“Temos o dever de fazer para os próximos 50 anos o que as equipas do Jumbo e Pão de Açúcar fizeram nos últimos: deixar uma empresa sólida, uma equipa forte e comprometida, honrar o legado”

Pedro Cid Fotos Sara Matos

50 anos depois, o Jumbo desapareceu. Mas não desapareceram os seus princípios. A uniformização da identidade da Auchan mantém muitos dos pilares e princípios que regiam o Jumbo, verdadeira escola no sector do retalho em Portugal, numa marca mais adaptada ao presente e que se projeta no futuro. Em entrevista à Grande Consumo, Pedro Cid, diretor geral da Auchan Retail Portugal, aborda os principais desafios deste processo de mudança de identidade, que define como, acima de tudo, um processo de transformação cultural. E os desafios do futuro: preparar os próximos 50 anos da Auchan em Portugal com a solidez dos últimos 50. Em suma, honrar o legado deixado por Jumbo e Pão de Açúcar, focando nas equipas e nos clientes, sem esquecer que os investimentos devem, sempre, criar valor para a sociedade.

Grande Consumo – É oficial. As marcas Jumbo e Pão de Açúcar desapareçam e deram lugar à uniformização da identidade do parque detido sob a marca Auchan. A que se deve esta aposta? Pedro Cid – Em primeiro lugar, era fundamental evoluirmos a marca que tínhamos em Portugal, já com 50 anos, para uma marca mais jovem, ágil e adaptada aos clientes e às equipas.

Ouvimos muitos comentários de que a mudança de identidade obedeceu a uma imposição da casa-mãe, mas posso garantir que essa alteração já era estudada desde que a Auchan comprou o Pão de Açúcar, em 1996. Na altura, entendemos que não era o mais adequado a se fazer, uma vez que a marca Jumbo estava bem implantada em Portugal e não iríamos ganhar nada com isso. Depois, em 2003, voltámos a estudar essa alteração, porque todo o “sourcing” e toda a marca própria já eram de uma marca internacional. Note-se que, em 2000, já não tínhamos nenhum produto de marca Jumbo.

Além disso, tendo em conta o que se passa na Auchan em termos internacionais, em que os vários países têm não só a sua autonomia como o dever de ter os seus projetos próprios – não somos uma marca global, temos uma plataforma global e sinergias globais, mas somos uma marca adaptada ao projeto de cada país -, chegámos a 2017 e lançámos o conceito de ultra proximidade. Internamente, voltámos a fazer um estudo para perceber qual era o posicionamento do Jumbo e apurámos que não seria o de marca de proximidade. Os próprios supermercados já tinham sido lançados não como Jumbo, mas como Pão de Açúcar. O que significava que, em Portugal, tínhamos My Auchan, Pão de Açúcar, Jumbo Pão de Açúcar, Box e Jumbo.

Não existindo qualquer imposição da casa-mãe para a mudança de identidade, havia, sim, um objetivo internacional em que cada país só poderia trabalhar uma única marca. Novamente, fomos rever os prós e os contras e estudar o que se adaptava melhor ao país, ao projeto e ao futuro. Foi então que optámos pela marca Auchan. 

 

GC – Foi fácil fazer desaparecer uma marca tão próxima dos portugueses, como era o Jumbo, que ainda este ano assinalou os 50 anos de forma discreta? O facto de o Pão de Açúcar ter menos lojas com essa identidade tornou o processo mais fácil? Quais foram os principais desafios desta uniformização de marca?

PC – Estamos a construir uma marca muito mais associada à nossa visão e não aos formatos em si. Foi um processo de aculturação trabalhoso, de dois anos. Mais do que um processo de marca, foi um processo de transformação cultural.

O dia 12 de setembro foi de duplas emoções, porque, como é óbvio, a marca Jumbo tem um grande significado para nós. Mas estamos a valorizar muito mais o futuro. Mais do que uma alteração de imagem e de logótipo, é principalmente uma alteração de projeto e de modo de estar, que está muito associada aos valores da empresa. Os três valores que tem hoje, de abertura, de confiança e de excelência, estão bem enraizados dentro das nossas equipas.

 

GC – O processo já está concluído?

PC – Penso que é um processo que não vai estar concluído nunca. Vai estar cada vez mais adaptado, sem estar concluído. Neste processo de aculturação, o principal é esta agilidade de nos adaptarmos às nossas equipas – dar uma vida cada vez melhor às pessoas que trabalham connosco -; aos nossos clientes – não há hipermercados como antigamente, não há um comércio para massas, como havia antes –; e à sociedade – temos de criar valor nas comunidades onde estamos, sempre foi uma preocupação desta casa, com valores e resultados muito interessantes. 

 

GC – Podemos considerar que se trata de um movimento natural na dinâmica própria doretalho e que já teve outros episódios com outros protagonistas no nosso mercado?

PC – O retalho está muito bem desenvolvido em Portugal. Tem “players” muito bons, há uma necessidade de adaptação que vai continuar e evoluir. Ninguém sabe como será o mercado daqui a cinco anos, mas, uma coisa é certa, terá que ser muito mais adaptado ao que os clientes querem, ao que as nossas equipas querem e precisam e mais simples e ágil.

 

GC – O Pedro foi responsável pela abertura de dois grandes formatos sob a marca Jumbo. É uma marca que lhe deixa saudades?

PC – A saudade é uma palavra muito portuguesa e tem uma conotação positiva. É bom ter saudades. Não deixa de ser um sentimento triste, porque nos falta alguma coisa, mas é, ao mesmo tempo, alegre, porque foi algo de bom.

O Jumbo foi uma grande escola. Foi pioneiro em Portugal de muitas coisas do sector do retalho: o primeiro hipermercado com o código de barras (Alfragide, em 1988), o primeiro cartão, a aplicação, o site, o sermos certificados em responsabilidade social, o comércio avulso, etc. Sem dúvida que me deixa uma saudade enorme.

O bom disto é que mantenho muitos dos pilares e dos princípios que regiam o Jumbo. A grande diferença é que, hoje, temos uma empresa mais adaptada e que tem um logo Auchan. É o melhor de dois mundos.

 

GC – Acredita que a uniformização da marca é uma alavanca para o crescimento, seja em vendas ou em crescimento orgânico? É a primeira parte do projeto para os próximos 50 anos que a companhia quer construir?

PC – Este é o primeiro pilar dos próximos 50 anos. Temos o dever de fazer para os próximos 50 anos o que as equipas do Jumbo e Pão de Açúcar fizeram nos últimos: deixar uma empresa sólida, uma equipa forte e comprometida, honrar o legado.

O nosso principal objetivo, neste momento, não são vendas ou resultados, mas esta aculturação, esta evolução das nossas equipas e da nossa forma de estar perante o cliente. É isso que nos vai trazer vendas e resultados.

 

GC – Previstos no plano de investimento de 90 milhões de euros anteriormente anunciado, os 7,5 milhões de euros aplicados no Auchan de Alfragide são um sinal da ambição que a companhia ainda detém no mercado nacional? Quando tanto se fala de proximidade, conveniência e serviço, os médios e grandes formatos ainda têm uma palavra a dizer?

PC– Estou 101% convencido que sim. Em primeiro lugar, a transformação que fizemos em Alfragide, e que estamos a replicar nas outras lojas, tem tido excelentes resultados. Conseguimos adaptar, dentro de um grande formato, de 10 mil a 12 mil metros quadrados, os vários percursos do cliente. Em Alfragide, é tal a diversidade de clientes, e do que eles querem, que é possível entrar e sair da loja, sem falar com ninguém, em três minutos, fazendo as compras através da aplicação; é possível demorar apenas 10 a 15 minutos só para comprar determinado tipo de artigos; assim como é possível o percurso todo e permanecer na loja durante uma hora e meia. É um hipermercado que se transformou para apresentar esta diversidade de percursos. 

 

GC – Nesse contexto, a introdução da Academia Auchan na loja de Alfragide é um elemento diferenciador, e onde os clientes podem fazer workshops, numa loja onde também se pode pagar com uma app e poupar tempo. O sucesso do retalho alimentar passa por oferecer distintas possibilidades, sob o mesmo teto, às diferentes necessidades dos consumidores?

PC – O que dantes era tudo debaixo do mesmo teto, hoje, evolui para tudo é possível debaixo do mesmo teto. A oferta que temos num hipermercado de 12 mil metros quadrados e a relação qualidade/preço são de tal maneira boas que trazem mais-valias muito grandes para os consumidores.

 

GC – Quando tanto se fala em consumo experiencial, esta é a resposta da companhia a esse desafio do mercado moderno?

PC – A principal resposta está na nossa equipa. Em segundo lugar, a resposta de nos adaptarmos ao que o cliente quer ter. Esta adaptação aos vários perfis serve para preparar os próximos anos.

 

GC – As lojas de Cascais e Paço de Arcos irão, também elas, refletir este mesmo conceito?

PC – Paço de Arcos será a nossa primeira loja a nascer sob a insígnia Auchan. Vamos ver algumas evoluções do que está em Alfragide. Apresentará um formato diferente, com cerca de seis mil metros quadrados, mais adaptado à área onde está localizada e onde estarão mais vincados os percursos rápidos, como o da compra semanal. Trata-se de um projeto com quatro anos de trabalho.

Cascais é a nossa loja mais antiga. Já teve muitos projetos, tendo este ficado fechado há dois anos. Vai ser um projeto moroso, que vai reformular a entrada de Cascais e a zona envolvente e com o desafio de querermos manter a relação de 40 anos com os clientes, mas respondendo também aos novos. Vai demorar dois anos ainda em projeto.

 

GC – É cada vez mais importante comprar local? A experiência de compra de uma loja faz-se pela proximidade às regiões onde está inserida?

PC – Este era um dos trunfos que tínhamos no passado e que, hoje em dia, se reforça. Em 2018, 88% das compras da Auchan foram feitas em Portugal.

A Carnalentejana começou connosco, há mais de 20 anos. Vários produtores que hoje trabalham connosco foram crescendo, numa relação de parceria que teve sempre como princípio ser “um casamento às claras”.

É fundamental e obrigatório que cada loja crie valor na comunidade onde está inserida. É uma das diretrizes da casa-mãe. Além disso, é uma garantia de qualidade. Receber vegetais e fruta produzidos a poucos quilómetros de distância da loja tem uma outra garantia de frescura.

 

GC – A expansão da companhia far-se-á através da proximidade ou dos grandes formatos?

PC – A expansão da companhia far-se-á, principalmente, com marca, seja via formatos médios (grandes, diria, que não há espaço para muito mais) e, sem dúvida, com o de proximidade. Mas, sobretudo, em torno daquilo que na Auchan designamos de zona de vida.

O que nos interessa é dar condições aos nossos clientes de poderem comprar onde querem, como querem e quando querem. Por isso, não vai acontecer só sob um formato, mas sim sobre este ecossistema. É o que o cliente nos pede. Desde fazer as compras em casa e recebê-las no conforto do lar, a fazer as grandes compras em casa e receber numa loja My Auchan, etc. É por aqui que vai ser feita a expansão da Auchan. Não vamos abrir formatos de proximidade e ultra proximidade em sítios onde não tenhamos este ecossistema.

 

GC – São conhecidos os montantes investidos e o plano de expansão anunciado até 2019. Com a chegada de uma nova década, quais são os principais desafios que se colocarão à Auchan?

PC – Os investimentos dependem, como em tudo, da criação de valor, pelo que estarão relacionados com os resultados que obtivermos. O valor ronda 30 a 40 milhões de euros por ano. De 2017 até agora, está situado em 90 milhões de euros. Mas o principal investimento futuro vai dentro daquilo que é o nosso movimento do que é bom, são e local.

Primeiro, como vamos ser dos maiores impulsionadores da relação com os produtores locais, há uma abertura para fazer investimentos diferentes em tudo o que é local. E em tudo o que é são. O Nutri-Score é um exemplo fabuloso de simplificar a informação para os clientes (ver caixa). E, depois, em tudo o que é bom. A Academia de Alfragide é um exemplo disso mesmo.

A solidez dos últimos 50 anos da Auchan em Portugal é a que queremos dar para os próximos 50. Não somos uma empresa de cometer loucuras, mas de dar passos sólidos, que tragam valor às nossas equipas e clientes. Mais milhão menos milhão, o objetivo é criar valor para a sociedade.

 

Este artigo foi publicado na edição n.º 59 da Grande Consumo.

 

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