verifique um crescimento efetivo.

Se até 2016 a charcutaria lutava contra a perda de dias de compra, indicador que, desde então, tem-se mantido estável, a mais recente barreira ao crescimento prende-se com a redução do volume na cesta por visita (-1,8% vs. 2016). Em média, os portugueses mantêm o gasto de 141 euros anuais, porém, estão a comprar mais caro (+2,6% no preço/kg final pago). De facto, os portugueses estão a comprar menos, mas com variedades mais caras, sendo que o mercado está, igualmente, a ser impactado pela redução da intensidade promocional. Ambos os cenários ocorrem tanto nos queijos como nas carnes, embora com enquadramentos distintos.

Queijos: de regresso à produção nacional
Os queijos têm sido, nos últimos anos, a força maior da charcutaria e os bons resultados conseguidos têm alavancado o mercado, sobretudo em 2016, e evitado que se registassem perdas maiores neste sector.

Porém, os resultados de 2017 refletem um abrandamento global, sobretudo devido à redução da quantidade por cesta, que ainda assim não compromete totalmente a performance da categoria (-0,2% volume de compras vs. 2016). Verificou-se, de facto, uma quebra substancial nas compras com produtos em promoção (-13%) e uma descida no desconto médio (18% vs. 21%) e, se em 2016 as promoções representavam 20% do volume de compras de queijo, esse valor fixa-se agora nos 17%.

Mesmo com o crescimento das compras fora de promoção (+3,5%), a categoria ressentiu-se com a quebra de variedades como o queijo para barrar e o queijo de cabra, mas, sobretudo, dos queijos frescos e estrangeiros, que em 2016 cresciam exponencialmente. As perdas destas variedades vêm sobretudo das marcas de fabricante, não só pelo impacto da redução promocional, mas também devido ao investimento dos distribuidores em tornar as suas marcas mais “premium”, aumentando a competitividade ao nível do preço nos segmentos de queijo onde o valor/quilograma é mais elevado.

O equilíbrio no desempenho dos queijos é conseguido pelo crescimento contínuo de segmentos ligados à produção nacional e à conveniência, com as variedades de flamengo e outras típicas portuguesas à cabeça, seguidas pelo queijo ralado. Nestas variedades, tanto fabricantes como MDD têm conseguido aproveitar esta oportunidade no mercado.

Carnes: da rotina semanal para ocasiões especiais
Nas carnes de charcutaria, o cenário é mais desafiante. À semelhança do que aconteceu nos queijos, as carnes também verificaram um abrandamento do número de compras em promoção, embora não tão significativo (-3%). O principal obstáculo está em converter esta redução da venda promocional em vendas regulares (-1,9% volume de vendas), que representam 87% do volume desta categoria. Ainda assim, os portugueses logram comprar variedades mais caras, onde o mix de produtos comprados pago é 3% mais caro do que em 2016.

Analisando o consumo feito nos lares portugueses, percebemos como as alterações em algumas rotinas estão a desequilibrar o desempenho dos principais produtos de carne: enchidos, presunto e fiambre. A verdade é que, apesar de existirem mais portugueses a consumir variedades com preço superior à média de enchidos (por exemplo, os salames, paio e painho) e presunto, as ocasiões de consumo tendem a diminuir. Nestes produtos existe um aumento da procura por momentos de prazer, sobretudo no consumo partilhado típico de fim de semana, em detrimento do uso rotineiro, como nas refeições.

O fiambre verifica a tendência oposta, regista um menor número de consumidores, mas os que se mantêm estão a consumir mais vezes. Neste caso, a procura por alternativas mais saudáveis (fiambre de frango e peru) promove a inclusão destes produtos nas grandes refeições diárias, como o almoço ou jantar.

À semelhança dos queijos, estes segmentos mais “premium” têm sido explorados com sucesso pelas MDD, que já geram cerca de 48% de todo o volume vendido nas carnes de charcutaria. Este crescimento das MDD, tanto nos queijos como nas carnes, acaba por ser influenciado pela tipologia de loja em que são comprados os produtos.

Distribuição: discounts marcam posição
Em 2016, assistimos a um “boom” do canal tradicional: mais compradores, maior frequência de compra, mais quantidade comprada por ato, mas, em 2017, este canal foi trocado pela compra nos discounts, que, com oferta predominantemente de marca própria, têm sido, nos últimos anos, a principal referência no crescimento do conceito de compra de proximidade.

O canal tradicional perdeu quase 5% dos compradores e registou uma quebra de 4% no número de compras efetuadas, tendo mesmo 27% das compras perdidas sido diretamente transferidas para os discounts. Esta transição foi feita sobretudo por lares familiares, os mais numerosos, que, apesar de não ser a tipologia de lar que mais de identifica com o canal tradicional, são os que, globalmente, maior quantidade compram e maior gasto dedicam aos produtos de charcutaria.

Deste modo, o principal desafio no mercado da charcutaria prende-se com a capacidade das marcas oferecem produtos que consigam ser competitivos não só a nível de preço, mas igualmente que se destaquem pela diferenciação e por uma perceção de qualidade superior. Torna-se necessário procurar dinamizar mais momentos de consumo e voltar a criar uma ligação com os produtos menos “premium”, sobretudo nas carnes. É ainda importante perceber como lidar com o crescimento do conceito de canal de proximidade, mas não esquecendo que as cadeias de hiper e supermercados ainda geram 69% de todo o volume de compras neste mercado.

Por Cláudio Silva, Expert Solutions Executive da Kantar Worldpanel

Este artigo foi publicado na edição n.º 50 da Grande Consumo.

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