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Futuro do retalho será tão bom quanto a coragem dos seus líderes

Foto Gomes Photography para o WRC 2025

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Após dois dias de debate, o World Retail Congress 2025 chegou ao fim. E se o primeiro dia deixou claro que o retalho do futuro precisa de ser mais humano, o último ofereceu um ponto de chegada (ou de partida): esse futuro só acontecerá se houver liderança com visão e coragem para o construir.

Este ano, mais do que tendências ou tecnologias, o congresso destacou a urgência coletiva do retalho voltar ao essencial (as pessoas, a confiança e o sentido) e deixar de adiar as transformações que já não são estratégicas, mas estruturais.

A inteligência artificial, a sustentabilidade e o comportamento das novas gerações dominaram a agenda, mas os verdadeiros protagonistas foram os líderes que tiveram a coragem de dizer que não há retalho de futuro sem propósito inclusão e ousadia na execução.

 

Confiança e transparência: dois pilares que (ainda) sustentam a inovação

Um dos momentos mais interessantes foi a apresentação do estudo da Brunswick, que analisou a perceção global dos consumidores sobre o uso da inteligência artificial pelas marcas. Dos inquiridos, 64% manifesta interesse em experiências personalizadas potenciadas por IA, mas apenas 41% acredita que as marcas estão a usar a tecnologia de forma ética. 71% admite desconforto com o uso de IA se não houver transparência e mais de metade considera que a confiança numa marca pode ser destruída “em segundos” por um erro automatizado. A conclusão: os consumidores querem inovação, sim, mas não a qualquer custo. A confiança, conquistada em anos, pode perder-se num clique e a transparência não é um extra, mas uma condição essencial da relação.

Apresentação do estudo “AI in Retail: The Customer’s Perspective”

De facto, a inteligência artificial atravessou quase todos os painéis, mas com um tom mais maduro do que em edições anteriores. A sessão Humanising Retail: Putting People Back into Data lembrou que a corrida aos dados não pode fazer esquecer quem está por detrás dos números. Alex Genov (ex-Zappos), Elizabeth Oates (Kroger) e Elsa Pedro do Souto e AiCi Li (Mars) defenderam um novo contrato com os consumidores, com menos vigilância e mais relevância. Num painel mais técnico, discutiu-se a implementação de agentes inteligentes, a IA generativa no conteúdo de produto e motores de recomendação preditiva. Mas a pergunta transversal foi outra: para quê? Porque, como se ouviu várias vezes, “a tecnologia não é o que diferencia — é o que viabiliza a diferença”.

 

A nova geração não espera: exige

As Gerações Z e Alpha foram outra presença constante nas discussões. Um estudo apresentado pela Deloitte revela que 73% dos consumidores com menos de 30 anos já fez compras através do TikTok ou Instagram, 87% valoriza marcas com impacto ambiental mensurável e 93% espera experiências integradas, personalizadas e com voz ativa do consumidor.

Com base no estudo, o painel Shaping the Retail Industry Through the Future of the Consumer revelou o peso transformador destas gerações, apontadas como digitais, experimentais, instantâneas e sociais por natureza. Cruzando inputs da Estée Lauder, Ahold Delhaize e Salesforce, percebeu-se que estas gerações não estão à espera de serem ouvidas, mas de fazer parte do processo, desde o início. São gerações que compram, influenciam, cancelam e recriam, pelo que ignorá-las “é suicida”. Nadine Graf, da Estée Lauder Companies, foi clara: “este não é um ajuste incremental, é uma mudança transformacional”.

Hoje, 90% dos jovens está no TikTok, pelo que é aí que as marcas têm de estar. As fronteiras entre canais desapareceram, a inovação é constante e a expectativa é total. Sjoerd Holleman, da Ahold Delhaize, explicou como o retalho alimentar está a responder com IA para a personalização de receitas, porções adaptadas a lares unipessoais e produtos mais saudáveis. E Kulvinder Hari, da Salesforce, mostrou como os agentes inteligentes já estão a mudar a forma como se compra e se entrega. Mas ficou claro: a tecnologia serve o consumidor, não o contrário.

Painel Shaping the Retail Industry Through the Future of the Consumer

Sustentabilidade com impacto (e lucros)

A sustentabilidade foi também abordada, mas com menos retórica e mais pragmatismo. Helena Helmersson, ex-CEO da H&M e agora presidente da Circulose, desafiou os presentes ao afirmar que “não há futuro no negócio sem futuro no planeta. Temos de deixar de ver a sustentabilidade como uma linha de orçamento e começar a vê-la como o motor da inovação.”

Inspirando-se no conceito da “encosta da iluminação” do Gartner Hype Cycle, Helena Helmersson defendeu que os líderes devem integrar a sustentabilidade no coração da operação, não como um apêndice, mas como motor de inovação, eficiência e fidelização.

Helena Helmersson, ex-CEO da H&M e agora presidente da Circulose

Na mesma linha, o painel sobre circularidade envolvendo a Ellen McArthur Foundation, a Currys, a Primark, a FMI – The Food Industry Association e a Albertsons mostrou que os projetos com maior tração são os que usam linguagem simples, têm benefícios tangíveis e alinham lucro com propósito. Falou-se menos de metas vagas e mais de ações concretas, como a recolha e revenda com métricas claras, os processos de devolução otimizados e a informação direta e acessível para o consumidor.

“Menos desperdício é mais rentabilidade”, disse Suzanne Long, ex-CSO da Albertsons. “O consumidor é o nosso maior regulador”, resumiu Mark Baum, da FMI.

Painel “Winning with the circular economy – and building better businesses”

Liderança inclusiva: de tendência a obrigação moral e estratégica

O painel Why Inclusive Retail Leadership Matters More Than Ever trouxe também dados da Russell Reynolds Associates a reter: apenas 13 dos 65 CEOs de retalho nomeados desde 2019 são mulheres e a diversidade racial nos conselhos de administração continua abaixo dos 20%, na maioria das geografias.

Apesar disso, o WRC 2025 mostrou sinais claros de viragem: as mulheres representaram 46% dos oradores e temas como equidade, representatividade e pertença deixaram de ser paralelos.

Num sector em transformação, a liderança tem de representar o mundo que serve. Como disse Tristia Harrison, CEO da TalkTalk, “incluir não é ceder, é vencer”.

 

Transformação não se faz com 120 iniciativas

E por falar em transformação, um dos momentos mais inspiradores do último dia chegou com Rami Baitiéh, CEO da Morrisons, num lembrete de que as grandes transformações começam com pequenas decisões feitas com rigor. “A transformação é como subir uma montanha de bicicleta. Não se pode parar”, disse.

Rami Baitiéh mostrou como ouvir meio milhão de clientes foi mais valioso do que impor soluções herdadas. “É preciso desaprender para reaprender”, reforçou. “O melhor plano é aquele que é implementado. Não precisamos de 120 iniciativas. Precisamos de cinco que funcionem”, defendeu.

Rami Baitiéh, CEO da Morrisons

Retalho com sentido

O dia ficou também marcado com o anúncio da Universidade de Amesterdão como vencedora do Future Retail Challenge, numa edição marcada pela preocupação em atrair e reter talento da Geração Z no sector. Com ideias sobre bem-estar, reconhecimento e formação, os jovens demonstraram que querem mais do que um salário, querem um propósito.

Universidade de Amesterdão, vencedora do Future Retail Challenge, patrocinado pela Tendam

E talvez esta seja a mensagem que resuma melhor o World Retail Congress 2025: o futuro do retalho depende da capacidade de dar sentido ao que se faz para o consumidor, para os colaboradores e para o planeta. O futuro do sector não depende de tecnologia, mas de visão; não depende de inovação, mas de intenção; e, acima de tudo, depende de líderes capazes de responder à pergunta que pairou sobre todos os painéis: não “o que podemos fazer?”, mas “para que o estamos a fazer?”

O World Retail Congress 2026 já tem data e cidade: 27 a 29 de abril, em Berlim.

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Por Carina Rodrigues

Responsável pela redacção da revista e site Grande Consumo.

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