“O nosso objetivo é crescer o dobro daquilo que é o objetivo da Europa”

No ano em que comemora 30 anos em Portugal, a Procter & Gamble reafirma a importância da operação nacional como acelerador do seu desempenho na Europa. Cláudia Lourenço, diretora geral da P&G Portugal, confirma que o objetivo é crescer o dobro daquilo que é a meta estabelecida a nível europeu. Uma operação cada vez mais relevante, não só pela aceleração das vendas – este será o quinto ano consecutivo de crescimento -, mas também por servir como uma plataforma de testes de boas práticas que podem ser, depois, replicadas noutros mercados. A empresa que entrou no mercado nacional com a compra da Neoblanc tem sabido, ao longo destes 30 anos, evoluir e fazer evoluir o próprio mercado nacional. Reinventando-se enquanto organização, nos métodos de trabalho, nas formas de lançar produtos e de chegar ao consumidor. Quem não se lembra da célebre ação de Fairy para assinalar a inauguração da Ponte Vasco da Gama, em 1998?

 

Grande Consumo – A Procter & Gamble assinala, em 2019, três décadas no mercado português. Que balanço pode fazer do percurso feito até aqui? Quais as principais conquistas e desafios enfrentados?

Cláudia Lourenço – A minha memória permite recuperar duas décadas, porque estou na empresa há 21 anos. Mas temos pessoas que estão cá há 41. De facto, a P&G começou em Portugal em 1989, mas fê-lo pela aquisição de uma empresa já existente, a Neoblanc, por isso, temos colaboradores que já vinham daí.

Fizemos uma tertúlia, em maio, para recuperar memórias. Da primeira década, tivemos muita representatividade. Foi uma década de descoberta. Poucos conseguiam dizer o nome da empresa, Procter & Gamble, muitos consideravam que era uma consultora. Foi um marco de descoberta de como apresentar produtos, pessoas e novos métodos de trabalho, desbravar o mercado.

A década seguinte incidiu na expansão do portfólio. Introduzimos aquilo que deriva da vantagem de sermos uma multinacional. Temos 30 anos em Portugal, mas a empresa tem 182 anos no mundo.

A última década foi também marcada por formas de expansão distintas. A empresa não só continuou a trazer inovação, como também passou por aquisições muito relevantes, como, por exemplo, a da Gillette. E a mais recente, que ocorreu em dezembro do ano passado, a parte de Consumer Health da Merck.

 

GC – Como vão ser comemorados os 30 anos?

CL – Decidimos fazer um ano de comemorações. A 5 de dezembro, assinalamos o dia em que se assinou a escritura de compra da Neoblanc. Esse será o último dia das comemorações. Mas já tivemos vários momentos.

A primeira coisa que começámos por fazer foi com a nossa organização e com as pessoas que suportam a nossa organização, as suas famílias. Todos os anos, costumamos fazer o dia da família e, este ano, teve como mote a celebração dos 30 anos. E falamos de família no conceito mais abrangente possível.

Continuámos, em maio, com a tertúlia dos 30 anos com pessoas que foram relevantes ao longo do tempo e que, já não estando na empresa, ajudaram a construir estas três décadas. Ouvir as suas histórias reenergizou-nos para o orgulho que é conseguir servir os consumidores com as nossas marcas.

 

GC – O que, nestes anos, mudou no portfólio da empresa?

CL – Quando começámos, tínhamos seis artigos para vender, todos eles da Neoblanc. Agora, temos mais de 400. Tínhamos uma marca, agora, temos 30 marcas, muitas delas vindas do nosso portfólio já existente e outras derivadas de aquisições. Foi um salto enorme. As marcas estão centradas, ao dia de hoje, em categorias que têm a ver com os cuidados pessoais, do lar ou saúde. Também tivemos outras experiências, com Pringles e Sunny Delight, no sector da alimentação, e que, sendo grandes marcas, não faziam sentido no posicionamento da empresa. Mais recentemente, a empresa direcionou-se mesmo para estas três áreas de produto, com muita aposta na área da saúde, ultimamente.

 

GC – Em Portugal, a P&G é o quinto maior anunciante, segundo os dados da Mediamonitor. Este é um dos pilares da vossa estratégia, a comunicação? Quais são os outros?

CL – A comunicação é muito importante para nós, porque um dos pilares estratégicos é colocar o consumidor no centro. E se não falarmos com ele, é muito difícil.

Mas, antes de falarmos, temos de ouvir o consumidor. Tudo começa aí. É esse o nosso principal pilar estratégico. Saber quais as necessidades que temos de satisfazer. O propósito da empresa é um propósito bonito: “tocar vidas e melhorar a vida”. Desde a origem. E a origem foram dois emigrantes europeus nos Estados Unidos da América. Um fez uma fábrica de velas e outro uma de sabão. E podemos questionar como é que velas e sabão tocam a vida das pessoas. Não nos podemos esquecer que era o ano de 1837, não existia eletricidade e o trabalho era muito físico. O sabão fazia muita diferença. Desde a origem que a empresa ouve os consumidores e procura responder às suas necessidades em todos estes micro momentos. Se é preciso mudar uma fralda às 4 horas da madrugada, pois que seja fácil de fazer.

A principal estratégia da empresa é, então, ouvir os consumidores e responder a essas necessidades através da inovação. Mas também trabalhar sempre com as pessoas no centro, sejam elas colaboradores, sejam consumidores. Temos um papel interventivo na sociedade, fazemo-lo de forma discreta, mas bastante consciente.

 

GC – Um dos grandes marcos neste percurso de 30 anos em Portugal foi a grande ação desenvolvida por Fairy, em 1998, para assinalar a inauguração da Ponte Vasco da Gama, com uma feijoada que entrou no Livro do Guiness e que ainda hoje está na memória dos portugueses. Passados todos estes anos, sentem que continua a ser uma ação fora da caixa?

CL – Claro que sim, pelo marco que foi na altura e pelo facto de, ainda hoje, falarmos dela. Essa é a nossa maneira de estar no mercado. Se queremos estar junto dos consumidores, temos de conseguir saber falar com eles, de maneira que seja relevante para eles. A feijoada, a Expo 98 e a inauguração da Ponte Vasco da Gama eram relevantes para Portugal, naquela altura.

Temos outros exemplos. A forma como falamos com o consumidor com a nossa marca Pantene também se alterou. Muito recentemente, fizemos um “reality show” chamado Cabelo Pantene. É também uma forma diferente, atual e relevante de comunicar com o consumidor.

Um dos primeiros “flash mobs” em Portugal foi com a marca Herbal Essences, muito assente nas experiências e que tem um posicionamento muito na área sexy. Na altura, a embaixadora da marca era a Rita Pereira. Fizemos, no centro de Lisboa, um dos primeiros “flash mobs” de desfile de cabelos sexy.

 

GC – Nos dias de hoje, a indústria precisa de recuperar o diálogo com o consumidor?

CL – Os consumidores pensam, agem e decidem de maneira diferente. Esse diálogo tem que evoluir de um diálogo de massas para uma comunicação de precisão. Todos nós estamos dispersos, ligados a muitas plataformas. Temos que nos adaptar ao caminho que nos leva até ao consumidor.

Mas a mensagem também tem de ser adaptada. Sim, os consumidores querem as marcas que lhes toquem a vida, querem ter a inovação, mas também querem conhecer as empresas que estão por detrás e que estas sejam empresas com as quais se identificam do ponto de vista da transparência e dos valores da ética. Por isso, a comunicação tem de ser adaptada aos veículos, mas também a estas novas mensagens que os consumidores procuram.

 

GC – Sendo que foi a P&G que ditou muitas das regras do marketing empresarial, nomeadamente do marketing de massas – inventou, por exemplo, as telenovelas para poder exibir os anúncios de sabão -, como encara agora o desafio de uma comunicação que se quer cada vez mais individualizada?

CL – Podemos falar tanto de comunicação, como de distribuição, porque as realidades mudaram muito. Ambas só precisam de ser feitas versus a necessidade. Do ponto de vista da distribuição, as pessoas continuam a fazer compras, mas fazem-no de uma maneira muito distinta. Têm muitos mais veículos de compra e formas de decidir o que comprar: “ratings”, influenciadores, publicidade, etc. Passámos de ter lojas físicas a muitos canais onde podemos comprar.

 

GC – São 30 anos em Portugal, mas as origens da P&G remontam a 1837. Como é que uma empresa consegue manter-se relevante e atual ao longo de 182 anos? Como é que do sabão e velas se chega a líder mundial em produtos de grande consumo?

CL – É um grande caminho. Os pioneiros foram os senhores Procter e Gamble, que, por acaso, juntaram os negócios porque se apaixonaram por duas irmãs e casaram com elas. A empresa tem na sua génese as pessoas. A partir daí, a continuou a construir sinergias sobre tudo aquilo que poderia melhorar a vida das pessoas. É uma empresa que faz investigação e desenvolvimento de A a Z, desde os produtos, com mais de 37 mil patentes registadas, até à comercialização dos mesmos.

Mas, ao longo do percurso, fez também aquisições relevantes ao longo do percurso. Falamos da Gillette, como uma delas, e agora esta incursão ainda mais intencional no mundo da saúde, com a Merck.

 

GC – Essa posição de liderança também se verifica no mercado nacional?

CL – Temos, de facto, produtos líderes também em Portugal. Fairy, por exemplo, representa mais de metade da categoria de loiça manual. Dodot é outra marca bem acima dos 60% de quota de mercado. Nos champôs, Pantene é líder de mercado. Gillette tem também uma forte liderança na categoria. Swiffer lidera na limpeza de superfícies, nomeadamente na parte estática. Oral-B não é líder na categoria de higiene oral, mas está a ganhar presença. Na parte farmacêutica, Vicks é líder e Clearblue lidera nos testes de gravidez.

Portanto, temos em Portugal vários produtos onde também existe esta dimensão de liderança e outros onde há ainda margem de crescimento considerável.

 

GC – A comemoração de 30 anos em Portugal coincide com uma mudança de paradigma nos negócios e na própria forma como os consumidores entendem o conceito do que deverá ser o objetivo de uma empresa. Estamos a evoluir no sentido de ter companhias cada vez mais ativistas do ponto de vista social? A medida recentemente anunciada de aumentar a licença parental aos funcionários em Portugal é um exemplo disso mesmo?

CL – Claramente. A P&G tem muito bem estruturadas as cinco áreas de intervenção, além de tocar a vida dos consumidores. A primeira área tem a ver com ética. Não é falada muitas vezes, mas é muito relevante. É muito importante trabalhar com ética, respeitar o quadro legal existente, as boas práticas de comércio, a lei da concorrência. Temos imenso orgulho de trabalhar numa empresa que se quadra por este tipo de padrões. Não é fácil fazê-lo em todos os países, mas é um dos pilares pelos quais nos pautamos.

Outro pilar tem a ver com a diversidade e inclusão. Que é diferente da igualdade de género, também outro dos pilares. Se queremos servir consumidores, temos de ter presente que eles são todos diversos. Se queremos que as pessoas, no seu dia-a-dia de trabalho, tragam o melhor, têm de o fazer sendo elas próprias.

Não consideramos a igualdade de género como diversidade e inclusão, porque não há um género que seja padrão e os outros sejam diversos. Nessa circunstância, para nós, é absolutamente relevante que o façamos internamente, em todas as oportunidades, na gestão de talento, e também externamente. Por exemplo, foi recentemente anunciado que a marca Always, que é a nossa marca de higiene feminina no mundo – em Portugal temos Evax e Ausonia – retirou do seu packaging qualquer tipo de desenho que representasse uma mulher. Há pessoas que não se identificam com o género feminino, mas têm menstruação. São novas realidades que as marcas têm de acompanhar.

Falamos de ética, de diversidade e inclusão, de igualdade de género e também, claramente, de sustentabilidade. É óbvio que temos de ser uma empresa responsável nessa área. Felizmente, 100% das nossas fábricas produzem 0% de resíduos. 86% dos nossos produtos são embalados em materiais que já foram reciclados e chegaremos a 100%. Não somos muito proativos a fazer estas comunicações, mas somo-lo a ter estas ações.

Mas a sustentabilidade vai além de toda a parte produtiva. Temos também uma componente de ajudar na parte de consumo. Se, por exemplo, usarmos um Fairy concentrado, por comparação a um diluído, a pegada é menor, porque os camiões que circulam levam muitas mais embalagens e chegam a mais casas. 90% daquilo que é a pegada ecológica numa lavagem de roupa vem do aquecimento da água. Temos de apostar em detergentes com fórmulas que permitam lavagens a baixas temperaturas. Obviamente que as corporações têm de se adaptar na produção, mas também em ajudar os consumidores a ter hábitos de consumo que também reduzam a pegada ecológica.

O último pilar é o impacto na comunidade. Nesta área, trabalhamos muito, embora de forma discreta. Há mais de uma década temos uma parceria com a Entreajuda e somos o seu maior doador. E continuaremos a sê-lo. Infelizmente, tivemos no país o flagelo dos incêndios e tivemos uma intervenção enorme na doação de produtos para as famílias afetadas. Outro exemplo: quando nasce um bebé prematuro, a Dodot doa fraldas adaptadas ao seu tamanho.

 

GC – Como é que se equilibra este novo paradigma empresarial com a pressão dos resultados?

CL – Consumidores e trabalhadores felizes trazem melhores resultados. Todas as nossas políticas de flexibilidade só trazem melhores resultados. Não há cá vida pessoal e vida profissional. A nossa vida é uma. Temos é vários papéis. Tudo o que tenha a ver com a possibilidade de as pessoas poderem gerir essa vida de forma integrada só traz resultados. Eu tenho quatro filhos. Tenho quatro festas de Natal, quatro aniversários, quatro reuniões de pais, etc. Às vezes damos à família um pouco mais, mas outras vezes damos esse pouco mais ao trabalho. E podermos equilibrar tudo isto só traz melhores resultados.

 

GC – Sentem que têm alguma responsabilidade, enquanto grande multinacional, de contribuir para a resposta a alguns dos problemas que atualmente assolam a sociedade, como as alterações climáticas e a poluição? Que respostas têm dado para contribuir na mitigação deste tipo de problemas e de que modo essas respostas se materializam na operação nacional?

CL – Uma das áreas onde a empresa tem, há já muitos anos, um programa com um impacto enorme são os recursos. A água é um bem super precioso, mas escasso. Há muita gente no mundo que não tem água potável. Globalmente, temos um programa através do qual desenvolvemos um filtro de água que só serve para que haja mais água potável no mundo. No ano passado, 15 mil milhões de litros de água foram transformados em água potável através do mesmo.

Como já referido, queremos chegar à meta de 100% de tudo o que seja embalagem nossa já venha reutilizada de algum outro propósito. E mais, então, e se tivéssemos produtos que nem tivessem embalagem? Imaginem um detergente que é do tamanho de um sabonete, em que é o próprio consumidor a misturar com água, num recipiente. Nada de embalagens. O projeto DS3 baseia-se na criação de micro concentrados de produto, que são, depois, na casa do cliente, transformados no produto final.

Da mesma maneira que estas inovações são globais, hão de chegar a Portugal. Não precisamos do programa de água potável, mas precisamos do apoio aos incêndios e aos prematuros.

 

GC – Como estão a correr as vendas da P&G em Portugal? Que importância tem a inovação nas vossas vendas no mercado português?

CL – As vendas em Portugal estão a correr bastante bem. Temos tido quatro anos consecutivos de crescimento e estamos a entrar no quinto. Isso acontece porque temos relevância não só ao nível do portfólio atual, como na inovação que estamos a trazer para o mercado. Relevância do ponto de vista de utilização no dia-a-dia, como também nas causas com as quais os consumidores se identificam cada vez mais. Com a sua dimensão, Portugal procura ser um acelerador dentro do universo P&G na Europa. O nosso objetivo é crescer o dobro daquilo que é o objetivo da Europa. A nossa percentagem de crescimento é o triplo da de Espanha.

Tivemos que nos reinventar enquanto organização, nos métodos de trabalho, nas formas de lançar produtos e de chegar ao consumidor. A nossa relevância vem pelo aceleramento das vendas, mas também porque estamos a experimentar muitas coisas diferentes e a ser posicionados como um mercado de teste que, depois, pode levar estes ensinamentos para outros países.

 

GC – Somos um mercado onde o fator preço ainda é preponderante? As promoções constantes vieram delapidar as categorias?

CL – As promoções existem há muito tempo. Começaram a ser mais incisivas a partir do 1 de maio de 2012, quando nós todos, enquanto consumidores, passávamos por uma recessão. E começaram a ser transversais, não só do mercado do grande consumo. Compramos livros escolares e óculos com desconto. Temos saldos nas casas.

Com a crise, todos tivemos que nos adaptar a este novo paradigma e as promoções vieram neste sentido. Agora, o consumidor português aprendeu que essa é a forma inteligente de fazer compras.

A partir daqui, a diferenciação terá de vir de outros vetores: experiência de compra, experiência de utilização, causas associadas às marcas.

 

GC – Chegaram a Portugal com a compra da Neoblanc e trouxeram marcas verdadeiramente globais, que se tornaram autênticas “love brands” dos portugueses. Como é que uma empresa tão global, como a P&G, se torna cada vez mais local?

CL – Tornamo-nos mais locais porque a forma como ouvimos e respondemos aos consumidores portugueses tem de ser local. Como em todas as empresas, há transformações muito relevantes. A P&G já foi 100% local, 100% global e agora está numa fase em que equilibra o melhor de ambos os mundos: a escala proporcionada pelo facto de ser uma empresa global e o saber de chegar localmente. Fizemos uma reorganização da nossa estrutura para passarmos a ter muitos mais papéis na forma de gerir o negócio. Passámos a ter um marketing mais local, uma logística e finanças mais locais. Temos mais recursos com perfis e conhecimento locais para estarmos mais próximos dos consumidores portugueses. Além de que passámos, também, a ter mais parceiros locais. 

 

GC – O que seria um bom ano de 2019 para a P&G em Portugal?

CL – Seria entregarmos estes desafios de crescer aos ritmos que nos estão a ser propostos, mas fazê-lo de forma bem relevante para os consumidores e com colaboradores motivados.

 

Este artigo foi publicado na edição n.º 59 da Grande Consumo.

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